Quem nunca se sentiu “à deriva” em algum momento da vida como o Gugu se sentiu nesse episódio não sabe como é angustiante não se achar em lugar nenhum, e isso é ainda pior no caso dele porque caçoam dele, maltratam ele e se aproveitam de sua bondade a torto e a direito. No fim, a sociedade que é o monstro, não o garoto. Felizmente, existem outros “monstros” como ele e é sobre eles que vou falar agora.

Estranhei o pedido da Rean para trabalhar e morar na loja do véio da pinga, mas, se somarmos isso ao que é contado sobre ela na prévia do próximo episódio e sua apatia em trazer o Gugu de volta (compartilhada por toda a “família”), dá para esperar da garota algo a mais que a superficialidade que havia identificado antes. Digo, ela até pode ser superficial, mas é mais que uma garotinha rica sem noção da vida.

Inclusive, não é muito estranho que seus responsáveis a tenham deixado sair de casa para ir morar com estranhos? Ninguém questionou isso porque todo mundo é meio doidinho nessa “família”, mas imagino que seu machucado que não sara possa ser uma justificativa para essa estranha mudança, mas não dá parte dela, e sim de seus responsáveis. Se ela tivesse sumido já teria aparecido alguém na cidade atrás, né?

Será que ela não foi descartada por estar “danificada”? Talvez ela não seja uma filha de nobre comum, mas uma criança criada como um objeto para cumprir um certo propósito? É diferente da March, mas no fim as duas estão sendo usadas por outras pessoas, né? Se for mais ou menos nesse sentido vou entender a falta de noção dela para medir o peso das coisas, sua aparente superficialidade e inexperiência de vida.

A outra criança dessa turminha já não é nada inexperiente e não pode mais ser considerada uma criança, ou melhor, deveria ser, mas depois de tudo que passou, o que fez e aprendeu da pior forma, fica difícil imaginar que sua inocência já não tenha sido roubada por completo. Se algo restar nele vai ser sua bondade, demonstrada em vários momentos mesmo após sua justificável rebeldia pelas “modificações” nele feitas.

Só que antes de falar delas, eu não sei se você percebeu, mas o experimento que ele faz com o Fushi foi uma via de mão dupla riquíssima no que se refere a demonstração dessa meninice (apesar de tudo que já lhe aconteceu) por parte do Gugu, mas também a evolução do Fushi, que através da dor e das limitações de seus poderes começa a entender realmente o que é se sentir incomodado com algo ou alguém.

Não é por acaso que no dia seguinte ele dá uma sumida para se isolar na forma de lobo, o Fushi ficou magoado com o Gugu, que não agiu por mal, mas também não fez algo bacana, convenhamos. Compreender a linguagem humana, falar ela e priorizar seu bem-estar nas interações com outros humanos vai dando novos parâmetros de comportamento e costumes que o Fushi só poderia adquirir convivendo com outras pessoas.

É bem bacana ver essas pequenas e graduais conquistas do protagonista, mas voltando ao nosso baixinho, pois o episódio foi todo focado nele, compreendo perfeitamente sua revolta com o experimento do véio, apesar de ter tido sua vida salva por ele. Não bastasse seu rosto estar deformado (é o que escondê-lo indica), ele ainda armazenar e refinar álcool em sua barriga é algo duro de processar, muito invasivo.

Não sei se ele vai odiar o véio por isso, mas é inegável que essa foi só mais uma das várias violências cometidas contra ele, que é marginalizado desde cedo e não pode contar nem com a família. Depois da garota que ele gosta ter pedido para morar na mesma casa que ele, de ter entrado em um leve atrito com o Fu (seu “irmão” mais novo) e descobrir que é um experimento bizarro, não tem como não pedir para ele não “pirar”.

Até porque, lembremos, o Gugu tem a experiência de vida que muito adulto não tem, mas ainda é uma criança, então foi super normal que desse “piti” e lá no fundo quisesse que alguém demonstrasse se importar com ele. Contudo, não foi o que aconteceu, ao menos não em alguns dias, mas se dermos uma olhadinha bem dada nos elementos que ficaram naquela casa, dá para entender que nenhum tenha ido atrás dele.

 

 

O Fushi ainda não sabia ao certo o que poderia e/ou deveria fazer naquela situação, a Rean já sabia, mas cadê a coragem para fazer? Enquanto isso, os velhos não deram o braço a torcer e continuaram a empurrar a situação com a barriga. Isso gerou um sequência cômica de mancadas do Fushi que não serviu só ao propósito de aliviar a tensão da situação, mas evidenciar o quão importante o Gugu era para o bem-estar de todos.

Enquanto isso, a jornada do Gugu de volta a sua vida antiga foi uma baita aula de como nós, enquanto sociedade, somos cruéis com o diferente. Sei que é natural se assustar com o diferente quando se bate o olho nele, mas nada me bota na cabeça que não é acomodação e covardia o que as pessoas fazem quando entram em contato com quem é diferente e rechaçam sem conhecer, rasgando o livro ao mal olhar a capa.

Além disso, acredito que esse tipo de reação também parta de uma necessidade de ver sempre alguém por baixo, alguém deslocado do contexto no qual a pessoa está inserida (ou acha que está), como forma de reafirmar que o “normal” que a pessoa tem é a única coisa certa, e que ela precisa ser defendida, elevada a uma outra estatura, que só é capaz de se firmar a troca do sofrimento, da desconexão, alheia.

Foi bem isso o que vimos nesse episódio, pois apesar do mestre do garoto ter tido uma reação bem mais decente com a situação dele, inclusive o convidando a fazer parte de sua família, seus filhos, os outros trabalhadores e as pessoas da cidade em geral foram incapazes de demonstrar o mínimo de empatia por um garoto que sempre viveu a margem da simpatia alheia, mas nunca havia sido tratado como uma “aberração”.

Esse medo ignorante que tira por ruim alguém que não segue os padrões é uma das facetas mais mesquinhas do ser humano. Contudo, essa maldade descarada não foi capaz de fazer o Gugu mudar para pior, de fazê-lo querer se igualar em escrotice, e essa é uma prova inegável do quanto o garoto é gentil, talvez gentil demais para a posição em que se encontra, e se sente deslocado em um mundo de biltres, medíocres.

Ainda assim, ele foi capaz de erguer a mão e usar seu último e único tesouro material para “ajudar” o irmão mais velho, uma criatura mundana e tosca que torrou o dinheiro dos dois em prazeres carnais e mesmo estando tão perto não sabia ou não ligava para o caçula. Não me pareceu que o Gugu fez isso por ser bonzinho nem nada assim, mas por já não ter mais esperanças de receber um pouco de carinho de outra pessoa.

Coisa que ele até recebeu na figura do mestre, mestre esse que já tinha uma família na qual ele não havia sido bem recebido. Não adiantaria ele contar com o apoio de uma pessoa e ter o dedo apontado pelas outras. Nessa vida miserável (pelo menos no que se refere a bens materiais e condições de vida) que o Gugu viveu e anda vive, mais vale caminhar com as próprias pernas que se comprometer pela ajuda alheia.

Esse episódio foi definitivamente muito triste e desanimador, restando ao Fushi nos trazer o mínimo de alento em sua tentativa de repatriar o Gugu. Muito porque ele precisava dele, é verdade, mas concorda comigo que a gente é assim mesmo e não tem o que mudar? Mesmo quando parece que só você está dando algo de valor para outra pessoa, ainda assim, o que rola na verdade é uma troca. É ela que as pessoas ganham.

Até por isso o Gugu esperava que alguém viesse ao seu encontro, para levá-lo de volta para casa. A maioria das pessoas quer se importar com alguém e quer que alguém se importe com elas, a maioria das pessoas deseja essa troca e, na realidade, a faz mesmo sem buscá-la. O simples ato de manter um relacionamento, seja ele saudável ou não, com alguém é isso, e mesmo para um “monstro” algo assim é bem importante.

 

 

Por fim, o Fushi vai atrás do Gugu por finalmente ter entendido que por si só não estava conseguindo fazer nada direito, que sem o Gugu ele não conseguiria virar um adulto. Pode parecer um pouco exagerado, mas nem acho que seja, até pela pureza do Fushi, coisa que erroneamente costuma ser confundida com bondade. Mas não se engane, não são a mesma coisa. E dá para ser os dois ao mesmo tempo, como os “irmãos”.

Sim porque irmandade não depende de sangue, mas de vida, de convívio, é uma troca. A sinceridade do Fushi faz parecer que ele só se interessa pela pessoa se ela agregar algo a vida dele, mas, convenhamos, não somos assim em praticamente tudo que fazemos? É mais ou menos por aí que dimensionamos nosso apreço pelas pessoas e até que ponto estamos dispostos a ir por elas, então até aí tudo bem, o Fushi foi genuíno.

Calhou de ele aparecer na hora em que o Gugu mais precisava, agindo com o herói que é, ainda que não saiba ao certo o que isso significa. Entretanto, não é como se a relação dos dois só devesse ser significada pelo quanto um pode ajudar objetivamente o outro, até porque, repito, se trata de uma troca quase que involuntária em que ninguém sabe com o que vai ficar no final, se restar algum alguém para contar a história.

O importante é que o Fushi foi capaz de um ato de gentileza suficiente para puxar o Gugu do fundo do poço emocional em que se encontrava, algo que pode não salvar o garoto de todos os seus receios ou garantir segurança para os dois, mas certamente o dissocia da ideia de que está à deriva na vida, que é um pária na sociedade. Repito o que escrevi no início deste artigo, “a sociedade que é o monstro, não o garoto”.

Sendo assim, me despeço na esperança de que o próximo episódio possa ser mais afável, mesmo com a certeza de que ainda tem coisa ruim por vir. O Gugu sofreu mais um bocado ao tentar voltar para sua antiga vida e com isso deve ter entendido de vez que não tem mais lugar naquela sociedade doentia que deixou para trás, ou melhor, se ele tiver reparado bem, vai perceber que nunca teve lugar, que sempre viveu à margem…

Até a próxima!

Comentários