Bom dia!

Não deveria ser segredo para ninguém que ser bem nascido é uma vantagem competitiva inata. Se seus pais têm posses, você parte de um patamar superior na disputa diária contra pessoas vindas de berços mais humildes. Ao mesmo tempo, pode ser uma faca de dois gumes: de tão acostumados à facilidade, crianças de pais bem sucedidos podem se tornar complacentes e dar por garantido o que na verdade exige esforço. Caso não aprendam na idade certa a se esforçar por conta própria e dar o devido valor às coisas, podem acabar na ruína.

E isso não vale só para bens materiais. Existe um arquétipo muito comum em mangás e animes de garotas bem nascidas, mimadas e convencidas: a ojou-sama, cuja tradução literal é algo como “jovem dama”, no sentido de “filha do chefe” mesmo. Em Starlight, Kaoruko é a ojou-sama, e como todas de sua classe, precisou aprender que nem tudo na vida é de graça.

Não apenas Kaoruko é de uma boa família, como de uma família tradicional (noutros animes pode-se encontrar ojou-samas de estilo ocidental, normalmente de famílias estrangeiras, miscigenadas, ou novos ricos). Assim, desde cedo ela foi educada nas artes japonesas, com especial destaque para a dança, para a qual ela demonstrou grande aptidão e a qual ela se divertia praticando. O que não significa que ela se divertisse treinando. Entre ensaiar e ser aplaudida, ela preferia ser aplaudida. Bom, quem é que não preferiria? O ponto aqui é saber que sem uma coisa não se pode ter a outra. Mas ela estava ainda longe de aprender isso.

Não ficou claro o que a Futaba era dela, mas seria de se esperar que sua família fosse empregada da família da Kaoruko. É assim que o clichê funciona, pelo menos. Mas talvez ela fosse só uma amiga de infância que estivesse sempre na casa da colega rica. De todo modo, Futaba gostava de verdade da dança da Kaoruko – o talento da garota era genuíno. Em um momento chave de suas infâncias, quando a Kaoruko ameaçou “fugir” porque, bem, treinar era chato, Futaba acabou a convencendo a ficar e continuar ensaiando. Foi aí que fizeram a promessa: estariam sempre juntas, Kaoruko para mostrar algo cada vez melhor, Futaba para assistir antes de todas as outras pessoas, como sua fã número um.

O tema “promessa de infância” remete às protagonistas Karen e Hikari, mas a relação entre elas parece ser muito diferente, e pelo menos por enquanto as duas parecem entender muito bem o que devem fazer. A Karen chegou a passar por um momento de descuido, perdeu para a Maya e ficou desnorteada, mas foi por uma razão fundamentalmente diferente da Kaoruko. Enquanto a Karen acreditava que já estava se esforçando o bastante, Kaoruko sabia que não estava, mas achava que não precisava. As duas ficaram em choque ao descobrir que estavam erradas, mas reagiram diferente. Karen passou por um momento de dúvida, afinal o topo passou a parecer tão distante, enquanto Kaoruko, que já esteve no topo (na dança), sabia como chegar lá. Por fim, Hikari não parece mera “fã” da Karen, mas a verdade é que ainda sabe-se pouco sobre a deuteragonista de Starlight.

Há também um paralelo com Maya e Claudine ao qual o episódio deu bastante destaque. Claudine persegue Maya assim como Futaba persegue Kaoruko. O caso da Claudine ainda não sabe-se qual seja, mas Futaba se esforçou tanto para poder continuar perto de sua própria top star que acabou criando gosto pela coisa. Daí que tenha ficado tão decepcionada com o descaso da Kaoruko a ponto de quase deixá-la ir embora. Na verdade não acredito que por um momento que seja Futaba tenha considerado deixar Kaoruko ir embora mesmo, mas que demorou a impedir a amiga queda óbvio. Em todo caso, Futaba chegou a ultrapassar temporariamente Kaoruko nas audições. Mas não foi porque tivesse mais habilidade, como a audição subterrânea provaria depois, mas sim porque a Kaoruko foi simplesmente desleixada. Maya, por sua vez, jamais deixou que alguém a ultrapassasse.

Maya compartilha com Kaoruko sua experiência, diz que a entende. Mas Kaoruko é quem ainda não entende nada

Filha de uma família de artistas, Maya é bem nascida, assim como Kaoruko. Isso com certeza se traduz em vantagem competitiva no teatro, mas como Kaoruko, ela poderia ter posto tudo a perder. Não foi o caso. Maya não é uma ojou-sama, afinal. O que a Maya é, afinal? Assim como a Claudine, é difícil dizer a essa altura. Talvez ela seja uma Yamato Nadeshiko em formação. Talvez ela seja uma ojou-sama mitigada que já passou pelo que a Kaoruko passou nesse episódio, ou circunstância equivalente. Em todo caso, e própria se enxergou na Kaoruko e tentou aconselhá-la. Naquele momento, porém, a voz de ninguém exceto a da Futaba poderia alcançar Kaoruko.

No duelo, e somente durante o duelo, naquele mundo de fantasia que de alguma forma existe dentro da realidade, Futaba finalmente foi capaz de dizer como se sente de verdade. Até então, Kaoruko achava que havia sido trocada (Futaba passou a ensaiar com Claudine) e deixada para trás (Futaba foi melhor do que ela na audição e se recusou a “dar” sua vaga para a Kaoruko, caso fosse necessário). Pensamento típico de quem dá as coisas por garantidas, se você me perguntar. O mundo não gira em torno da Kaoruko, porém, mas mesmo assim a Futaba continua sendo aquela garotinha da promessa, sua fã número um. Com um pouco mais de drama e uma troca de golpes final na qual Kaoruko mostrou que ela também ainda é aquela garotinha da promessa, a que dança como ninguém, ela voltou ao normal. Ao normal, porém melhor. Para que tudo pudesse continuar como sempre foi, ela precisou se esforçar e se tornar uma versão melhor de si mesma. Era só o que a Futaba queria.

Futaba sempre estará logo atrás de Kaoruko, ou pelo menos enquanto Kaoruko continuar seguindo em frente

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