Bom dia!

Semana passada, quando fiz o planejamento dos artigos da temporada (isso existe!), ficou decidido que às sextas-feiras eu publicaria Beastars.

Semana passada, quando fiz o planejamento dos artigos da temporada, eu não planejava cobrir Hoshiai no Sora. Nem tinha assistido ainda. Beastars foi publicado sexta-feira.

No sábado eu finalmente assisti Hoshiai no Sora e decidi que precisávamos cobrir esse anime também aqui no Anime21. Mas quem iria escrever? Bem … ficou sendo eu mesmo. Tomei a decisão domingo e publiquei o primeiro artigo na segunda-feira, quando eu não tinha nenhum artigo, de acordo com o planejado.

O planejado durou poucos dias…

Replanejei e agora incluí Hoshiai no Sora. Como Beastars é um anime que depende de fansub e eu sei que muita gente está com dificuldade para encontrá-lo para assistir, troquei ele de data com Hoshiai no Sora.

Artigos de Hoshiai no Sora sairão às sextas-feiras, e artigos de Beastars sairão às segundas-feiras. Espero que esteja bom para você e para todos os demais leitores e leitoras que me acompanham 🙂

Em qualquer sociedade humana crianças são protegidas. Se não por qualquer outro motivo, porque são mesmo fracas demais para fazer o que os adultos fazem. Muitos outros motivos de ordem cultural costumam se somar a esse. Salte para as sociedades industrializadas mais modernas e tanto a infância quanto a adolescência costumam ser superprotegidas.

Aos adultos cabe a tarefa, muitas vezes um fardo, de manter a sociedade funcionando. Assim, a passagem para a vida adulta (o coming of age) não raro é acompanhada por alguma forma de trauma, às vezes jamais superado.

Crianças e adolescentes têm obrigações também, mas elas são diferentes das obrigações de um adulto no sentido de que são, em sua maioria, inconsequentes. A criança tem a obrigação de estudar, mas se não se esforçar muito nada de mais grave irá acontecer. A não ser que o aluno seja um desastre, ele irá passar de ano tanto quanto o melhor de toda a sua classe ou escola.

Talvez tome uma bronca dos pais, mas vida que segue. Continuará tendo um abrigo confortável, comida na mesa, roupas para vestir e um precioso tempo para si mesmo.

É lógico que estou generalizando e tomando por média o que não é uma situação que realmente reflete a de todas as crianças do mundo contemporâneo, mas o ponto em que quero chegar é que mesmo para uma criança que sofre privações, elas não são consequência de seu rendimento escolar, mas sim das condições de vida de sua família.

Um adulto, por outro lado, se vê constantemente bombardeado pela obrigação de tomar decisões que podem mudar completamente a sua vida e a dos que porventura dependerem dele. Consegue imaginar o tipo de estresse sob o qual vive Aya, a mãe de Maki?

 

Maki e sua mãe, Aya, uma dupla sui generis

 

E a família deles ainda é incomum no sentido de que o garoto adotou uma postura de cumplicidade, ajudando sua mãe em tudo o quanto pode. Ainda assim, o que faz na escola é inconsequente. Por isso não fazia questão de amigos e não queria participar de clubes.

Maki sabe o que o espera quando passar a ser um adulto. A maioria dos adolescentes não faz a menor ideia e de traumas nessa passagem podem surgir pessoas com problemas de inserção na sociedade, desde reclusos (Kanako parecia estar na via expressa para esse futuro) até psicopatas violentos, como o pai de Maki.

Uma quantidade não desprezível de pessoas diria que o problema está justamente em superprotegermos crianças e adolescentes. Segundo essas pessoas, crianças e adolescentes precisariam “entender como funciona o mundo real” desde tão cedo quanto possível. É uma forma de ver as coisas.

Porém, em que pese o fato de que é lógico que é impossível que adultos sejam superprotegidos pela vida toda (quem os superprotegeria e quem seria responsável por manter a sociedade funcionando?), acho importante questionar: a vida adulta precisa ser tão dura quanto é? Deixo claro que esse é um questionamento meu, até o momento o anime não se pronunciou a respeito.

Como já escrevi acima, sequer é o caso de que todas as crianças e adolescentes realmente tenham uma vida tão confortável assim. Não sei como é no Japão, mas se for como animes dão a entender e com o pouco de notícias que chegam aqui, a pressão, do qual é sintoma as altas taxas de suicídio (que não à toa coincidem com datas escolares), indica que desde jovens os japoneses estão sujeitos a um certo tipo de “realidade” bastante estressante.

No Brasil, com a enorme desigualdade que nos aflige, a maioria das crianças e adolescentes sofrem com privações que independem da escola. Será que estamos mesmo sendo legais demais com crianças e adolescentes e só por isso elas têm dificuldade ao se tornarem adultas?

Em Hoshiai no Sora já dei o exemplo do Maki, mas como analisei longamente no artigo anterior, quase ninguém ali no clube masculino de soft tênis parece ter a vida fácil.

Eles viviam conformados, o que é diferente de viverem confortáveis.

O clube era antes de tudo um espaço de convivência. Os valentões tinham alunos tímidos de quem zombar e abusar, e esses por sua vez tinham um lugar ao qual sentiam que pertenciam, algo provavelmente difícil para eles em qualquer outra circunstância. Um equilíbrio instável, mas que funcionava.

Todo mundo jogava mal e por isso essa culpa era dividida, então ninguém se sentia particularmente incomodado com isso. Na verdade, até podiam intimamente culpar uns aos outros pelo mal desempenho, mas isso realmente não importa.

Isso mudou quando o clube foi ameaçado de dissolução. De repente eles não teriam mais esse espaço de convivência. E agora? Bom, conformados como sempre, ninguém se preocupou muito – exceto o Touma, claro.

Ele conseguiu trazer o Maki para o clube com o objetivo expresso de salvá-lo. No começo, porque ele já chegou aprendendo rápido e jogando bem, acabou sendo mais ou menos hostilizado. Lembre-se: todos eram igualmente culpados pela ruindade do clube. Mas daí chega um novato e justo ele não tem culpa nenhuma? É um pensamento desagradável.

Mas Maki foi além do que o Touma lhe pediu. Não satisfeito em apenas fazer par com o capitão, conseguiu, com esforço e determinação, melhorar o resto do clube. Foi a isso que assistimos nesse episódio, com a troca das duplas e o clube começando a treinar a sério.

 

Os membros do clube de soft tênis começam a ficar motivados

 

Assim, os membros do clube de soft tênis deixaram de apenas se conformar com seus infortúnios e passaram a ter esperança em si mesmos e em seu futuro. Essa esperança, sozinha, trouxe a eles auto-satisfação e uma felicidade genuínas e tipicamente adolescentes: empolgados, irrequietos – como gafanhotos, diria a professora supervisora do clube feminino.

Exceto, notavelmente, Rintarou, o vice-presidente. Ex-par do Touma e agora sem ter par, ele não está jogando. É lógico que está incomodado. Não só ele não está contribuindo em nada substantivo para essa melhora de ares dos colegas como é o seu substituto o responsável direto por ela.

Felizmente ele tem em casa uma mãe amorosa e que o suporta, pelo pouco que pudemos ver dela nesse episódio. Ela deverá ajudá-lo a lidar com seus problemas no clube mais adiante.

 

Rintarou tem um mãe amorosa em casa - afeto físico é raro de se ver em anime!

 

Em oposição aos adolescentes animados estão os adultos cínicos.

E a Kanako, que não é adulta, mas parece gostar de achar que é. Quero dizer, o Yuuta disse-lhe literalmente que ela seria muito “adulta”, com o que ela prontamente concordou.

Como o Maki apontou quando a provocou, ela passa muito de seu tempo “reclamando”. Boa parte dessas reclamações são na verdade críticas ao comportamento alheio, não por ser inadequado, mas por ser idealista ou otimista demais. Certa está ela, a cínica.

Na cena em que Yuuta constata a “maturidade” da garota isso ocorreu em resposta à asserção de Kanako que seria coisa de adolescente acreditar que esforço resolve tudo.

Com efeito, esforço não resolve tudo, mas sem esforço resolvemos o quê? E o meu ponto aqui é que ela não estava tentando acrescentar nada, foi apenas mais um de seus comentários cínicos.

 

Kanako zomba dos garotos por acharem que se esforçar resolve tudo, e Yuuta diz que ela é muito madura

 

Mas eu gosto da honestidade e da praticidade dela. Quando Maki disse, de brincadeira, que não se importava que seus amigos comessem todos os dias em sua casa desde que pagassem pela comida, Kanako foi a única que concordou sem pestanejar. Na verdade pareceu feliz em concordar. Pena que o Maki não aceitou. E continuo intrigado com as circunstâncias domésticas dela.

Antes dela, porém, o Professor Sakurai já havia comentado sobre o mesmo assunto, não com seus próprios alunos mas com um colega que é professo de outra escola e também supervisor de um clube de soft tênis.

O ponto de vista dele não é exatamente cínico, mas não é muito distante disso também. O clube chegou a essa situação de ser ameaçado de dissolução sem que ele movesse uma palha para tentar mudar algo, para tentar ajudar seus alunos.

E tudo isso porque ele acredita que clubes devem ser apenas um local de diversão, não de competição. Sakurai acha que quando se começa a competir e cobrar melhorias, os alunos ficam sob estresse e isso seria contra-producente. Ele é professor há alguns anos, talvez tenha seus motivos para evitar a competitividade a todo custo, vá saber.

 

O Professor Sakurai conversa com um colega com quem foi marcar um amistoso

 

Em todo caso, vendo o esforço espontâneo dos membros do clube, ele decidiu dessa vez sair de sua zona de conforto para ajudá-los, marcando um amistoso de treino entre sua escola e a de seu colega.

Se Sakurai conseguiu colocar seu cinismo de lado e tratar de forma positiva os membros do clube e se o cinismo da Kanako é inofensivo a eles, o que dizer do pai do Maki?

Voltando ao anime para ultrajar-nos mais uma vez, ele revela o que considera ser um dos motivos de ser assim: a escola não serve para nada. Não o preparou para nada na vida adulta. Por isso que se dane o mundo, que se dane até o próprio filho. Seu cinismo é tão negativo que não duvido que seja capaz de fazer até o espectador passar mal.

Pobre Maki. O que será que ele fará? Precisa de uma raquete nova (porque seu pai quebrou a sua) e precisa de dinheiro (para que seu pai roube). Vai pedir um adiantamento para o Touma?

 

O pai do Maki retorna para roubá-lo e atormentá-lo

 

Em todo caso, a equipe toda entrou em uma bolha de otimismo que não deve durar para sempre. Como eles irão superar isso é que será seu verdadeiro coming of age. Quando será que a bolha irá estourar?

Quando perderem de forma humilhante para os campeões provinciais de soft tênis?

Quando o conselho estudantil decidir sabotar seus esforços para proteger o orçamento que planejaram?

Quando?

 

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