Kanojo mo Kanojo (Girlfriend, Girlfriend) é um anime do estúdio Tezuka Productions (Dororo, Gotoubun no Hanayome, Adachi to Shimamura) que adapta o mangá de Hiroyuki (Aho Girl). A produção é da temporada de verão de 2021 e conta com a seguinte sinopse:

 

“Na história acompanhamos Naoya, um aluno do primeiro ano do colegial que recebe uma confissão de Nagisa, mas não pode aceitar de prontidão mesmo querendo. Naoya tem uma namorada, sua amiga de infância, Saki. A alternativa que ele encontra para sair desse impasse é, junto de Nagisa, pedir a Saki para namorar as duas. Que tipo de situações incomuns surgirão com a formação desse trisal?”

 

Logo nos primeiros minutos dá para associar Kanojo mo Kanojo a Aho Girl fácil devido a interação eloquente de seus protagonistas. O garoto, Naoya, lembra a maluca da Yoshiko (a garota banana do anime curto de comédia), enquanto a gente pode associar a Saki ao Akkun (o melhor amigo da Yoshiko) em alguma medida. A conversa estúpida e cheia de gritos deles na sala dá a letra de como são e funciona a relação.

E isso acaba sendo bom, afinal, com esses personagens mais absurdos você compreende que uma situação absurda se desenvolva. Mas, atenção, absurda pela forma como se dá, não exatamente pela formação do trisal (um “casal” de três, falando rusticamente), algo mais raro de ver no ocidente, mas que hoje em dia é mais visto e até um pouco discutido. Esqueça países em que a poligamia é permitida, não falo deles.

No Japão, assim como no ocidente, o que impera é a monogamia, ou melhor, a hipocrisia da monogamia porque é comum que as pessoas só tenham um parceiro “oficial”, e só podem casar com um, mas traiam. Aí está um dos pontos positivos (que acaba se voltando contra a obra em alguns momentos) dessa história. Naoya é sincero, sincero até demais, e abre o jogo com todas as partes interessadas no impasse.

Essa característica dele, a sinceridade, é realmente legal e propicia grande parte da comicidade da trama, o problema é que ela também acaba forçando certas situações, que compreendo ocorrerem, se trata de um romcom de um autor de comédia, mas questiono os meios usados. Não gosto, por exemplo, da Nagisa ser extremamente perfeita e devotar toda sua vida e esforços a um homem, ainda mais um namorando.

Não digo nem que é um problema ela compor o trisal, digo que é um problema a devoção dela, além de toda sua fofura e carinha de cãozinho que caiu da mudança, de dar pena. A Nagisa acaba sendo assim mais para trazer esse elemento incrivelmente atraente, e ao mesmo tempo pouco discordante, a uma relação de duas figuras tão exageradas que chegam a ser caricatas, os protagonistas. A Nagisa é difícil de ser real.

Além disso, ela simplesmente aceita a situação e sequer tenta empreender alguma resistência como faz a namorada. A devoção exagerada dela ao Naoya pode até se dever a pegada cômica da obra, mas me irrita. Além disso, a sinceridade estúpida dele também porque ao mesmo tempo em que ainda é menos pior propor um trisal que trair, abrir a situação para ambas as partes ao mesmo não é nada, nada menos que sacana.

Sim, eu sei que esse tipo de anime não é realista, mas no momento em que ele leva a garota junto para conhecer e conversar com a namorada ele condiciona a conversa, dando vazão aos seus desejos sem levar tão em consideração assim o que pensam ou sentem as outras pessoas. Essa sinceridade positiva dele acaba abrindo espaço para a comédia (e eu ri um bocado nesse episódio), mas abraça demais a estupidez até para uma.

E isso acaba sendo pior pela reação a princípio relativamente normal da namorada, que cede após muita insistência, mesmo não me parecendo cercada de tantos argumentos convincentes assim. Pelo menos há um elemento que se faz presente desde que elas se conhecem, o interesse da Saki na Nagisa. A Saki dá a entender que tem consciência de um desejo carnal pela garota, algo que eu acho que seria até bom para o trisal.

Acredito que um trisal independe dos três se relacionarem afetivamente e fisicamente entre si, mas aprofundar essa intimidade com certeza dá mais força a essa relação peculiar, a distanciando do fetiche do harém. O problema é que tem mais duas heroínas que aparecem bastante na abertura e no encerramento, então não duvido nada que se torne um harém safado, ainda que o Naoya se mantenha namorando só as duas.

Sim, se partir para o harém vão descaracterizar um pouco o trisal, o farão perder força, botando uma ideia peculiar (não é um triângulo amoroso convencional, né) de lado quando o que vende esse anime é justamente essa ideia. Já vimos vários triângulos amorosos, traições, haréns, etc, por aí, mas quantos animes focados em um trisal bem estabelecido já saíram? Eu não conheço nada assim. Harém não vale, é sempre avacalhado.

Enfim, para abraçar de vez o absurdo o prota pede para morar com as duas, fazendo uma espécie de período de testes, e ambas aceitam. Zoado, né? Ao menos o anime não se furta a tratar de um tópico inevitável aos adolescentes, o sexo. A cena do banho em que as heroínas conversam e se abrem uma com a outra, em que começam a criar intimidade, acaba sendo uma das melhores do anime por trazer à tona essa questão.

Além disso, o trecho que se segue, da discussão na cozinha, tem dois ótimos momentos que quase inevitavelmente levam ao riso e, se você chegou até o final, acabam sendo interessantes para a sequência. Primeiro, a Saki admite que também se sente de alguma forma atraída pela Nagisa. Segundo, o Naoya fala o óbvio, que tem o desejo de transar com as duas, o que é normal, estranho seria se ele não pensasse nisso.

O sincericídio insano do Naoya não conhece limites nem quando se trata de tópicos delicados e ele acusar a namorada de ter interessante em sexo conclui o episódio de maneia bem divertida, dando a entender que será decepcionante se essa relação não evoluir minimamente porque tem por onde, ainda mais quando se fala de sexo já no início e os três participantes da relação moram e dormirão juntos, aparece na prévia, né.

Por fim, como ideia incomum e comédia essa estreia me divertiu, mas me incomodou pela sinceridade do prota e a forma machista como ela determina os rumos da trama. Entendo que é uma comédia absurda, mas repito, foi estranho a namorada relutar tanto e então acabar aceitando, além da forma escrachada como abordaram algo tão delicado. Ele pediu e elas se submeteram a vontade dele, vamos ver onde isso vai parar.

Até a próxima!

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