Bom dia!

Dororo adoece e Hyakkimaru busca ajuda da forma como pode. Parece que ele conseguiu aprender algumas palavras com seu amigo e elas valeram a pena.

Sendo apenas uma criança e tendo que passar por períodos de fome, ao mesmo tempo em que se expõe a perigos físicos e sobrenaturais diversos, além de estar o tempo todo viajando, era apenas natural que Dororo eventualmente adoecesse.

Enquanto era cuidado por uma monja budista, Dororo passa a maior parte do tempo dormindo. E, como de costume, tem pesadelos enquanto dorme. A novidade é que dessa vez o anime mostrou seus pesadelos, que correspondem ao infeliz destino de sua família.

 

"O inferno é assim?", pergunta Dororo em um campo de batalha cheio de cadáveres

 

Os pais de Dororo eram fazendeiros pobres que eventualmente se levantaram contra os samurais e governantes, e Hibukuro, seu pai, eventualmente se tornou um guerreiro poderoso e alcançou relativa fama. Mas foi traído e passou seus últimos dias em desgraça, incapaz de lutar como antes.

Dororo, seu pai, e Ojiya, sua mãe, passam a vagar em busca de comida, de qualquer tipo, mas infelizmente não demora até que um ex-inimigo reconheça Hibukuro e o mate.

A desgraça de Dororo e sua mãe só piora a partir daí. Sofrendo com a fome e sofrendo com os elementos, Ojiya coloca o bem de Dororo a frente do seu próprio e enfim morre de fome, deixando a criança sozinha no mundo.

Em dada altura, quando a situação estava apenas começando a ficar ruim, Dororo pergunta a sua mãe: o inferno é assim?

Pesadelo, inferno, escolha qual sua metáfora preferida. Esse episódio se esforçou para que entendêssemos o quão terríveis eram as circunstâncias do Dororo – e talvez tenha se esforçado um pouco demais.

 

Ojiya, mãe de Dororo, morre de fome

 

Antes de caírem em desgraça, porém, Dororo e sua família tiveram uma vida, se não confortável, pelo menos suficiente. Hibukuro era o chefe de um grupo de bandoleiros, como muitos que existiram durante a época por pura necessidade. Sua diferença, quase um código de ética, por assim dizer, é que só atacavam samurais.

Mas atacavam mesmo, era para matar. Não eram tão legais quanto as versões pasteurizadas que conhecemos do mito de Robin Hood, por exemplo. Ainda assim, atacar apenas os poderosos, mesmo que nalguns casos fossem apenas ligeiramente mais poderosos, foi retratado como algo moral.

Um grupo formidável, com o corpanzudo e poderoso Hibukuro na liderança, e os bandidos podiam até se dar ao luxo de festejar. Mas é claro que bandidos famosos e que atacam poderosos atrairiam atenção, eventualmente atenção demais.

Itachi, o número dois do bando, sentiu o cheiro de queimado e propôs a Hibukuro que oferecesse seu poder a um lorde qualquer, sob o qual eles estariam um pouco mais seguros, tanto contra ataques inimigos quanto contra insuficiência de recursos. Mas tendo viva na memória a destruição de sua vila, Ojiya e Hibukuro não puderam aceitar isso. Se ofenderam com a ideia, inclusive. Itachi prometeu não tocar mais no assunto.

 

 

E de certa forma ele nunca mais tocou no assunto mesmo. Apenas vendeu Hibukuro e seu bando para ele próprio poder ganhar a confiança dos samurais. Esse foi o começo da queda de Hibukuro e sua família.

Ainda assim, apesar de traidor, há algo de misericordioso em Itachi, que deixa Hibukuro e sua família viverem. Claro que antes teve que cravejar as pernas do poderoso guerreiro com flechas, ferimentos dos quais ele nunca se recuperaria, mas ainda assim o deixou viver.

Mais ainda, depois da morte de Hibukuro ele se reencontra por acaso com Ojiya, que estava em uma fila para conseguir comida em um templo. Não havia mais cumbucas, e ela pediu que a papa fervente fosse derramada em suas mãos, ao que o responsável recusou, mas Itachi intercedeu em favor da mãe de Dororo, que queimou as mãos e deu tudo de comer a sua criança.

 

Ojiya alimenta Dororo com as próprias mãos, carregando um grude fervendo para sua criança comer

 

Esses detalhes todos sobre Hibukuro e Itachi traçam um retrato nuançado deles, cheio de tons de cinza, não preto e branco. No final das contas, friamente falando, Itachi estava certo, e o melhor que eles poderiam fazer para sobreviver seria aliar-se aos senhores da guerra.

Qual era a prioridade deles? A vingança sem fim contra os samurais e poderosos ou a sobrevivência? Hibukuro e Ojiya tinham uma criança para criar. A resposta deveria ser óbvia para eles, e diferente do que fizeram.

Itachi é um traidor. Ele matou seus companheiros, feriu Hibukuro de uma forma que ele viveu o resto de seus dias como um mendigo inválido, e no final se aliou aos responsáveis pela guerra ter começado em primeiro lugar, passando a ter parte da culpa de sua continuidade indefinida.

Hibukuro e Ojiya eram orgulhosos demais e não deram a devida prioridade para a vida de Dororo, a criança que eles colocaram no mundo. Ojiya corrige isso parcialmente depois da morte de Hibukuro, mas era tarde demais.

No final, conseguiram instilar em Dororo o desprezo pelos poderosos, os responsáveis pelas guerras sem fim e outras desgraças que assolavam a população mais vulnerável.

Ojiya repetiu diversas vezes que a guerra um dia há de acabar e que Dororo não pode perder antes disso. Realisticamente, isso é impossível. A Era Sengoku duraria mais de um século e a história se passa algumas décadas adentro de sua primeira metade ainda. Duvido que o Japão pudesse ter centenários de ascendência plebeia rural naquela época.

Mas Dororo apenas se passa naquela época, não sendo, de fato, uma história sobre aquela época. O mangá original foi escrito na década de 1960, a Segunda Guerra Mundial ainda era uma lembrança recente, especialmente para Osamu Tezuka, que viveu através dela. A Guerra da Coreia era ainda mais recente e o Japão foi base de operações dos EUA durante ela. A Guerra do Vietnã ardia e, de novo, o Japão era usado como base de operações pelos americanos.

Tezuka desenhava os senhores da guerra da Era Sengoku mas se referia era aos senhores da guerra contemporâneos mesmo. Quando a mãe de Dororo dizia que a guerra iria terminar, Tezuka se referia através dela às guerras aparentemente sem fim da primeira metade do século 20.

Ojiya e Hibukuro morreram, mas Dororo sobreviveu para herdar de seus pais a vontade de viver uma era de paz. Essa era também a esperança de Osamu Tezuka, e a esperança que ele queria que cada leitor seu tivesse.

O episódio termina com uma grande revelação: o Dororo é a Dororo. Nasceu com partes de garota. Por que será que ele esconde isso e tenta passar por menino? Hipóteses abundam. Vou aguardar o anime voltar a tocar no assunto para comentar com mais propriedade, e por enquanto continuarei tratando Dororo no masculino, que é a sua escolha afinal, qualquer que seja o motivo ainda misterioso para tanto.

Até o próximo episódio!

 

Dororo fica encabulado quando pensa na possibilidade de Hyakkimaru ter descoberto que ele é, fisicamente pelo menos, uma garota

 

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