To Your Eternity (“Fumetsu no Anata e” no original) é um anime do estúdio Brain’s Base (Durarara!!, In/Spectre, Gakuen Babysitters) programado para 20 episódios que adaptarão o mangá da prestigiada Yoshitoki Oima (“A Voz do Silêncio” ou “Koe no Katachi” no original).

Como gostei da sinopse do Crunchyroll vou pegar ela emprestada, espero que você não se importe.

 

“No começo, “aquilo” era uma orbe, lançada na Terra. “Aquilo” conseguia fazer duas coisas: tomar a forma de algo que “o” estimulasse; e voltar da morte. “Aquilo” se transformou de orbe em rocha, de rocha em lobo, e de lobo em garoto – vagando pelo mundo como um recém-nascido que nada sabe. Como garoto, “aquilo” virou Fushi. Ao ter contato com a bondade humana, Fushi não apenas aprende a sobreviver, mas também sobrevive como “pessoa”. Sua jornada é ameaçada pelo inexplicável e destrutivo Nokker, e pelas crueis despedidas das pessoas amadas.”

 

Fumetsu no Anata e é um mangá com um conceito tão bacana e uma execução tão sensível, mas visceral, que apesar de ter lido um pouquinho há alguns anos posso garantir que foi uma das obras que mais me marcaram na vida.

Por sorte o anime veio antes de eu ler mais, então as surpresas que você, caro(a) leitor(a), terá serão quase todas minhas também. Para você ter noção, eu sequer terminei o arco da March, a garotinha encantadora que aparece na prévia do próximo episódio.

Enfim, não existem muitos mangás e/ou animes no mercado que abordam o conceito de existência como Fumetsu, e é ainda mais interessante que essa história seja da autora de A Voz do Silêncio.

Por que escrevo isso? Porque ela já nos presenteou com uma obra marcante por ser capaz tanto de abordar aspectos intimistas, quanto socioculturais relevantes ao ponto de tornar quase impossível não hypar qualquer coisa que essa mulher escreva.

E o hype se justificou? Você já sabe a resposta, mas vamos conversar sobre o assunto.

É bastante peculiar chamar o personagem principal de qualquer história de “aquilo”, mas como não fazê-lo após compreendermos que a orbe jogada na Terra é exatamente isso, uma criatura com características sem igual, mas que, estranhamente, não detém uma personalidade?

A orbe é uma existência inteligente, certamente é, porém, ela também é vazia e se a ideia foi criar um experimento a fim de fazer com que a orbe alcance a personalidade por meio das experiências que viver ao caminhar lado a lado com outros seres inteligentes, pode ter certeza de que jogá-la na terra foi a melhor escolha possível.

Obviamente, essa impressão se deve a maneira como a história é contada, com um ritmo lento, mas gradual que permite “aquilo” experimentar várias experiências instigantes de acordo com o contato que vai tendo com outros seres.

Outra característica muito interessante dessa existência misteriosa é que ela não assume o corpo daquilo que a estimula e sim se molda a sua forma. É como se “aquilo” estivesse tentando viver as vidas que perecem em seu caminho com sua vida imortal, afim de desenvolver seu próprio sentido de “eu” a partir dos “eus” dos outros.

A metamorfose é um conceito super interessante e que não é nada de novo na ficção, mas que da forma que é abordado traz muito a trama ao fazer com que um público acostumado a estruturas bem diferentes vire seus olhos para uma construção de personagem cadenciada, mas não entediante, e que ganha contornos muito mais profundos nos mínimos detalhes.

Por exemplo, seria aterrador para a existência se ela tivesse o entendimento real da situação desesperadora pela qual o primeiro humano que ela encontrou estava passando. Inclusive, perceber a melancolia surreal daquele cenário deve ser algo que ela só será capaz de fazer com o passar do tempo.

Mas para isso será necessária muito convivência com outros humanos, além de muito observação e absorção de seus hábitos, trejeitos e pontos de vista.

A orbe é como um bebê recém-nascido que veio ao mundo, a diferença é que ela não tem propriamente um corpo de criança e nem a proteção que uma família e um lar oferecem, além dos ensinamentos, tendo que buscar nos sucessos e nas dificuldades alheias a compreensão sobre as mais diversas coisas que habitam as mais variadas escalas de importância na vida de uma pessoa.

Por exemplo, se ela tivesse tido contato com um humano rico e rodeado por pessoas, a maneira como enxerga o mundo poderia ter começado a ser moldada de outra forma.

 

 

Sendo assim, acaba sendo compreensível que a construção do caminho da personagem se dê primeiro como um ser inanimado e depois como um ser vivo, mas em um ambiente hostil o suficiente para justificar que tanto o lobo, quanto seu dono pereçam em meio as intempéries locais.

Além disso, ao entrar em contato com o humano, a maneira como ele tenta aplacar a solidão conversando com aquele que pensava ser seu animal de estimação já começa a denotar a história de vida triste que o persegue.

Fushi foi abandonado a própria sorte por parentes que não sabemos se queriam se livrar do garoto ou eram tão ignorantes e inocentes sobre o mundo exterior quanto ele.

A ideia de paraíso parecia equivocada antes mesmo da cena desoladora em que ele encontra uma carruagem destruída e covas, assim perdendo qualquer esperança de conhecer algo além de sua cabana.

Não fica claro se aquela era a carruagem de seus parentes, mas pelo desespero que o toma e sua reação melindrosa, foi essa a sensação passada e de frente a tamanha desilusão é compreensível que ele tenha desistido de seguir em frente a fim de não correr o risco de sofrer um baque ainda maior.

É claro que a perna machucada ajudou nesse aspecto, apesar de que ir em frente o daria mais chances de se recuperar do que voltar para casa, né?

O difícil era esperar outra reação dele nas condições físicas e psicológicas em que se encontrava. Além disso, mesmo se não fosse inocente sobre os perigos do mundo que se encontrava além daquela neve, ainda havia o risco de não ser bem recebido por quem quer que fosse onde quer que chegasse.

Aliás, em se tratando de sociedade a única certeza que tenho é de que nenhuma é um paraíso e que a partida de seus parentes com certeza se devia a busca de melhores condições de vida em outro lugar. Mas que garantia havia de que retornariam, que conseguiriam ou sequer planejavam retornar? Nenhuma.

Isso poderia ocorrer tanto por causa da natureza egoísta dos parentes do garoto, como da natureza sombria dos humanos com os quais eles se encontrassem, e no geral essa ideia idealizada de um lugar cheio de fartura e calor estava na cara que poderia até ser real, mas não se apresentaria da maneira almejada mesmo se fosse acessada.

O Fushi acabou sendo uma vítima das circunstâncias desfavoráveis nas quais se encontrava, com as quais nasceu e para as quais foi empurrado durante sua vida. O garoto morre sem conhecer o mundo, mas pelo menos pede a Joan que nunca o esqueça, sem saber que “aquilo” copiaria seu molde e ganharia o mundo.

O Fushi, que na verdade é a existência que começou em forma de orbe, herda esse desejo e saí pelo mundo sozinho a fim de ter ainda mais experiências do que as que foi capaz de ter usando os olhos do lobo branco. A despedida se deu em um cena simples, mas bastante simbólica e emocionante se nós pensarmos em tudo que ela significa.

Desde muito cedo “aquilo” tem contato com a tragédia, afinal, foi ao ser tocado pelo lobo machucado à beira da morte que da pedra virou lobo, foi a partir de um estímulo que “aquilo” foi instigado a seguir adiante absorvendo o que há no entorno como uma esponja. A questão é, como o agora Fushi processará essa carga de informações, sentimentos e sensações novas?

E não só isso, como esse rastro de tragédia, quase inerente ao seu desenvolvimento, impactará na formação de sua personalidade? Não tenho a mínima dúvida de que Fushi tomará o caminho da gentileza, mas não será fascinante se a trama nos apresentar justamente a seu contraste?

A prévia introduzindo a história da pequena March já dá uma palinha do que está por vir e de que tal qual nessa estreia o caminho desse novo Fushi deve ser cheio de adversidades e das facetas mais sombrias daquilo que entendemos por humano.

Entretanto, acredito que a primeira experiência que viveu será capaz de marcá-lo e indicar-lhe um caminho pelo qual seguir.

Um lembrete as icônicas palavras de Rousseau se faz inevitável com o que vimos nesse anime, pois se a existência precede a essência, é de se esperar que a dele só ganhará lastro a partir do momento em que ele viver experiências o suficiente para tomar quase todo tipo de decisão sozinho, por um desejo do seu “eu”, por uma imposição dele.

De tal forma, não tenho como não achar instigante o que está por vir, ainda mais após ter visto todo o esmero e a sutileza com a qual a equipe de produção tratou essa estreia.

Fumetsu não precisa de animação espalhafatosa e nem de retoques no que quer dizer nas entrelinhas para cativar com sua história, basta que a essência se construa lado a lado com seu herói, uma criatura que começou sendo chamada de “aquilo” e as poucos definirá sua identidade.

Tudo isso em uma aventura que promete muitas emoções e novas descobertas talvez até para nós, no alto de nossa hiperexposição a informação. Achei esse primeiro episódio sensacional (inclusive, quase verti lágrimas no final ao pensar em tudo que essa aventura do Fushi representa) e mal posso esperar pelos outros dezenove.

 

 

To Your Eternity (“Fumetsu no Anata e” no original) está com seu mangá em vias de ser lançado no Brasil pela editora New Pop sob o título de “Uma Vida Imortal” (estou pouco criativo para títulos e sinopses hoje, eu sei) e se você gostar do anime indico muito que dê uma chance ao original.

Yoshitoki Oima é uma das melhores mangakás no mercado atualmente, então nada mais justo que darmos toda a atenção que suas histórias merecem.

Que o anime, transmitido no Brasil pelo Crunchyroll em simulcast e em breve em simuldub, seja o estímulo que você precisa para ler o mangá, como um dos muitos estímulos que “aquilo”; ou melhor, Fushi; receberá em sua jornada.

Até a próxima!

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