As histórias inspiradas em Sherlock Holmes se espalham por mil lados e de mil formas diferentes. Tantos filmes, séries, HQs, e até os nossos queridos mangás e animes. Mas mesmo nesse mar de variedades, Moriarty: O Patriota consegue inovar e se destacar entre todos. Porque o que nós vemos aqui não é o lado do detetive, mas o lado do seu arqui-inimigo, o professor Moriarty. O vilão principal de suas histórias é aqui coroado herói.

O anime trata, acima de tudo, de uma revolução. É assim que o anime começa e é assim que ele se encerra. A ideia dessa revolução de início nos lembra uma revolução francesa, em certo sentido uma revolução russa, mas no final das contas nem uma e nem outra. No que se refere à sua revolução e mesmo ao seu objetivo final o anime é bastante vago e obscuro.

Mas não “misterioso”, embora ele esconda certas informações sobre essa revolução que dará apenas ao longo do anime. Na verdade, o anime é apenas um apanhado geral de ideias, a maioria delas lugares-comuns de nossa época.

E a conclusão dessa revolução ainda teve uma justificativa pobre e ilógica. Não se justifica a mudança para esse “novo mundo” e nem mesmo ficou claro o que mudou no final das contas.

Agora, mudando de tema, destaco o Moriarty como protagonista. Ele é uma união cômica entre um gênio acima de toda a humanidade, único capaz de guia-la e grande conhecedor da Verdade, e ao mesmo tempo um amalgamo de lugares-comuns e contradições.

Porém, ainda assim, aceitando-o como grande gênio, temos um problema em nossa frente. Porque isso o torna alguém incompreensível e inacessível como ser humano, impossibilitando que nos relacionemos com sua pessoa.

Claro, isso acontece de propósito, o anime quer que ele seja esse ser superior para que assim possa justificar todas as suas atitudes e obras.

Mas há quem argumente “ainda assim, não é inegável que aqueles que ele combate são maus? E acabar com o mal não é fazer o bem? Pois é exatamente isso que ele faz. Portanto, é também inegável que aquilo que ele faça seja o bem”. E de fato, não há a menor dúvida quanto à natureza daqueles que ele combate.

Porém, o problema está justamente no fato de como o anime retrata esse “mal”. Não há um nobre inimigo que possua alguma virtude, uma única se quer. E eles não possuem um ou outro vício e depravação, porque essas coisas sim eles têm em bonança, já que todos eles são seres desprezíveis que beiram o estado de psicopatia.

Ou seja, é fácil criar um herói que luta pelo bem, mesmo quando suas ações sejam duvidosas, desde que se faça uso de um maniqueísmo ridículo.

Sendo ainda mais preciso sobre os problemas dessa abordagem podemos resumi-la em três. Temos um personagem herói que é inalcançável em sua inteligência e que se sobressai sobre toda a raça humana. E vilões igualmente incompreensíveis, porém pelo fato de serem seres corrompidos até o mais fundo de seus seres.

Esses dois pontos impossibilitam que nos coloquemos no lugar de qualquer um dos lados. E também que haja embates de ideias e visões de mundo, ou dúvidas e mesmo culpa sobre os atos cometidos por seu herói.

Além desses, há o fato da revolução ser completamente vaga e não ter substância alguma. Ou seja, temos personagens vazios tratando de um problema igualmente vazio.

Mas claro que o anime tem outros elementos interessantes além da revolução. Há também toda a sua ambientação histórica da época vitoriana, esta sim que merece ser elogiada. Ao menos naquilo que concerne à parte estética, já que mesmo a parte histórica tem os seus problemas.

Contudo, ainda que continuem sendo coisas discutíveis é inegável que o autor tem consciência delas. Das quais falo? Bem, alguns anacronismos históricos quanto à sociedade da época e alguma falta de fidelidade histórica. Ainda que esta falta de fidelidade seja uma transgressão consciente e com propósitos bastante claros.

Um grande exemplo é o caso de Robespierre, quem viu o anime sabe sobre o que digo. Portanto, não afirmo que isto seja um defeito, apenas que tira a confiabilidade de sua parte histórica. Mas novamente, é uma escolha proposital e consciente do autor.

Ou seja, o ponto é que se o anime se levasse a sério enquanto obra histórica não faria isso, o que prova que ele nunca teve tal pretensão.

Até porque o anime faz uso da ficção, em especial da literatura e do imaginário popular de uma forma geral. O próprio foco em Sherlock Holmes evidencia isto, já que Sherlock é tanto um personagem literário tão conhecido que até parece uma figura histórica.

E confesso que como fã das obras de Sherlock Holmes tenha adorado as muitas referências às histórias originais. Ainda assim, é inegável que o anime as utiliza com superficialidade. O anime não tem pretensão de ser fiel a detalhes ou mesmo a ideias gerais.

E em verdade são histórias completamente distintas. O “original” é uma história do gênero policial, coisa que Moriarty: O Patriota não é de forma alguma e nem tenta sê-lo. O mistério aqui só é um adorno e mesmo assim pouco utilizado.

Por fim, aproveitando esse tema é oportuno falar de sua narrativa. Porque se o anime tem episódios de mistério, ainda que limitados como comentei, é de se imaginar que o Holmes tem uma grande importância na obra.

E de fato, ele é praticamente um segundo protagonista. O que exige uma narrativa que saiba dividir a sua atenção entre esses dois núcleos e trabalha-los tanto separadamente, em conjunto e até em paralelo. E nesse sentido o anime merece mil elogios, pois soube fazer isso muito bem.

A narrativa tem um ritmo muito agradável e seu foco em certos personagens e tramas são claramente muito bem arquitetados. É uma construção que atende tanto a necessidades imediatas quanto de longo prazo.

O problema é que ainda que as apresentações dos personagens e suas interações sejam elogiáveis, assim como toda a trama da obra ser muito bem desenvolvida, não muda o fato de que dela pouco se tira. E o problema é muito simples, o anime não teve tempo para desenvolver os seus personagens e de se aprofundar neles.

A Irene é uma exceção, mas não positiva, porque se o anime teve o tempo e a caracterizou corretamente, então depois ele a desconstruiu como personagem e não soube trabalha-la corretamente até o final da obra. E até personagens muito importantes foram rejeitados quase o anime todo, como no caso do irmão do Moriarty (Louis).

Então dito isso sobre todos esses pontos, não há nada mais para ser destacado. Isso foi Moriarty: 0 Patriota, um anime que poderia ser bem interessante, mas que não conseguiu se provar. Até mais.

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