Girls’ Last Tour – ep 4 – Luz na escuridão

Bom dia!
Se Girls’ Last Tour continuar nesse ritmo, antes do final do anime vou ter que inventar uma nota maior do que 5 estrelas para ele, porque olha, segundo episódio seguido que dou nota máxima, e terceiro seguido que acho que o anime só melhora.
Isso é muito bom, claro! Mas acho que como a Chito, estou começando a ficar com medo de altura. Não de altura física, de verdade, mas altura do nível em que o anime se encontra.
Eu gosto de slice of life, mas não consigo me lembrar agora de nenhum que tenha me deixado tão satisfeito a cada nova iteração, tão pleno, tão feliz mesmo. Ah, acho que lembro sim: Yotsubato! Pena que esse nunca vai virar anime (parece que Kiyohiko Azuma, seu autor, não gostou muito da adaptação para a TV de Azumanga Daioh, outra obra sua). Uma história simples sobre pessoas simples, e o maravilhamento com o mundo normal que só uma criança poderia ter enquanto aprende sobre ele.
As garotas de Girls’ Last Tour não são tão jovens quanto a Yotsuba (uma menininha em idade pré-escolar), acredito que tenham entre 11 e 14 anos, mais ou menos, e seu mundo é tudo menos normal. Quero dizer, para elas é normal, não é? E há uma sensação inafastável de normalidade durante todos os episódios. Acho que o fim do mundo é mesmo daquele jeito, normal. Não obstante, é um mundo que nós expectadores não conhecemos e que as garotas também não conhecem, e é sempre maravilhoso descobrir um pouco mais sobre ele. Por mais vasto e desolado que seja, ainda conserva alguma beleza, mesmo que seja só no potencial que aquelas estruturas todas possuem ou na história que carregam.
Em particular, esse quarto episódio foi o primeiro a exibir uma arquitetura genuinamente futurista. Os edifícios tinham sulcos e protuberâncias paralelepipédicas e janelas em formatos incomuns. Se estão no futuro, e estão, já estava na hora de vermos como os humanos do futuro construíam suas casas. Como estruturas grandes e resistentes, frequentemente a arquitetura é o sinal mais duradouro e visível que qualquer sociedade deixa no mundo. Vide as Pirâmides de Giza – sabia que elas são tão antigas que à época de Cleópatra elas já eram para a soberana egípcia mais antigas do que ela é para nós? As pirâmides foram construídas cerca de 2560 a.C., enquanto Cleópatra viveu por volta de 30 a.C. – 2530 anos de diferença, portanto. Meio milênio a mais do que os 2047 que nos separam da faraó.

Chito bate uma foto de Yuuri ao lado de uma estátua de uma divindade cilíndrica – note a data no visor
Bem menos tempo nos separa de Chito e Yuuri: a tela da câmera fotográfica exibiu o ano em que elas se encontram – 3230, ou 1213 anos no futuro. Esse episódio revelou ainda outra referência temporal: o templo que as garotas visitaram foi construído cerca de 400 anos da chegada delas lá. Como um símbolo poderoso de sua cultura, provavelmente a civilização de então vivia seu apogeu, ou pelo menos estava em franca capacidade. A queda depois disso foi bastante rápida: conforme o cartógrafo disse no episódio anterior, há meros 100 anos já ninguém sabia lidar com a tecnologia construída pelos antigos, de modo que improvisaram um elevador externo à coluna ao invés de utilizar o interno, construído para isso. E no tempo presente já praticamente inexiste alma viva para pôr em uso tal elevador. O que quer que tenha reduzido a humanidade ao seu pior momento, fez seu trabalho rápido. Pela relativa integridade das estruturas gigantescas empreendidas pelo gênio humano, é razoável duvidar que possam ter sido desastres naturais como terremotos, vulcões e meteoros.
Chito e Yuuri vieram a esse mundo no ocaso da humanidade, em pleno momento mais sombrio da existência da espécie. Do nosso ponto de vista privilegiado, é fácil considerar que elas tenham todos os motivos possíveis para desistir, se entregar à melancolia e ao desespero, lamentar aos prantos a lástima de mundo que herdaram. Embora já tenham sim questionado o que significa viver, e se vale ou não a pena continuar vivendo, embora já tenham sofrido de frio e de fome – e embora saibam que o frio e a fome irão eventualmente voltar (só há ração para mais um mês!), não há tristeza nenhuma no semblante delas. O que há é esperança. Não a esperança inocente de que um dia algo há de melhorar, mas a esperança de continuarem juntas aproveitando ao máximo a vida que elas têm, a única vida que elas têm.
Nesse mundo em extinção elas são capazes de manter a curiosidade e a ternura, de enxergar o belo até mesmo nas luzes de um velho templo para velhos deuses, mesmo que elas não saibam nem sequer o que é um deus. O que as permite viver dessa forma não é nenhuma capacidade sobre-humana de ver o fantástico até mesmo nos menores detalhes, mas a luz que elas próprias possuem e mantém acesa dentro de si. Mais do que o templo e seus engraçados deuses cilíndricos, o que ilumina a vida de Yuuri e Chito são seus próprios corações.
- Yuuri disse que Chito é parecida com a deusa desse templo
- Será? 😝