Chio-chan no Tsuugakuro – ep 7 – O dia em que o kabaddi (quase) domou o kancho
O que há de instigante no sétimo episódio de Chio-chan no Tsuugakuro é a possibilidade de perceber algo recorrente em comédia, que é a apresentação de um discurso e a quebra da expectativa gerada por ele, e é justamente daí que é extraído o humor. A eficácia do método irá depender do gosto do freguês, já que frustração e triunfo são faces da mesma moeda. Alguns problemas do episódio passado se repetem, mas a execução das piadas mais pesadas é menos infeliz dessa vez – com o esforço de tornar o absurdo mais eloquente, isto é, a anedota ser observada por mais de um viés.
O primeiro esquete aproveita ao limite o fato de Chio-chan ser nerd, contrapondo seu gosto por jogos ocidentais ao dos japoneses, que têm uma predileção por heróis menos másculos. Evidentemente, que essa é a tese que a garota defende para criticar o fato dos jogos violentos – com anti-heróis fortes, com cara de mal e mais velhos, pelos quais têm fixação – não fazerem sucesso no Japão e ela ter que gastar dinheiro extra para tê-los. Quando encontra revistas Boys Lovers no lugar das que trazem novidades a respeito dos games do Ocidente, Chio afirma que perderam espaço para os homossexuais, para logo em seguida, ser surpreendida pelo conteúdo da publicação BL, por encontrar vários tipos físicos nela. Com a justificativa de conhecer para se aprofundar no tema, Chio decide adquirir um exemplar, e é aí que começa o seu drama, por vergonha – pelo erotismo – e por pensarem que ela é uma consumidora desse tipo de produção.
Para piorar sua situação, Andou é o balconista. Chio até tenta devolver a revista para a prateleira, mas ao se atirar no chão para que o rapaz não a veja, a revista é danificada (leia-se, fica com uma pequena dobra). Aqui, o peso da cultura, de uma determinação moral, obriga-a a adquirir a revista. A partir disso, temos a garota maquinando como disfarçar a publicação BL, indo de panfletos de anúncio de curso para motorista a chocolates no mamilo do modelo da contracapa. O que chama a atenção na sequência é que sempre se pode contar com a apresentação hilária de como Chio-chan raciocina rápido e sempre com algum elemento – referência a jogos, animes ou aos comportamentos sociais dos japoneses – para tornar o esquete mais emocionante.
É igualmente impressionante como a jovem usa os recursos que tem em mãos, improvisando até chegar a um ponto que parece que o seu malabarismo intelectual irá desandar, mas as coisas entram no eixo. Não é o caso aqui, pois, para o desespero de Chio, Andou vê a revista, porém ele é gentil, ajudando a disfarçar a revista em um envelope, já que Chio tenta sair com o material sem empacotá-lo para pôr fim a sua agonia. Contudo, como a gentileza de um pode suscitar e agravar o desespero do outro, o pesadelo da garota se prolonga por um bom tempo.
O segundo segmento traz uma menina, entre 11 e 13 anos, de uma escola particular renomada, que é praticante da “brincadeira” chamada kancho, que consiste em juntar as mãos na forma de uma arma imaginária para tentar cutucar o ânus de um oponente, ou melhor, vítima, já que geralmente se atenta contra alguém que está desatenta ao ataque.
Mas a estudante da escola particular desafia Chio para um duelo, logo após acertar uma distraída Manana. E o combate entre Chio e a garota mais nova é repleta de movimentos e elogios à técnica da adversária. A disputa só termina com a intervenção de Manana, que recupera suas forças e alveja a menina sem dó nem piedade. Para tornar o que já é desrespeitoso, moralmente duvidoso, as amigas levam a desconhecida para o parque, amarrando os “dedos mortais” dela, até decidirem como se vingar. Como esperado, ela consegue se soltar, reiniciando o duelo com Chio – novamente abatendo Manana, inerme ao ataque surpresa. O combate vai da floresta do parque para a praça, atraindo a curiosidade dos frequentadores. Chio controla a situação e consegue se afastar do olhar da plateia. Só que a protagonista é surpreendida pelo serviço mal feito da administração local, o que dá vantagem para a menina, que está a ponto de completar seu intuito, vencendo o combate a acertar o meio da bunda de Chio.
A segunda parte do episódio se complica justamente nesse trecho. Madoka Kushitori salva a “heroína”. Porém, a jogadora de kabaddi continua fora de casa, recebendo lições de seu mestre molestador-condenado, em busca de uma iluminação suspeita. Como a mistura anedota e abuso não tem graça, o tom destoante da personagem e da situação continua, em um descompasso que permanece ignorado pela série.
Kushitori-senpai, além de interferir na disputa, oferece a própria bunda para ser alvo da fúria da jovem estudante. Mas a garotinha se assusta com a grandiosidade de Madoka. Diante do espanto, a atleta de kabaddi faz um sermão para a fera do kancho, apontando que é errado ferir o corpo de uma mulher, e que para ela se tornar uma adulta com brilho não deve perder tempo com uma brincadeira tão vulgar. Belo discurso, só que é uma receita que Madoka não utiliza, já que ela se “libertou” para tatear bundas, seguir sua compulsão sem culpa. E o desfecho resulta em obviedade com a menina, mal-educada, mostrando o dedo médio e insultando Chio e Madoka. O esperado de uma criança pentelha. Como a garota age para vingar o irmão (provavelmente, Andou, já que é o único homem com destaque no anime), ela voltará para mais duelos de kancho.
O último segmento é o mais curto e também o mais bem-sucedido, já que a quebra de expectativa é sutil, provocando o choque entre discurso e imagem. Manana faz uma crítica à sociedade moderna por não se importar com a memória de seus antigos cidadãos, ao construir edificações que dão sumiço a lugares que carregam lembranças. Isso, após Chio e ela verem uma idosa, aparentemente deprimida ou nostálgica, sentada em frente a um restaurante, espaço que já conteve um jardim de hortênsia, que, segundo relatos, casais iam para admirar, solidificando a sua união. Porém, entre a defesa de uma beleza combalida por um processo de urbanização voraz e a realidade está uma idosa imersa no mundo da tecnologia, aproveitando o wi-fi do restaurante, para irritação do garçom, já que ela nunca consome nada.
A sequência é conduzida com eficiência e o resultado chega a ser inesperado, mostrando que o simples funciona mesmo que não temperado pelo absurdo. A quebra de expectativa e o fato de a senhora não ser uma velhinha adorável e triste, mas detestável sustentam a piada.
A série retoma o fôlego, mas insiste em carregar no lado sujo de seu humor, pouco se importando com a fronteira entre a apelação e a sensatez. Pensadores díspares como o filósofo francês Henri Bergson e o antropólogo e escritor estruturalista russo Vladimir Propp possuem ensaios sobre o riso, e algo em que concordam é que o humor é algo demasiadamente humano e surge dos desvios, contrariedades, desastres e da quebra das expectativas. Ou seja, de nossa fragilidade física, acidentes imprevistos, do fato de alguém ser atrapalhado, e ainda de nossas falhas morais e/ou desajuste social. Chio-chan no Tsuugakuro tem testado seus limites ao forjar comédia de situações relacionadas a abuso sexual e brincadeiras que podem ser impertinentes e muito desrespeitosas, como o kancho.
O sétimo episódio de Chio-chan no Tsuugakuro tem momentos engraçados, traz alguns discursos instigantes e joga com inversões (como a menina da escola particular ter um divertimento tão “baixo nível”) e quebras de expectativa, porém tem seus problemas. É como reza a máxima, fazer rir é mais difícil que fazer chorar.