[sc:review nota=4]

“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”

Não pude evitar começar esse artigo com essa citação de Nietzsche. No artigo anterior reclamei como o excesso de referências estava incomodando a minha experiência com Game of Laplace. Aposto que esse arco final será cheio delas também, mas ele parece bem mais sólido, interessante, independente do que todos os arcos entre o primeiro arco do Vinte Faces e o episódio anterior. Conhecer o vilão principal da série me permitiu ver todo o horror que ele viveu. E se obviamente não concordo com seus meios, não posso deixar de compadecer-me de suas tragédias. E isso é um tema importante no anime: nenhum dos vilões principais era uma pessoa irremediavelmente má. De problemas mentais à fraqueza diante de uma grande tragédia pessoal, todos eles são, no fundo, personagens tristes.

A colega de classe do Kobayashi que matou o professor estava apenas apaixonada. Apaixonada e traída. Ela nunca fez muito esforço em esconder que era a assassina. Não se entregou, tentou continuar sua vida normal, mas assim que foi descoberta simplesmente se entregou. Não é como se ela estivesse se sentindo bem consigo mesma de todo modo. Não é como se ela sentisse que poderia continuar vivendo. O gordão pedófilo tinha uma doença mental severa e a sociedade falhou em lidar com ele, para o mal dele e para o mal maior ainda de suas vítimas. Claro que ele era um assassino horrível, e talvez não houvesse nada melhor do que prendê-lo em um asilo para doentes mentais o resto da vida, mas mesmo isso teria sido melhor do que ser assassinado. Quando tentaram assassiná-lo da primeira vez ele pediu por ajuda, ele estava certo de que não fizera nada de errado. A tragédia dele provavelmente vinha desde o nascimento. O Kagami teve sua tragédia exposta em detalhes. E teve aquela funcionária que matou o chefe que forçou a amiga dela a trabalhar até morrer e depois abusou de sua imagem em um imenso parque de horrores. E teve a legista cujo irmão morreu por erro médico. Devo ter esquecido alguém, mas aposto que todos seguiram um roteiro parecido com esses.

12 pessoas para um relógio de 12 horas

12 pessoas para um relógio de 12 horas

Não é diferente com o Namikoshi. Não era apenas na escola: em casa ele também era espancado e maltratado. Aliás provavelmente a escola era só um reflexo do que sofria em casa: fraco e com o espírito quebrado ele se tornou presa fácil para os valentões da escola. Fosse de uma família saudável talvez não tivesse sofrido também na escola. Quando Akechi o conheceu ele já estava quebrado além de qualquer possibilidade de conserto – ou pelo menos um conserto fácil do tipo que adolescentes podem conseguir apenas sendo amigos. Ele queria “mudar o mundo”. Bom, quase todo adolescente em algum momento sonha em mudar o mundo, mas quase nenhum faz nada a respeito. E muitos têm ideias bem erradas sobre o que seria um mundo melhor, mas raros são aqueles como o Namikoshi cujos planos são tão direta e objetivamente errados. Akechi só percebeu isso tarde demais, Namikoshi já tinha passado do ponto de não-retorno, e tentar impedí-lo só o fez acelerar seus planos. Se o desenvolvimento da fórmula continuasse, um dos dois morreria – isso não era tanto um resultado da fórmula quanto uma posição moral de reprovação do Akechi. Por isso Namikoshi se sentiu rejeitado. Não foi apenas sua fórmula que foi rejeitada pelo Akechi, foram as próprias escolhas morais do Namikoshi. Ele não tinha mais colegas de classe que o maltratassem, um professor que fizesse vista-grossa para valentões ou pais que o espancassem. Porque matou todos eles. E agora não tinha mais o Akechi também, mas o Akechi ele não podia matar. Por isso ele é que teve que morrer.

Essa cena é tão triste. Senti-me tentado a compará-la a cena similar da primeira temporada de Psycho-Pass, mas isso daria um artigo inteiro. Quer tentar?

Mas ele não podia morrer ainda. Sua morte significaria o fim da Estrela Negra, e isso ele não podia permitir. Quem é que vai querer morrer sem deixar nada para o mundo? Ele passou então os últimos anos, suponho, preparando uma atualização da fórmula que permita a ele morrer e Akechi e a Estrela Negra sobreviverem. A variável chave provavelmente é o Kobayashi. Ele, como Namikoshi, como todos os vilões da série até agora, olhou muito tempo para o abismo. Agora Namikoshi e Kobayashi se reuniram a outras dez pessoas e em um dia todos devem morrer. O caos já se instalou na cidade. Melhorar a sociedade? Faz tempo que deixou de ser sobre isso, se é que um dia foi. Os incêndios e motins são apenas o grito desesperado por ajuda presos dentro da garganta da pequena criança inocente que Namikoshi um dia foi.

Puck the folice!

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