Esse episódio funcionou muito bem como uma recapitulação da série. Não uma recapitulação de tudo o que já aconteceu, mas uma recapitulação dos momentos chave da história do Jirou, que são também chave para o enredo de Concrete Revolutio. Isso não foi feito através de uma recapitulação tradicional, com flashbacks ou memórias dos personagens, mas de duas formas paralelas e criativas: um filme produzido pela Imperial Propaganda com a intenção de difamar os super-humanos (especialmente o Escritório de Super-Humanos e o Jirou) e a imagem produzida pelo capacete do Claude que o Jirou usou que retrata o próprio Jirou aos olhos do Claude.

O assustador: o vídeo produzido com a intenção de difamar tecnicamente não contou uma única mentira. Não no que realmente importa, pelo menos. Os Super-Humanos que formariam o Escritório são retratados como uma sociedade secreta maligna, mas enquanto essa nunca foi a intenção deles (bom, talvez tenha sido a intenção do Akita em algum momento), do ponto de vista das demais pessoas suas ações, corretamente retratadas no filme, sem dúvida podem ser sim consideradas malignas. Ou pessoas nunca morreram por causa dos gigantes criados pelo Escritório de Super-Humanos?

E é bom que tenha havido essa recapitulação, com essa forma. Valoriza o enredo até aqui desenvolvido e valoriza o espectador que acompanhou o anime e se manteve atento, ao mesmo tempo em que faz puxar pela memória os menos atentos. Mas não foi mera recapitulação: a história foi recontada mesmo. E a essa altura, com tudo o que se sabe sobre o Jirou, não é tão surpreendente assim que ele seja o responsável objetivo por vários dos desastres na história do anime. Ele cresceu como uma criança que selava um poder muito grande, e crianças são ao mesmo tempo inocentes e imprudentes. E com frequência, egoístas.

Como se algo assim pudesse existir

Como se algo assim pudesse existir

Não foi culpa dele que um monstro gigante tenha pisoteado Tóquio em 1954, mas ele esteve lá torcendo pelo monstro, o que é algo para se sentir culpado também. Esse evento é muito significativo no anime: em Concrete Revolutio a Bomba de Hiroshima não explodiu, tendo sido ao invés disso absorvida pelo Jirou, ainda um bebê. Por isso o Mestre Última quer o Jirou para fins de geração de energia: esse é um uso para a energia nuclear afinal, cujo desenvolvimento começou exatamente com as bombas atômicas. Como a bomba falhou em Concrete Revolutio, é de se supôr que a revolução nuclear nunca aconteceu e as dezenas de centrais nucleares que existem no mundo real no anime não existem, o que com certeza é um problema energético – e deve ser um problema ainda maior dado que acabam de passar pela Crise do Petróleo.

Não tendo a tecnologia nuclear sido mais desenvolvida, também não há um estoque crescente de armas nucleares e menos ainda testes nucleares. E isso é tematicamente muito interessante, ou curioso, como preferir: o Godzilla, o primeiro monstro gigante, foi criado no Japão como uma crítica exatamente ao uso militar da tecnologia atômica. Eu apontei isso no guia cronológico do anime que escrevi na primeira temporada. E Concrete Revolutio assume essa referência para si: o filme foi lançado, no mundo real, no mesmo ano de 1954 que no anime corresponde ao primeiro ataque de monstro gigante em Tóquio. O ciclo se fecha com o papel central que o Jirou tem na criação de monstros gigantes em Concrete Revolutio.

E Jirou matou o Cavaleiro Arco-Íris. Esse é o trauma que ele possuía e que bloqueou suas memórias, agora finalmente restauradas. E recuperar suas memórias o deixou confuso, sem rumo. Como ele pode ter tentado tanto defender a justiça, quando na verdade ele sempre falhou de novo e de novo? Pior: em muitos momentos ele foi o próprio agente da injustiça. O que é justiça, afinal? O anime não tentou responder ainda, apenas está colocando toda a expectativa em cima do Jirou ao mesmo tempo em que enfatiza quanto o mundo é sim injusto, e mostra personagem atrás de personagem tentando encontrar essa resposta mas sempre falhando. Nesse episódio em particular, as máscaras do Claude funcionam como ferramentas que liberam os instintos de justiça de quem as veste bem como as levam a tentar executar essa justiça. A máscara não manipula ninguém, não muda ninguém: apenas mostra verdades inconvenientes. Ao vestir a máscara física, as pessoas retiram as máscaras metafóricas que vestem como parte do contrato social.

Justiça ainda é pouco, parece que tem alguém aqui querendo ser deus...

Justiça ainda é pouco, parece que tem alguém aqui querendo ser deus…

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