Flavors of Youth é uma produção da Netflix com a chinesa Haoliner e o estúdio CoMix Wave, do fenômeno Your Name (2016). É um drama antológico composto por três histórias que ocorrem em cidades chinesas distintas. A infância e os obstáculos da vida adulta são examinados sob à luz da memória e das constantes mudanças na existência humana. Algo que vincula os trípticos, de resto, independentes entre si, é a afeição intermediada por algum elemento simbólico – que exerce intensa influência na memória – e que tem relação com as quatro necessidades básicas da vida: comida, roupas, moradia e transporte. Uma memória afetiva marcada pelos sentimentos e por suas representações.

O tom evocativo torna o filme nostálgico, melancólico, mas também constrói as suas mensagens da importância do amor e da valorização daquilo que temos, principalmente no que tange aos afetos. Além disso, como pano de fundo, Flavors of Youth apresenta uma China passando por transformações, modernizando-se, e como essas mudanças estruturais e dos costumes atingem a juventude, com suas lembranças e sonhos de infância.

A primeira história é Macarrão de Arroz, que, entre os curtas-metragens, é o mais fortemente ligado à memória sensorial. Xiao Ming vive em Pequim, na agitação e frieza de um grande centro urbano. A falta de comunidalidade, o desapego e os desencontros que Xiao Ming percebe e vive constantemente na capital chinesa fazem-no rememorar a sua infância no interior, principalmente os momentos com a avó, comendo macarrão de arroz tipo bifum, um prato de massa da culinária oriental, e a adolescência, quando conhece o primeiro amor (uma garota que vê passar de bicicleta a caminho da escola) e acompanha a vida de uma família, proprietária de uma barraca de lámen que frequenta.

O amor pela comida forjando o vínculo familiar. Xiao Ming e uma terna lembrança da avó.

No episódio, dirigido por Yi Xiaoxing, há a contraposição entre o urbano e o rural, na busca de uma inocência perdida em meio ao crescimento voraz e descontrolado das metrópoles. Macarrão de Arroz, infelizmente, não chega a oferecer mais que isso. Visualmente é impecável, notadamente no modo em que transmite o amor pela comida, destacando o preparo e a beleza do prato.

O momento da despedida. A vida é breve, é preciso aproveitá-la ao máximo junto de quem amamos.

A composição solar do meio rural e do noturno e chuvoso de Pequim contribuem para transmitir os sentimentos da personagem, porém, por não conhecermos Xiao Ming para além de sua nostalgia, o resultado é unidimensional. Ainda assim, o curta possui a virtude de mostrar como a comida pode ser uma formadora de elos afetivos.

Nosso Pequeno Desfile de Moda trata de indumentária humana e do vínculo entre duas irmãs. Ou melhor, de uma relação permeada pelo modo como a roupa cria laços e sonhos. Yi Lin é uma modelo de destaque, que reside em Guangzhou junto com a irmã mais nova, Lulu.  Yi Lin enfrenta as dificuldades da profissão, com jovens aspirantes ao estrelato roubando os holofotes e o seu perfil (isto é, idade) não correspondendo mais a necessidade de marcas e produtos. A modelo está em crise, a paixão pelo trabalho abalada, mas o esforço para se manter no topo a levam a sucumbir a um distúrbio alimentar.

As irmãs Yi Lin e Lulu: trabalho e família como desafios da mulher chinesa na contemporaneidade.

Já Lulu é estudante, com um talento impressionante para desenhar e confeccionar roupas. Ela é reservada, mas corajosa, tendo ciência de que o principal de desejo de Yi Lin é conseguir conciliar sucesso na profissão com a família, buscando ser uma excelente irmã mais velha.

O colapso sofrido pela modelo a conduz a uma reavaliação de suas prioridades, a examinar se deve continuar a desfilar e posar para fotos. Somadas à vontade de estar mais próxima de Lulu, também a concorrência voraz e o estresse são questões sérias na balança. Porém, essa possibilidade colide com a decisão de Lulu em não permitir que ela desista de suas conquistas.

Yi Lin reencontrando o seu caminho graças ao amor e a força de Lulu.

O diretor Yoshitaka Takeuch realiza um excelente trabalho a respeito da tensão entre o tradicional e os novos hábitos, fruto da modernização da sociedade. E também sobre mercado de trabalho e independência feminina. Neste sentido, Yi Lin encontrar o equilíbrio para alcançar seus objetivos com o auxílio da irmã, é uma decisão inteligente, que reforça a autonomia dessas jovens mulheres chinesas.

Nosso Pequeno Desfile de Moda tem na roupa o símbolo que une Yi Lin e Lulu.  Reminiscência e futuro em uma narrativa que se constrói de maneira harmoniosa, contudo, um tanto contida. Além das irmãs, Steve, o agente de Yi Lin, merece uma menção por trazer o humor que falta a Flavors of Youth no geral.

O terceiro episódio é Amor em Xangai, comandado por Li Haoling. A história tem como protagonista Li Mo, um jovem arquiteto que adquiri um apartamento em Xangai, deixando a casa dos pais. Durante a mudança, ele encontra uma caixa com uma fita cassete, que o seu primo Pan revela ter sido gravada por Xiao Yu, uma amiga de infância de ambos. Para escutar o conteúdo da fita, Li Mo se desloca até a casa da avó, em um bairro que está prestes a ser demolido.

Amor em Xangai trata de memória, arrependimento e recomeço, e tem uma inventiva ideia de colocar um gravador como intermediário do afeto entre Li Mo e Xiao Yu durante a adolescência deles. O curta transita com fluidez entre passado e presente. Moradia e transporte são pano de fundo, com o espaço urbano sofrendo modificações a partir do desaparecimento de bairros em nome do progresso – e com ela, as histórias de vida ligadas aos locais –, dando lugar a uma nova configuração urbana.

O amor da juventude que não se torna realidade: o impulso egoísta de Li Mo o afasta da felicidade.

O que movimenta o episódio é a culpa de Li Mo, que ao saber que a melhor amiga tem planos de estudar em uma prestigiada escola secundária, age de maneira incompreensiva, movido por ciúmes e pela sensação do abandono. Para provar o seu valor, o rapaz decide estudar para entrar na mesma escola. O seu comportamento os afasta e eles amadurecem distantes um do outro. Com a descoberta da fita, Li Mo entende que recebe uma segunda chance, uma oportunidade de se redimir de seu egoísmo, que o impediu de seguir ao lado de sua paixão. Além disso, encorajando-o a apostar no sonho de construir e administrar uma pousada.

Amor em Xangai revela o quanto a precipitação é prejudicial à vida. O entendimento que Li Mo tem do passado mostra-se equivocado pelo que a gravação em áudio o apresenta. Nos anos 1990, o jovem impetuoso não escuta Xiao Yu, que tem uma situação doméstica conturbada, e impelido pela sua mágoa toma decisões que culminam na separação. Corrigir os julgamentos, recuperar o tempo perdido também são questões pontuadas pelo segmento dirigido por Li Haoling.

O adulto Li Mo correndo atrás do prejuízo: em busca do amor e do sonho.

Flavors of Youth é de uma beleza arrebatadora, com suas cores vibrantes e detalhes que confirmam a sua inquestionável qualidade técnica. No entanto, o que possui em termos de produção, falta-lhe em emoção. Os três episódios tratam de reconexão, das tentativas de manter próximo ou na memória aquilo que nos constitui e tem demasiada importância para a vida.  Tudo é transitório, efêmero nos recorda os curtas-metragens de Flavors of Youth. Não é possível estabelecer um valor absoluto, porém a memória e os laços forjados contribuem para a recepção dessas mudanças, tornando-as menos drásticas.

Apesar dos temas nobres e do impressionante visual, Flavors of Youth peca por não permitir aos seus personagens se desenvolver longe de alguns clichês, e ao apresentar o sentimento de nostalgia em uma China que cresce de maneira avassaladora, não impacta com a devida comoção que os sentimentos de perda e o desejo de recomeço podem suscitar. No final, a experiência vale a pena, mas o seu sabor é agridoce.

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