Bom dia!

Eu queria cobrir só quatro animes nessa temporada, mas fiquei exasperado quando me dei conta que ninguém no Anime21 iria escrever sobre Hoshiai no Sora. Como pode?

Até o momento Hoshiai no Sora tem sido meu anime preferido da temporada. E essa é uma temporada que tem Beastars também, além de Psycho-Pass 3 ter começado prometendo bastante.

O João JG escreveu as primeiras impressões sobre Hoshiai no Sora e eu assumo a partir daqui. Curiosamente, o que ele aponta como defeito em Hanebado (excesso de drama) foi justamente o que me conquistou. Ok, o que me conquistou em Hanebado foi a animação de cair o queixo, mas o que me fez querer continuar assistindo foi a história soberba.

Se bem que ele disse que o que o incomodou foi particularmente o drama familiar, não foi? Bom, nesse caso talvez concordemos. Ainda assim, em Hoshiai no Sora parece que esse será um ponto forte!

Uma das grandes perguntas desse anime, que eu não vi ninguém fazer até agora, é: como um monte de desajustados se amontoou em um mesmo clube?

Pelo menos três (de nove) deles têm problemas sérios com a família. A maioria dos demais parece ter algo grave escondido também. Ou eu quero acreditar que tenham, porque eles são muito estranhos. Não pode ser só sentimento de inferioridade com relação ao clube feminino porque isso seria motivo para não entrarem no clube em primeiro lugar.

Colocado dessa forma até parece que o excesso de drama de Hoshiai no Sora é artificial, derivado de uma circunstância inverossímil em primeiro lugar. Mas e se eles são os que restaram no clube justamente porque desajustados?

Pessoas normais podem ter tentado entrar ou talvez até tenham feito parte do clube no passado, mas quem é que resiste às zombarias daquele bando de inúteis? Se eles ainda fossem bons no soft tênis pelo menos, mas nem isso.

E o anime com efeito mostra casos de desajustados atraindo desajustados.

 

Kanako nem é do clube de soft tênis, mas está ali por perto casualmente só porque o Maki está ali

 

De que outra forma explicar a Kanako seguindo o Maki para cima e para baixo como se fosse um filhotinho seguindo a mãe? Ela até foi comer na casa dele sem ter sido convidada.

Eu estou achando divertidíssimo como ela apenas fica por perto o tempo todo, assistindo, seguindo. Mas não se esconde: ela não é uma stalker. E raramente se manifesta também.

Talvez ela goste do Maki? Romanticamente falando, eu digo. Talvez. Mas não acho que seja só isso – embora ela totalmente tenha demonstrado ciúmes quando perguntou para o garoto se ele gostava de alguém do clube feminino. A questão é que ela é tão natural que é capaz de, mesmo que seja o caso, ela não tenha percebido.

 

Kanako pergunta a Itsuki se ele gosta de alguma garota do clube feminino

 

A Kanako apenas achou conveniente ficar por perto do Maki o tempo todo porque eles moram no mesmo prédio. Depois ela o achou interessante – e ela é uma garota cínica, sempre fazendo comentários ácidos sobre os outros para si mesma. Quero dizer, para ela se interessar por alguém, de qualquer forma, não deve ser fácil.

Em parte deve ser por isso que ela é solitária, sem amigos, mas talvez seja o contrário: porque é solitária, ela se tornou cínica, mordaz. Mais ou menos como a Tomoko de Watamote vive esculachando os outros, se você conhece o anime.

Mas o problema talvez seja mais profundo. Quero dizer, se o problema fosse só na escola, ela poderia ir para casa tranquilamente após as aulas, mas desde que começou a perseguir o Maki nunca mais fez isso. Na ocasião em que comeu na casa dele chegou a falar mal da comida que come na própria casa.

Talvez o problema dela seja em casa.

O Yuuta também vivia perseguindo o Touma, e o Maki percebeu – o que leva a crer que ele com certeza já percebeu que a Kanako o está perseguindo.

No caso do Yuuta, era mais simples e ao mesmo tempo complicado mesmo assim: ele gosta do Touma. Romanticamente mesmo. Maki percebeu isso em um piscar de olhos (o que, mais uma vez, dá o que pensar sobre o que ele pode ter percebido da Kanako).

É simples porque apenas gostar de alguém não é problema nenhum. É complicado porque nunca se sabe se será correspondido. É ainda mais complicado para o Yuuta porque é um amor homossexual, com todos os tabus sociais, riscos e preconceitos que isso implica.

Maki fez o que pôde, sem ir além do que devia: convidou Yuuta para ser assistente do clube. O Yuuta ficou mais feliz do que pinto no lixo: por enquanto isso é mais do que ele poderia querer. O próximo passo, se vier, em todo caso, tem que partir dele. O Maki foi um amor.

 

Maki percebe que Yuuta gosta de Touma e o recruta para ser assistente do clube de soft tênis

 

O Maki sozinho tem potencial para mudar o time inteiro – e as ondas podem atingir até mesmo o clube feminino ou ir até mais longe do que isso, quem sabe? A personalidade altruísta que desenvolveu cuidando de tudo em casa para a mãe trabalhar em paz e se esforçando para ser o oposto do pai horrível que tem é muito mais aconchegante do que seu exterior pragmático e direto dão a entender.

Ele não esteve envolvido diretamente no incidente da raquetada do Itsuki, mas já traçou um paralelo entre ele e o colega que poderá ajudar os dois a se tornarem mais íntimos, algo fundamental se for para ele trazer ao clube as mudanças que ele precisa.

No começo do anime parecia que o Itsuki tinha uma atitude ruim apenas porque não gostava de ser comparado à irmã, Namie, do estrelado clube feminino. Nada poderia estar mais longe da verdade.

O que o incomoda são suas circunstâncias familiares sim, mas não essas. Quando ele ainda era um bebê, sua mãe teve um caso severo de depressão pós-parto. É compreensível. Com duas crianças pequenas (a Namie mal devia ter desmamado) sozinha em casa o dia inteiro, enquanto o marido devia estar ainda em começo de carreira e se desdobrando de trabalhar para sustentar a família.

 

A mãe de Itsuki sofreu um caso severo de depressão pós-parto e derramou água fervente nas costas do bebê

 

Ela derramou água fervente nas costas do pequeno Itsuki. Com certeza ele não se lembra disso, mas as cicatrizes estão em suas costas até hoje, para que ninguém tenha o direito de esquecer. Não conseguir esquecer provavelmente foi o que levou ao divórcio de seus pais.

Suas cicatrizes são um segredo do qual apenas seus amigos de clube são íntimos, mas a situação em sua casa não pode ser escondida apenas vestindo uma camiseta.

Quando dois valentões vieram zombá-lo, Itsuki se descontrolou. Meteu uma raquetada na cabeça dum deles que até quebrou o instrumento. O ferimento foi superficial, mas o volume de sangue fez parecer que a cabeça o moleque tivesse se partido ao meio.

 

Itsuki quebra a raquete na cabeça de um bully que o estava zombando por seus pais serem separados

 

Seus colegas de clube correram para acudi-los: tanto o garoto agredido quanto seu amigo Itsuki. Não o disseram para parar com aquilo, não o seguraram, não deram uma bronca nele. Perguntaram se ele estava bem. Um bando de desajustados de merda que se importam uns com os outros.

Obviamente o que ele fez foi errado, mas correto também não estava o valentão (que de valente nem tinha nada, se acovardou com um pouquinho de sangue). Tampouco digo que dois erros fazem um acerto. Mas você sentiu satisfação quando o Itsuki quebrou a raquete na cabeça dele, não sentiu?

Nem que seja satisfação misturada com culpa, por saber que isso é errado, como eu. As pessoas têm limites, e não convém testá-los.

Completando, a reação do professor e da irmã do Itsuki (afastando qualquer possibilidade de relacionamento ruim entre os dois) foram excelentes também. Repreenderam o garoto apenas o mínimo necessário, para deixar claro que estava errado, mas o acolheram no final.

 

Itsuki e sua irmã Namie se encontram após o incidente da raquetada no valentão

 

Sua irmã foi mais longe, indicando a intimidade de que devem gozar: não bata em ninguém com a raquete, use a cabeça! Literalmente. Dê uma cabeçada.

Maki só descobriria sobre as cicatrizes e a história de Itsuki depois, no vestiário, quando os garotos do clube contaram. Ele imediatamente se identificou: seus pais também são divorciados, afinal.

Pode não ter sido escaldado quando bebê, mas o pai ainda o persegue, espanca e rouba regularmente. A mãe não consegue fazer nada além de entrar com pedidos de restrição na justiça, e o Maki provavelmente sempre que pode esconde dela o que acontece para não a preocupar ainda mais.

É, de certo modo, uma cicatriz aberta que ele precisa carregar sozinho.

E foi por causa dela que Maki fez um acordo com Touma: ele aceita entrar no clube, mas quer ser pago para isso. Ele realmente precisa de dinheiro – e provavelmente não esperava que o Touma aceitasse, de todo modo.

Mas o Touma está desesperado para salvar o clube que já foi de seu irmão, sob a tutela do qual chegou até a ter algum sucesso.

A relação entre Touma e Ryouma, seu irmão mais velho, é boa e dificilmente poderia ser melhor. Às vezes o Touma acha que o irmão está sendo condescendente com ele, mas é isso que os jovens impulsivos sempre pensam ao escutar certos conselhos dos mais velhos, não há o que fazer.

A relação com a mãe, porém, é outro assunto. Enquanto Ryouma parece não ter problema nenhum, a situação entre Touma e sua mãe é muito mais complicada.

 

A mãe de Touma se enfurece e persegue o filho até as escadas para lhe dar uma bronca

 

Eu ainda nem sei dizer o que é exatamente que a mãe sente pelo filho. No começo, pela forma como ela falou com Ryouma da primeira vez, achei que ela tivesse medo do filho mais novo, o que poderia fazer sentido dado o problema com gerenciamento de raiva que ele tem, mas sua interação mais recente não corrobora essa hipótese.

Se ela tivesse medo dele, não o teria abordado de livre e espontânea vontade e dado-lhe uma bronca, não é?

A minha hipótese agora é que ela é uma mãe muito controladora, que quer ditar o caminho na vida dos filhos a cada passo, e enquanto o Ryouma se conformou com sucesso, o Touma não conseguiu ou recusou.

Isso explicaria porque ele quer tanto conseguir fazer algo em que seu irmão se sobressaiu antes dele: liderar o clube de soft tênis masculino do colégio.

Suas explosões de raiva talvez sejam comportamento adquirido da mãe: foi breve e certamente bem menos violento do que já sabe-se que Touma é capaz, mas a quase explosão da mãe contra o filho à beira das escadas poderia muito bem ser o modelo que ele aprendeu a seguir na vida sempre que fica frustrado com alguma circunstância que foge ao seu controle.

 

Touma tem uma explosão de raiva ao perceber quão baixo é o nível de todos os jogadores do seu clube

 

Isso marca uma distinção fundamental entre Maki e Touma: enquanto Maki procura ser uma pessoa melhor, diferente de seu pai, Touma sem perceber se tornou alguém ruim como sua mãe.

E os dois, bem como todos os demais membros do clube de soft tênis (mais a Kanako) se atraem de forma quase mágica graças as suas vidas perturbadas.

O que os faz iguais permite que eles se ajudem mutuamente, como bem vimos no caso do Itsuki, mas isso ainda é pouco. Tudo o que conseguem fazer é lamber as feridas uns dos outros, mas não basta se quiserem subir para outro patamar.

Com efeito, como especulo ser o caso de Touma, no final das contas o que todos eles fazem é, de um jeito ou de outro, reproduzir o ciclo de abusos aos quais eles próprios foram expostos.

É por isso que formaram duplas em que um valentão domina outro garoto mais tímido.

E é exatamente isso que Maki vai tentar mudar agora.

 

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