E não é que esse episódio enrolou um pouco mais, mas essa enrolação foi ótima? A segunda parte em que a Lena vai até a base do esquadrão era necessária para que ela sentisse o peso de tudo que aconteceu, e nós também. Além disso, a primeira terminou em aberto, aproveitando o máximo que dava da sensação de risco a vida dos personagens. A gente sabe o que vai acontecer, mas que mal tem em “adornar”, né?

86 proveu um misto de emoções com uma trama equilibrada e interessante que se não se destacou pela construção de mundo, cativou por seus acontecimentos e revelações chocantes. Ainda acho que o drama do Shin com seu irmão poderia ter sido melhor explorado, mas esses dois últimos episódios de epílogo vieram para me render de vez a esse primeiro arco da trama. Que seguirá, e a gente sabe muito bem com quem.

O Fido acabou partindo dessa para nenhuma, mas aquela não foi a última luta deles. Contudo, perder os veículos de combate, muita munição e combustível acelerou a contagem-regressiva até o fim. Não dá para se manter lutando por muito tempo sem recursos, exceto se, como o Shin orienta após se separarem, achassem uma saída. Não que essa fosse a perspectiva, mas insistimos em nos agarrar a esperança, né?

Nós, humanos, somos assim mesmo, como também soltamos nossa curiosidade quando vemos algo do qual só ouvimos falar, mas nunca vivemos. A Kurena fez bem isso ao conhecer uma escola pela primeira vez, e pode parecer incrível a capacidade desses personagens de se divertirem enquanto o tempo deles estava acabando, mas eu diria que é exatamente por isso que eles deveriam rir enquanto podiam.

E eles o fizeram de uma maneira que acredito ter sido bem satisfatória para o público, sem dedicar tempo demais a esses momentos, mas sem abdicar deles, afinal, são eles que fortalecem o simbolismo da viagem. A liberdade que buscavam veio acompanhada de uma independência que mais parecia uma caminhada no corredor da morte. Acabou que para se libertarem o preço era botar as próprias vidas a beira do precipício.

Repito, quando só restou um veículo funcionando e os recursos se mostraram escassos, era óbvio que logo a coisa arruinaria, e que sobraria a um deles a missão de lutar contra os inimigos que aparecessem. Não precisava ser da forma dramática que foi, é verdade, mas é covardia a dianteira que o Shin tem para lidar com esse tipo de situação, afinal, ele pega spoilers dos movimentos inimigos e é o capitão do esquadrão.

Era esperado que quisesse assumir a bronca se a coisa apertasse, era esperado que ele os aconselhasse a buscar ajuda, a buscar sobrevivência porque, por mais que já tivessem aceitado e acordado isso entre si, nunca é fácil andar de mãos dadas com a morte, ou melhor, é mais fácil fazer isso quando aquilo ou aqueles que se quer proteger podem com isso, quem sabe, ter uma saída. Daí voltamos a esperança, não mudamos.

Mas que bom que não aprendemos, há erros que devem ser cometidos de novo e de novo, pois eles nos fincam os pés no chão, nos levam a ser sinceros sobre o que podemos suportar ou não, e porquê. O Shin tinha pessoas a proteger e por isso seguiu em frente mesmo após acertar as contas com o irmão. Ele conseguiu protegê-las? Não. Nem teria como, ele é humano, mesmo com uma máquina de guerra é um único humano.

Seria impossível seguir destruindo as máquinas que deram vazão ao desespero de outras pessoas, seria impossível garantir a segurança de seus amigos, seria impossível obrigá-los a seguirem o seu conselho, seria impossível continuar sendo o herói da história. O Shin não tinha mais cabeça para isso, ou melhor, ele tinha, mas essa cabeça já estava na guilhotina há muito. Não tinha como a situação ter outro desfecho além deste.

Na verdade, até tinha, mas não seria muito realista. A questão é, se aparecer alguém para resgatá-los também pode não parecer tão realista, mas é isso ou eles todos morrerem e só sobrar a Lena, da qual eu gosto muito e que parece ter aprendido bastante através da dor, mas ela sozinha não me diria sobre o que exatamente essa história ainda pode tratar porque o objetivo do herói foi cumprido, mas a guerra ainda não acabou.

É sério, ainda não li o segundo volume da light novel, não sei no que 86 se transforma a partir dele. Mas sei que continua, e que a trama precisa de seus heróis de pé, vivos e prontos para lutarem mais batalhas. Isso significa que todo o apelo dramático dessa primeira temporada foi pelo ralo? Acho que não, até porque não é como se ficar com a vida no fio da navalha não possa tornar ainda mais valorosa uma “reviravolta”.

É isso o que espero da segunda temporada, além, claro, de uma heroína ainda mais incrível do que a Lena se mostrou no anime, principalmente nessa reta final na qual ela tomou consciência do que era importante e do que estava ao seu alcance. Não à toa ela é punida com uma prisão domiciliar de fachada, a gente sabia que ela não perderia nada se quebrasse as regras, nada além dos companheiros que caíram pelo caminho.

E que, agora assim, consigo vislumbrar como seus companheiros, pois ela desceu na base em que se encontravam, viu onde viviam, encarou a realidade deles e abraçou os pedaços de memória que os mantinham vivos em sua mente porque jogar para debaixo do tapete seria o ato de uma covarde, tudo que ela demonstrou não ser. Encarar essa dor de frente fez a Lena acordar para muito além do que era o mundo dela.

Para incrementar essa segunda e derradeira parte, a história de vida do Tenente Aldrecht foi um soco no estômago muito bem dado para reforçar essa ideia de que por mais que lutassem, pessoas não conseguiriam mudar todas as injustiças sozinhas e que, mesmo diante desses ciclos de ódio, ainda havia a capacidade de respeitar e confiar. Os Eighty-Six confiaram suas vidas nas mãos de um dos porcos brancos, né?

E não só o Tenente ou a Lena, mas tantos outros porcos brancos sabiam que nenhum Eighty-Six poderia ser considerado algo além de humano. Não é exatamente uma luta entre Eighty-Six e Albas, mas entre civilização e barbárie, algo não muito distante do que já vimos na história e, é sério, ainda podemos viver. Algo contra o qual precisamos lutar para que pessoas não tenham que abdicar de qualquer perspectiva de futuro.

A cena em que a Lena lê as mensagens de despedida do Shin, da Kurena, do Theo, do Raider e da Anju foi isso; pequenos trechos de texto em que jovens com todo um futuro pela frente aceitavam (ao menos em grande parte) que este lhes seria roubado porque não tinham como lutar contra o que de pior somos e fazemos. Felizmente, há um belo gap entre a chegada da Lena a base e a cabeça do Shin ficar por um triz, então…

Então você deve saber o que isso significa: tempo suficiente para se construir uma reviravolta. Mesmo assim, é inegável que a cena final do anime (provavelmente a última inédita, o próximo é um especial) dá a entender que o Shin já cumpriu sua jornada e vai partir com o irmão para o além. Aliás, a cena do corpo dele decapitado é tão óbvia, mas tão óbvia, que não tem mesmo como ele ter morrido ali. Seria bobo.

A tentativa foi de deixar a gente na dúvida até o final, para que acreditássemos que o Shin morreu mesmo e aquele foi o fim, mas, cá entre nós, a gente sabe que isso não vai acontecer, e que é melhor assim. Repito, 86 não apresentou elementos suficientes para acharmos que a história daria certo sem esses personagens. Inclusive, seria ilógico descartá-los até por eles serem provas vivas de todos os problemas abordados na trama.

Eles têm que sobrevier afim de subverter o sistema, mas creio que não só isso, pois a guerra está em andamento e mesmo que a Legion por um acaso pereça, ainda fará mais sentido ter uma força de oposição aos nossos heróis. E que força melhor que não um exército que avança e mata indiscriminadamente? Sob essa ameaça todos são iguais, mesmo que a imposição tenha sido para que não sejam, algo que deve ser mudado.

Por fim, simbolicamente a gente também pode pensar que a cabeça decapitada significa o fim definitivo do ciclo de desespero para aqueles personagens, marcado pelo enlace entre os irmãos e a falta de perspectivas. Algo vai ter que ficar para trás para que essa história continue e se reapresente a nós em um novo cenário. Acredito que o pior ficou para trás, ao menos boa parte, para que as flores finalmente possam florescer.

Até a próxima!

P.S.: Essa daqui é menos o caso da letra casar com o episódio, apesar de encaixar melhor se a entendermos sob o ponto de vista da Lena, e sim da melodia casar com o misto de sentimentos que esse final me trouxe. Ouça Muse, e continue me acompanhando quando o segundo cour vier.

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