Shimoneta – ep 4 – Eu disse!
[sc:review nota=5]
Às vezes eu acerto nas previsões ou diagnósticos que faço sobre os animes que assisto. Porém na maioria das vezes eu erro, e em alguns casos eu erro por margem tão grande que se o erro fosse o nível do chão e o acerto o topo de um edifício e eu empilhasse pessoas para igualar essa altura, seria preciso chamar muitas ambulâncias para todas as pessoas feridas tentando fazer uma pirâmide humana estúpida. E eu seria preso por tê-las empilhado em primeiro lugar. Mas wow, eu acertei tanto no caso desse episódio que sequer estava preparado para ver tudo o que eu próprio já tinha previsto que aconteceria ou poderia acontecer!
No artigo sobre o segundo episódio, falando sobre o Goriki, eu escrevi: “A defesa da moral, ainda que ele não saiba nada sobre aquilo que combate, é seu imperativo categórico kantiano”. Imperativo categórico é um princípio moral que deve ser obedecido não importa o quê. Alguém por exemplo poderia considerar que “não mentir” é um imperativo categórico, e assim estaria obrigado a sempre dizer a verdade mesmo que isso possa causar um mal. Benjamin Constant (não o militar brasileiro, mas o filósofo francês) propôs a seguinte situação para Kant, que considerava “não mentir” um imperativo categórico: se um assassino pergunta a alguém a localização de sua próxima vítima e essa pessoa sabe onde a vítima está e por alguma razão qualquer não pode escolher simplesmente calar-se, está obrigada a dizer a verdade, sabendo que isso certamente provocará a morte de outra pessoa? A resposta de Kant é “sim”. Assim são imperativos categóricos. Pois bem, as leis de defesa da moral são tratadas por algumas pessoas nesse mundo como imperativos categóricos. Não apenas o Goriki, mas notavelmente também a presidente do conselho estudantil Anna. Ela ainda vai mais longe, por culpa de sua ignorância sobre o que é o amor (ignorância que eu também apontei nesse artigo sobre o segundo episódio e que também é compartilhada por muitas pessoas em Shimoneta), e vincula as duas coisas (moral e amor) como se fossem inseparáveis. Por conta de sua abordagem absoluta sobre a defesa da moral (e a prática do que ela acredita ser “amor”) ela não apenas se permite, como acredita ser dever dela realizar diversas ações truculentas na escola em nome da defesa da moral. E não tem nenhum problema em atacar, amarrar, e essencialmente estuprar Tanukichi (só não fez mais por conta de sua ignorância). Tudo justificado em nome do “amor”. Ela é perigosa, e isso eu também previ.
No artigo sobre o terceiro episódio eu escrevi: “E todos aqueles marmanjos perigosos que foram pegos na armadilha no fim do episódio também não sabem o que é isso, e mais importante, não sabem como se comportar, por isso são tão perigosos”. Eu me referia à multidão de perseguidores da Anna, mas também pode se aplicar a vários personagens no anime – como, adivinhe só, a própria Anna. Também falei nesse artigo sobre como a Anna é uma farsa (porque ignorante). E nesse quarto episódio, como já disse no parágrafo anterior, Anna abandona completamente sua máscara (e suas roupas) quando ataca Tanukichi. Ela é perigosa porque é ignorante, porque acredita que o que está fazendo é certo, e adicionalmente porque é extremamente forte. Ela é incentivada e provavelmente treinada para fazer a defesa que faz da moral, mas como não sabe exatamente o que está defendendo ela se tornou uma pessoa muito perigosa.
Mais ainda, no mesmo artigo sobre o terceiro episódio eu falei sobre como em uma sociedade que se nega a ensinar até o mais básico os jovens não têm a menor ideia do que seja o amor e sobre como mesmo assim eles continuam possuindo seus instintos. De novo, para não variar, a Anna demonstrou tudo isso bem até demais. Ela confunde amor com moral e não sabe como tratar a pessoa a quem supostamente ama (não acho que ame, aliás). Mesmo sem saber, contudo, ela estava bem perto de consumar ato sexual com Tanukichi, não tendo chegado à tanto apenas porque a Kajou entrou no quarto antes. A única coisa que achei estranha nesse momento foi ela tratar a vergonha de estar nua e em posição sexual na frente de sua amiga nesse momento como algo instintivo. Não é.
Essa é outra coisa que eu já tratei antes: o amor é, em grande parte, uma construção social. Por isso mesmo com ele praticamente aniquilado (exceto pela própria palavra “amor”) a Anna e tantos outros são capazes de se dizer “apaixonados” e agir de formas completamente estranhas, inesperadas, quase aleatórias, acertando apenas na parte puramente instintiva. E a vergonha não é instintiva. A Saotome, que já havia sido “iniciada” na perversão a essa altura, demonstra isso muito bem: ela viu tudo e não ficou nem um pouco envergonhada. A Kajou por outro lado, mesmo tendo uma boca mais suja que fossa séptica, ficou genuinamente envergonhada (ao modo anime) quando viu o Tanukichi nu. É porque ela sabe, ela aprendeu que essa é a reação esperada nesse tipo de situação.
Eu não acho que todos os meus acertos nesse episódio compensem os erros que cometi, por exemplo, em Death Parade. E foram muitos, hehe. Mas a sensação de satisfação é agradável, principalmente acompanhada de um episódio tão divertido quanto esse quarto episódio de Shimoneta. Mas eu sei o tamanho do meu feito (menor que a menor coisa que você conseguir imaginar) porque esse anime é bastante simplista e hiperbólico para destacar de forma inequívoca os elementos que pretende trabalhar e indicar como irá trabalhá-los. Ou falando de forma mais fácil (nem eu entendi direito o que tentei dizer agora, sério): é uma sátira. Uma boa sátira.
Artur Barz
Achei seu post muito interessante, mas eu não sei se concordo com a parte sobre a Anna. Para mim, qndo ela ativou o modo “Yandere master hentai psicótica”, foi mais um erro de roteiro e de desenvolvimento de personagem do q propriamente efeito de causas do universo do anime. Eu acho q não seria só um beijo a desencadear todo aquele comportamento, mesmo com o desconhecimento do amor e das pulsões, e mesmo com todas as pulsões reprimidas. Nenhuma mulher do nada ia virar uma yandere pervertida e obsessiva.