Ataque dos Titãs 3 – ep 4 – Guerra de informações
Bom dia!
Tem tanta coisa que os heróis ainda não sabem. Tem tanta coisa que todo mundo ainda não sabe. É muito interessante assistir do ponto de vista de quem sabe um pouco de cada coisa, tem mais informação do que qualquer um e vê uns e outros se virando com o que sabem – mesmo quando parte ou tudo do que sabem é mentira.
Fake news no mundo dos titãs mostrando como mentir é velho. Ah, se me permite uma digressão…
O nome desse episódio é “Confiança”, e é um nome bastante adequado, principalmente em sua sequência principal, quando Marlo, o soldado capturado da Polícia do Interior, diz para o Levi que acredita nele e que quer ajudá-lo. Levi não confia nele. Por que confiaria? Eu não confiei nele naquele momento. Duvido que você tenha confiado. Ninguém teria confiado. Era conveniente demais. Mais importante, o que Marlo tinha a perder se ele estivesse mentindo e planejasse levar os membros do Reconhecimento para uma armadilha? O próprio Reconhecimento se valeu de uma armadilha, combinada com os Reeves, que mentiram, para atrair e capturar o Sanes, da Polícia do Interior. Depois fizeram um subordinado dele mentir de novo para convencê-lo a responder ao interrogatório. A ideia de que mentiras são tão poderosas quase nos faz crer que a primeira palavra que um ser humano disse quando a linguagem foi inventada foi uma mentira. Mas provavelmente não foi.
Vários animais se comunicam. De uma forma ou de outra provavelmente a maioria dos seres vivos se comunica. Se comunicam entre membros da mesma espécie, principalmente no caso de espécies sociais, e se comunicam com outras espécies. Um touro bufando, abaixando a cabeça e batendo seus cascos no chão virado em direção a outro animal comunica sua intenção ou predisposição de atacar. O piado constante de filhotes de aves comunica a seus pais que estão ali e com fome. Alguns animais têm formas de comunicação bastante desenvolvidas, como primatas e cetáceos, enquanto nossos animais de estimação mais inteligentes conseguem entender muito do que falamos, mesmo que sua capacidade de se comunicar não seja tamanha. Mas a linguagem simbólica avançada é uma característica humana. Nem mesmo primatas muito parecidos com nós, como os chimpanzés e gorilas, desenvolveram algo parecido. São animais para quem conseguimos com algum sucesso ensinar linguagens de sinais, mas mesmo assim eles as usam apenas conosco, não entre si, e nunca a ensinam para os mais novos, ainda que sejam animais que possuem cultura avançada o suficiente para ensinar coisas aos filhotes. A linguagem é humana, e mesmo que um chimpanzé aprenda linguagem de sinais (ou, mais assustador, algumas palavras), eles só a usam como uma ferramenta para se comunicar com os humanos que conhecem. Por quê?
A mentira explica. Se o touro falasse “fica longe senão te meto os chifres”, ele poderia estar mentindo. Talvez não seja tão forte assim. Talvez esteja cansado demais para correr. Talvez nem saiba direito onde o predador está escondido. Mas quando ele olha para o predador, mostra seus chifres e dá sinais de vigor físico, o predador sabe que ele não está mentindo. Um macaco que come os piolhos do outro para comunicar seu afeto gasta com ele tempo e energia, e portanto é muito mais confiável do que se simplesmente falasse “eu gosto de você”. Palavras, ou, de forma mais ampla, a linguagem simbólica, é inerentemente não confiável. Uma forma barata de transmitir informações e que por isso mesmo e por desconectar o símbolo de seu significado pode ser facilmente fraudada. O touro demonstra sua força, o signo é o significado, enquanto “eu sou forte” está completamente desconectado dos atributos físicos reais de quem fala. Mesmo assim, falamos.
Se a primeira palavra de nosso primeiro antepassado que desenvolveu a linguagem fosse uma mentira, eventualmente os outros humanos primitivos perceberiam e não acreditariam nele. Iriam acabar desconfiando desse negócio de “falar”. Falar é fácil, o difícil é fazer, não é o que dizem? De fato, nossos primos grandes primatas usam suas formas de comunicação primitivas para tentar enganar uns aos outros e assim obter vantagens pessoais. Eles são egoístas, e disso surge a hipótese de que mesmo sendo fisicamente capazes de falar, eles não falam porque não é evolutivamente vantajoso. Exceto com seus tratadores humanos, lógico. É razoável supôr que só sobrevivemos e desenvolvemos a linguagem porque, no passado, criamos sociedades altruístas – ou criamos uma sociedade em que havia pelo menos uma situação cotidiana em que o altruísmo era vantajoso. Qual teria sido o impulso para isso? A hipótese é provavelmente intestável (não existem gravações fósseis de humanos primitivos falando…), então as possíveis explicações são ainda mais especulativas. Não importam. O fato interessante é que essa hipótese sugere que talvez tenhamos a tendência de ser altruístas e de não mentir. Não que isso ajude muito Levi e companhia.
A sociedade humana se tornou muito complexa para teorias sobre nosso estado primitivo nos ajudarem muito no dia à dia. Levi não pode confiar em Marlo e em Hitch. Jean desconfia tanto deles que o nervosismo traz à tona o pior que há em si e decide matá-los. Depois de uma contenda um pouco patética com Marlo, Jean finalmente acredita que tem sinais suficientes para confiar no soldado. Eu ainda não estava suficientemente convencido, confesso, mas o convencimento do Jean e a ajuda que o Marlo e a Hitch deram aos heróis foi menos forçada que o tropeção do Jean, então tudo bem para mim.
Como construir confiança em um mundo cercado de mentiras, de todo modo? Informação é poder. O Reeves filho fica com receio de ajudar Hange e o Reconhecimento, mesmo sabendo a verdade, porque ele sabe que ninguém vai acreditar nele e contra o governo. Um repórter conversando com um soldado da Polícia do Interior escuta desse que eles não têm elementos suficientes para assegurar que o Reconhecimento foi mesmo o responsável pelo assassinato de Reeves pai e seu colega mais jovem fica empolgado com a informação potencialmente bombástica, mas o repórter mais velho foi rápido em reprimir o ânimo do mais jovem. Mesmo se alguém acreditar, o que eles podem fazer? Se o governo estiver mentindo, ele tem razões poderosas para isso e se insurgir sozinho contra ele pode ser uma péssima ideia.
Enquanto o governo tenta esmagar o Reconhecimento e esconder informações para, assim, manter o poder, verdades suficientes já vazaram para que a população geral comece a se revoltar. Por que o governo matou um comerciante e está botando a culpa no Reconhecimento por isso? Muitos ainda veem os soldados do Reconhecimento como heróis, especialmente depois dos últimos feitos, então precisam de apenas uma pequena fagulha para acenderem tochas em seu apoio. Nem mesmo os membros da própria Polícia do Interior sabem toda a verdade e, como Marlo, podem estar bastante inclinados a desertar. Não sei se o Erwin vai morrer, mas se isso acontecer, pode ser a última coisa que o governo atual vai conseguir fazer. Talvez sejamos biologicamente programados para confiar, mas palavras continuam sendo baratas demais e é fácil fazer multidões mudarem de lado se as condições forem ideais em uma guerra de informações.