O amor de Satou é um amor egoísta. Ela corre para os braços de Shio em desespero, quando precisa se livrar da amargura do mundo, da amargura acorrentada em seu espírito. Satou não ouve Shio. A criança tem suas dores para compartilhar neste quinto episódio, quer expiar sua suposta culpa, confessar sua mentira, mas Satou, apesar de sua preocupação com a tristeza evidente de Shio, pretende manter a todo custo sua vida açucarada feliz. A menina chega a falar da família, algo que talvez seja a primeira vez que faça. No entanto, Satou não escuta Shio.

Segundo Friedrich Nietzsche, “Em última análise, acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do objeto desejado” (Para Além do Bem e do Mal, 1886), assim é o amor de Satou por Shio. É óbvio que ela acredita amar incondicionalmente a menina e Shio, em sua inocência, não tem percepção do tipo de amor que é direcionado a ela. Happy Sugar Life trata desses sentimentos, e mais, do que está oculto e do que nos causa confusão. Um episódio que mergulha fundo no mundo distorcido que vem criando. Não há nada de romântico nisso.

Su-chan, mais uma para a lista dos perturbados da série.

Su-chan, a companheira de trabalho de Satou, é outra personagem de comportamento patológico. Ela tem baixo autoestima, admira demasiadamente Satou, a ponto de querer imitá-la, de desejar se tornar a garota. Su faz o tipo perseguidora, encurrala Satou, contando que até usa a mesma roupa íntima que a sua senpai. É o caso de alguém que se empenha em desaparecer para ser uma cópia perfeita, para conseguir, desse modo, ser estimada pela pessoa que pensa amar.

Então chega o momento de Su-chan revelar que quer frequentar o ambiente familiar de Satou, isto é, conhecer o seu apartamento, e que foi até a sua casa, mas não havia ninguém lá. Satou parece não acreditar no que está escutando, com o gosto do amargo já a lhe comprimir os lábios. Após pressionar a garota sobre o lugar em que mora, Su declara o seu amor. É o sinal para que a situação seja classificada realmente como amarga. Com a lembrança da tia, e a sua maneira doentia de compreender o amor, Satou inverte as posições, beija Su, manifestando em seguida estar apaixonada pela garota. Ouvir a inesperada confissão abala Su-chan que se considera não merecedora da atenção de sua senpai. Já dona da situação, Satou assusta a jovem ao lhe deixar claro que não quer vê-la investigando a sua vida.

Beijo surpresa, beijo roubado: Satou passa a dominar a situação, e até revela um pouco de sua face assustadora a Su-chan.

O controle emocional de Satou é impressionante e, na mesma medida, de causar calafrios. Assim como o seu poder de manipulação. A composição da cena não afasta a possibilidade de Satou assassinar Su para se livrar do problema, mas a sua opção para contornar o problema é realmente surpreendente. O beijo quebra a defesa da colega de trabalho. E mais uma vez, a garota inverte um jogo em que o domínio do oponente, por ter informações que Satou desconhece, parece certo. Repete-se o que ocorre com Kitaumekawa-sensei no episódio 2. Assim como o professor, Su está entregue aos encantos da garota. Mas Kitaumekawa por ser um pervertido e um predador sexual ainda se mantém como um perigo iminente.

Shoko, a melhor amiga de Satou, aparece mais nesse episódio, e também entra para o rol das ameaças à feliz vida açucarada da protagonista. Ao procurar Mitsuboshi, descobre o segredo do rapaz, depara-se com o quarto decorado com os cartazes sobre o desaparecimento de Shio (a mãe dele é mais uma adulta omissa. O filho tem o quarto abarrotado com fotos de uma garotinha e não há qualquer indicação de reação da parte dela. Será que a mulher não entra no quarto de Taiyo em circunstância alguma?). A revelação é conduzida com certa tensão, no entanto, Mitsuboshi, apesar de sua loucura e certa impetuosidade, é mais patético que perigoso. Porém, ele denuncia Satou a Shoko, já que testemunhou Satou levando Shio do parque, após a garota eliminar os delinquentes.

Mitsuboshi plantando a semente da dúvida em Shoko: Satou sequestrou seu anjo.

Shoko não quer acreditar nas palavras de Mitsuboshi, que acusa Satou de sequestrar a criança. É a primeira vez que uma personagem censura uma atitude de Satou. Mas é um ser perturbador, um potencial criminoso. Contudo, ele consegue plantar a semente da desconfiança. Shoko é uma pessoa que aparenta ser normal, pelo menos sem um distúrbio emocional a ser relatado. Pode-se dizer que, daqui para a frente, ela é o olhar do público a descobrir as barbaridades que a cercam. Apenas o seu comentário sobre Mitsuboshi ser um desvariado, porém bonito, está fora do tom. Ainda que possa alegar que seja condizente com a personalidade dela, a situação é por demais crítica para que alguém chegue a lamentar esse fato.

Alucinações, fantasmas, traumas: as ações e a ideia distorcida da tia sobre o amor desabam sobre Satou.

Após o incidente com Su-chan, Satou se sente suja por se aproximar da tia em suas memórias (reproduzindo o seu modo de agir), e precisa de Shio para se purificar, não deixar que o amargor tome de vez o seu espírito. Ela encontra a criança em agonia, abalada emocionalmente. Lembrar-se da família, mas em fragmentos, tortura a menina. Shio acredita estar sendo punida por mentir para Satou sobre não ter conversado com ninguém no parque, por ocultar o encontro com Mitsuboshi.

É perceptível que Satou sente-se mal por Shio, pela sua aflição (tormento que a garota é incapaz de articular a extensão e o motivo), porém ela não quer realmente escutar a menina. Fazer isso pode trazer à tona algo irreversível – não de maneira consciente, é um traço de sua falta de altruísmo –, então Satou imagina que o pesadelo de Shio é uma punição pelo próprio crime (que ela também não consegue compreender, já que não sente culpa). A jovem tem uma espécie de insight, determinando como sua transgressão a falsa declaração de amor a Su-chan, mesmo que tenha sido uma invenção para se safar de uma situação complicada, pois que jurou amar somente Shio. Ela é perdoada por Shio, que não tem dimensão do que significa o drama de Satou, mas acolhe a angústia de sua protetora.

Por enquanto a feliz vida açucarada de Satou está salva.

A lembrança da mãe machuca Shio, já que é a imagem dela, pouco lúcida, censurando-a por ter saído de casa – ato que pode ter levado a um desenlace trágico – que a perturba, faz a sua cabeça girar. Não sair de casa é a mesma recomendação de Satou, que Shio acaba por desobedecer e se pôr em perigo, o que redobra a culpa que a criança sente.

Satou e Shio fazem as pazes. Novamente, o lar é consagrado com o estranho entendimento entre elas, dois seres desesperados, que escondem um passado sombrio: Shio, os seus traumas e o peso de uma responsabilidade que não é sua, e Satou, traumas e crimes. Elas reencenam o ritual dos votos de amor eterno. Shio está protegida em seu cativeiro que é a feliz vida açucarada de Satou.

Shoko e o seu dilema: será a amiga capaz de realizar atos tão bárbaros.

Satou é uma garota quebrada, sua moral dividida em amargo e doce faz com que entenda que mentir sobre amar alguém e/ou para o amor de sua vida é algo mais nefasto que assassinato. Satou não pensa em si mesma como uma criminosa, para ela é razoável cometer alguma ação brutal ou imprópria se for para proteger Shio e manter vivo o seu sonho de ficar ao lado dela. Ela esconde essa verdade da criança, que permanece inocente a real face de Satou (a mãe de Shio pode ser uma vítima da garota).

Shoko surge como um provável fiel da balança, já que é a única pessoa sã deste retrato das perturbações humanas que Happy Sugar Life tem se mostrado ser. Com Asahi flagrando Shoko a encarar o cartaz de Shio, talvez haja a precipitação do enfrentamento entre Satou e a jovem amiga. Sanidade versus insanidade.

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