Antítese do Cute Girls Doing Cute Things (garotas fofas fazendo coisas fofas). Um anti-moe por excelência. São definições que servem ao universo de Asobi Asobase, que ultrapassa o razoável e engendra uma comédia bizarra, nonsense e absolutamente hilária, sem receio de apostar no humor sem limite. Porém, a autoconsciência que a série tem da estupidez de suas protagonistas confere-lhe um olhar sagaz para a vida de garotas do ensino médio e suas relações. Aqui, as estudantes são amalucadas, exageradas, insensatas e muitas vezes malvadas. Asobi Asobase acrescenta ao gênero vida escolar um ingrediente especial: o da imprudência desmedida. A loucura do cotidiano é multiplicada por mil se comparada a Azumanga Daioh (2002), que é brincalhona, mas adorável, e Nichijou (2011), disparatada e kawaii.

Asobi Asobase é uma adaptação do mangá de Rin Suzukawa, serializado desde 2015 na revista Young Animal Densi. O comando do anime está a cargo de Seiji Kishi (Angel Beats! [2010] e Tsuki ga Kirei [2017]) e o roteiro de Yuuko Kakihara (Gakuen Babysitters [2018] e Hataraku Saibou [2018]). A história acompanha o trio de estudantes Hanako, Olivia e Kasumi, que são as únicas integrantes de um clube escolar voltado a passatempos, batizado de Clube dos Passatempeiros. Suas brincadeiras e jogos sempre começam de uma maneira inocente, mas pouco a pouco configura-se em uma espiral de insanidades que levam as garotas as situações mais extremas e ridículas.

Piadas com maquiagem é o que não faltou. Afinal, elas são típicas adolescentes. Ou não!?

O anime começa com a criação do clube escolar, motivado por segundas intenções. Kasumi quer aprender inglês, e como acredita que Olivia, uma caucasiana que se passa por estrangeira (os seus pais realmente são do exterior), domina a língua, a adolescente coloca como condição para integrar a sociedade cultural que elas estudem o idioma. Olivia, que nasceu no Japão e nunca saiu do país, inventa uma identidade para si, de uma estrangeira que tem dificuldade em falar japonês. Ela quer se divertir e fazer amigos, e o clube é a chance de conhecer mais sobre jogos e passatempos do seu país de origem. Já Hanako deseja ser popular. A garota era membro do clube de tênis, mas o deixou por se dedicar ao esporte enquanto as colegas participavam de festas, sem ao menos convidá-la.

A desvairada excentricidade de Hanako: a inquisidora baixa nela em mais de uma oportunidade.

A partir daí a produção do estúdio Lerche (Gakkou Gurashi [2015], Kuzu no Honkai [2017] entre outras), que tem uma opening fofa e relaxante, levando a crer que se trata de mais um exemplar do “garotas fofas fazendo coisas fofas”, torna-se uma sucessão de desatinos, idiotices e más ações. O roteiro não poupa ninguém, principalmente suas protagonistas ao colocá-las em situações que sempre saem do controle, devido a estupidez ou a inexperiência delas.

Hanako, Olivia e Kasumi também podem ser maliciosas, e em suas travessuras agirem de maneira astuciosa ou perversa. Um bom exemplo é quando convencem/obrigam Chisato Higuchi-sensei a ser a conselheira do clube, com uma conta imprópria (pelo menos para Chisato) no Twitter.

Essa é uma das centenas de insanidades apresentadas por Asobi Asobase. O absurdo da série mostra-se inventivo e desenfreado. Um ritual que dá vida a um boneco de cocô que anda pela escola com uma lâmina nas mãos (na mente das passatempeiras, isso é crível), um namorado robô, uma androide-boneca inflamável com o rosto de Olivia e linguagem obscena, um jogo de celular que detecta bactérias no ar, uma pessoa com o poder (ou maldição) de lançar laser pela bunda etc, são coisas que compõem o universo interno de Asobi Asobase.

O rol de exageros e sandices poderia não surtir o mesmo efeito se as personagens não fossem cativantes em seus disparates. Se o riso surge a partir do ridículo que há nos comportamentos humanos, da tensão entre virtudes e falhas, Hanako, Olivia, Kasumi e as personagens secundárias representam todo o contraste, engano, fraqueza, ironia e temor que produz o cômico.

Maeda em momento impróprio. A personagem consegue uma ótima química com as passatempeiras e é um dos favoritos do público.

Hanako Honda é a mais exagerada das três passatempeiras. Ela deseja ser popular ao mesmo tempo que julga aquelas que detêm certa celebridade na escola. Hanako quer ter um namorado, o que a faz a mais romântica do grupo, porém a que tem menos informações sobre a vida. Até porque a sua visão de mundo é influenciada pelo seu avô e por Maeda, o mordomo da residência dos Honda. A excentricidade e o espírito competitivo de Hanako a fazem conduzir os jogos sempre ao limite, tornando-os constrangedores.

Olivia é filha de pais de nacionalidades diferentes. De um modo involuntário, e por parecer europeia, ela termina assumindo uma identidade estrangeira, o que leva a todos a acreditarem que domina perfeitamente o inglês e por isso tem dificuldade com a língua japonesa. A jovem é entediada e adorável.

Esquete vergonha allheia: com Oka-san, as amigas acreditam que há um boneco de cocô assassino solto na escola.

Kasumi Nomura é tímida e reservada, mas pode se tornar assustadora quando pressionada ou precisa convencer alguém de seus propósitos. Ela tem medo de homens, apesar de apreciar e desenhar história de Boy’s Love (BL).

E há coadjuvantes marcantes em Asobi Asobase, como o já mencionado Maeda, que sempre surge nas horas mais inesperadas, mesmo na escola, e sem que ninguém note – o que chega, em não raros momentos, a aterrorizar Kasumi. Maeda é uma figura estranha, servil, mas sua excentricidade faz dele uma personagem impagável. O programa ridiculariza todas e todos, por isso algumas possíveis impropriedades de Maeda acabam por compor a força do humor de Asobi Asobase. Outra que merece destaque é Chisato-sensei, que, apesar da melancolia que sente por não ter atingido o sucesso profissional e não ter um namorado, começa a entrosar com as passatempeiras e participa de suas loucuras. Chisato é a personagem de bom coração do show e a mais sensata.

Em sua lista de personagens secundários, Asobi Asobase tem ainda excelentes figuras como a presidente do Conselho Estudantil, uma garota que tenta ser diplomática e tranquila, mas que ao se expressar termina por ser implacável. E Oka-san, do clube de ocultismo, que é sombria e delicada, e tem uma bela amizade com Agrippa, também membro do clube.

A personagem mais destoante é o irmão de Olivia, um intelectual otaku, extremamente pretensioso, que tem fixação por estudantes do ensino médio. Como Asobi Asobase consegue, apesar de investir pesado em uma comédia sem freios, ser autoconsciente em suas anedotas, o que há de ridículo em seu comportamento é exposto seja por uma personagem, seja pelo narrador.

Quanto à representação social, o que mais incomoda na série é a personagem Tsugumi Aozora, pela desconfiança que seja um garoto, o que leva Kasumi a realizar discursos e a assumir uma postura que resvalam na transfobia. A reação da adolescente a possibilidade de Aozora-san ser um transgênero/crossdressing pode ser desconfortável para uma parte do público. Entretanto, o anime guarda uma surpresa para essas personagens, o que transforma a situação em algo relacionável, envolvendo Kasumi em sensações inéditas para ela.

Um passatempo que sai do controle: Kasumi tem facetas ocultas em sua personalidade… Pode ser assustadora.

Um dos triunfos de Asobi Asobase é o seu texto, contudo a sua qualidade é elevada justamente pelo funcionamento das piadas visuais, que com o abuso das expressões faciais levam cada esquete do programa a um nível de insensatez inimaginável. E os rostos distorcidos são um acréscimo hilário às reações de caráter das passatempeiras, de sua estupidez e sarcasmo.

Asobi Asobase trata do cotidiano dessas estudantes, assim uma variedade de doidas invenções que surge para preencher o tempo delas, porém, ainda que haja segmentos aleatórios, há continuidade entre os acontecimentos, o que favorece com que os desejos, as insanas interações e os mal-entendidos contribuam para o desenvolvimento das personagens.

E a percepção dessa evolução deve-se muito aos trabalhos das seiyuus, em especial Hina Kino, que dubla Hanako. Hina tem uma notável compreensão da personagem, dando a Hanako camadas a se explorar: a estudante consegue transitar entre a fofura, a histeria e o horror em instantes. É um desempenho de afirmação que dá vida a uma personagem que se deixa afetar pela própria mesquinhez, mas que é tola e adorável.

A avalanche de comicidade que é Asobi Asobase expõe a estupidez das passatempeiras, destacando-as em primeiro plano, mesmo nas piadas mais duvidosas e grosseiras (como no caso de Aozora-san). Então como é a exposição do ridículo o que gera o humor – que é subjetivo, logo o riso pode ou não ser produzido –, todos são alvos, desde a doçura de Chisato-sensei à mente pervertida do avô de Hanako. As três protagonistas são exageradas e, em muitos momentos, crédulas, o que as leva a cometer e pensar as maiores sandices. A intervenção do narrador contribui para mostrar o quanto os devaneios e pensamentos delas estão em descompasso com a realidade.

Kasumi e Aozora: medo, dúvidas e novas possibilidades.

A arte de Asobi Asobase gera polêmica, com seus memes faciais e o excesso de claridade, o que afasta parte do público. Porém a animação, principalmente no que concerne ao design de personagens, é o que torna tão eficiente o seu humor absurdo de reações físicas e esquisitices comportamentais. E se a opening oferece uma música serena, a ending, Inkya Impulse, é um metal nervoso que sintetiza a lunática agitação dos episódios, que certamente está entre as melhores de 2018. Nada poderia ser tão contrastante que a abertura e a finalização de Asobi Asobase.

Hanako no modo desequilibrada: momentos constrangedores e impagáveis.

Esqueça aquela estudante do ensino médio do anime engraçado e relaxante que você adora, por ela ser atrapalhada, bem-educada e meiga, isto é, não ter como característica: delirante, excêntrica, rude e, algumas vezes, malvada. Asobi Asobase é barulhento, desmedido, impagável, ofensivo (consciente do que pretende) e sem rodeios, entretanto com ternura por suas desastradas, desequilibradas e terríveis protagonistas, que são absolutamente carismáticas.

Comentários