Chega ao fim um dos meus animes preferidos de 2015. Eu já devo ter dito, mas se não disse digo agora: essa segunda temporada foi bem inferior à primeira. Ainda assim foi boa, mas bem inferior. E mesmo o final sendo, como um arco fechado, isolado, bom, acima da média do anime, acho que ele contribuiu para rebaixar a segunda temporada e Concrete Revolutio como um todo. Acima da média mas que abaixa a média? Ora, se você assistiu Concrete Revolutio até o fim, como eu, sabe que esse anime não é famoso por ser ortodoxo. Em Concrete Revolutio isso faz total sentido.

O que eu não sabia era como arrancar algum sentido desses dois episódios finais. Eu deixei de escrever a semana passada porque sinceramente não sabia bem o que escrever. Quero dizer, eu poderia ter escrito muita coisa sobre a decisão do Jirou e sobre as revelações do episódio, mas elas sozinhas não eram suficiente para concluir nada. Eu seria forçado a especular loucamente para escrever um artigo que não fosse fraco. E eu adoro especular! Mas ter que especular tanto, faltando apenas um episódio, e ainda por cima em Concrete Revolutio, é pedir pra errar. Digo com convicção: nada do que eu imaginei de específico após o episódio 10 se provou verdadeiro. Apenas coisas bem gerais, como a Kikko e o Fuurouta estarem no exército que contra-atacava o Jirou apenas para reencontrá-lo – e, quem sabe, fosse o caso do Jaguar também? Era. E daí?

Escrever só isso seria chover no molhado, inútil mesmo. Até porque o próprio episódio 10 já havia mostrado o Megasshin fazer essencialmente a mesma coisa: se alistar ao lado das forças legalistas apenas para entrar em contato com seus amigos sendo perseguidos. E depois do episódio 11 eu descobri que tinha muito a dizer? Infelizmente não. Para um anime que martelou tanto na tecla da moral cinzenta o combate final em preto e branco pode ter sido bonito, mas foi decepcionante. Esse arco final de Concrete Revolutio é direto, objetivo, óbvio demais – e um pouco deslocado do resto do anime.

Eu não poderia escrever apenas sobre o final. Ele sozinho é tolo de tão simples. É preciso contextualizar isso no resto do anime, ou melhor, contextualizar o resto do anime nesse final. Então tenho de cara duas coisas para desenvolver nesse texto: explicar o que aconteceu nesse arco final e qual a mensagem que Concrete Revolutio quis passar. Ainda acho isso pouco, por isso acrescento um terceiro tema: qual o legado de Concrete Revolutio.

A despedida de Emi e Jirou

A despedida de Emi e Jirou

O que aconteceu é bem simples, como eu já disse. O Jirou descobriu sua verdadeira natureza e o seu passado, e sabendo do desejo da Emi e dos youkais não humanos (e até certo ponto manipulado pela Emi) ele decidiu ajudá-los a partir para outro mundo e assim se livrar da guerra tola que os humanos pretendiam empreender contra eles. A pegadinha é que ele pretendia se sacrificar para isso – essa foi sua mentirinha para a Emi. Ao permitir que a Kikko o matasse ele restauraria a esperança das pessoas nos super-humanos – inclusive nos não humanos. E sua morte abriria o portal para o outro mundo, permitindo que a Emi e quem mais quisesse segui-la que partisse.

Mas o Satomi não queria saber disso. Ele se revelou, no final finalíssimo do anime, um ser da mesma natureza que o Jirou. Só que diferente dele, não acreditava em coexistência, apenas em dominação. Não é que ele não saiba o que é certo ou errado, mas sim que não se importa de fazer o errado. Seu objetivo último é o seu próprio bem. Os dois batalham e Satomi consegue usar o bio-destroyer no braço esquerdo do Jirou, onde os fumers seguram as travas de seu poder verdadeiro: seu objetivo era que o Jirou saísse de controle e convencesse ainda mais a opinião pública de que super-humanos são uma ameaça, ao mesmo tempo em que impedia os youkais de partir para outro mundo, garantindo a sua fonte de energia eterna. Mas Jirou aceitou sua natureza, não perdeu o controle, derrotou Satomi e instruiu Kikko a usar o Satomi – que afinal era igual a ele – para abrir o portal. Foi feito. Youkais partiram, o Jirou se transformou em energia pura e desapareceu, as pessoas não enxergam mais os super-humanos não humanos que ainda existem, e aparentemente não existe mais nenhuma atividade super-humana no mundo. Ah, e os super-humanos, Jirou incluso, agora são alvo de devoção.

O que terá acontecido? O mundo mudou apenas porque os youkais partiram? É como se nunca tivessem existido? Quando eu me cansei de tentar responder essas perguntas é que me voltei ao significado simbólico de Concrete Revolutio. Ao que ele quis dizer, sua mensagem, e o meu segundo ponto. Como o anime mesmo disse, o mundo com super-humanos de Concrete Revolutio era como o sonho de uma criança. Não à toa o mundo que resta no final é um onde brinquedos, histórias em quadrinhos e música sobre super-humanos são vendidas. São sonhos de criança em forma comercial.

Kikko e Emi

Kikko e Emi

Seria bastante típico uma criança acreditar que basta a existência de super-seres dotados de grande poder para trazer paz, justiça e liberdade ao mundo. Essa é a origem metafórica do mundo de Concrete Revolutio. E como o anime nos mostrou, é só um sonho mesmo. Afinal, nada garante que os super-poderes não sejam usados para causar super-guerras, super-injustiças e super-acabar com a liberdade. Na verdade, é realmente possível dizer que haja liberdade em um mundo dominado por super-humanos? É bastante real o medo da pessoa comum, o sentimento de impotência perante criaturas tão poderosas (algumas delas verdadeiros deuses na terra), personificado na Touzaki quando ela confessou porque agia como agiu e contou sobre sua infância e sua frustração com super-humanos. Concrete Revolutio mirou em Watchmen, acertou no Reino do Amanhã e não fez direito nenhum dos dois.

O que acontece quando a criança sonhadora cresce e vê que mesmo com super-humanos o mundo continua um lugar tão injusto quanto sempre foi? O anime oferece duas opções: a primeira é fazer de si mesmo um mártir idealista, buscando corrigir o mundo para mostrar que seu sonho pode se tornar verdadeiro – provar isso inclusive para si mesmo. A segunda opção é se tornar um inescrupuloso cínico. Se o mundo é ruim de um jeito ou de outro, a única coisa que resta à fazer é aproveitá-lo ao máximo, mesmo que às custas dos outros.

A versão final da Kikko

A versão final da Kikko

São duas respostas erradas. E esse é meu gancho para o terceiro ponto e a conclusão: o legado de Concrete Revolutio. O anime sempre mostrou o lado e o outro lado, houveram raros vilões ou heróis absolutos durante toda sua história. Disputas de versão, de ideal, de verdade. O mundo de Concrete Revolutio com certeza era um mundo em muitos tons de cinza. Então, em sua catarse criativa, em seu clímax maior, ele joga uma luta em preto e branco para eu assistir. Mesmo que o final não tenha sido nem idealista nem cínico, mas simplesmente realista, a essa altura apostar em um ponto médio apenas faz o anime incorrer na falácia do meio termo. Quero dizer: Satomi estava absolutamente errado, não estava? E Jirou absolutamente certo. Os youkais não deveriam precisar partir. Os não humanos não deveriam precisar ficar invisíveis. A virtude não estava no meio.

Mesmo assim Concrete Revolutio é um anime recheado de bons personagens e bons arcos. Em particular, os arcos da primeira temporada que destacam as consequências de longo prazo para os atos que cometemos continuam sendo o ponto máximo absoluto do anime. Foi quando sua narrativa não linear brilhou e mostrou todo o seu potencial, maximizando o efeito emocional ao colocar lado a lado acontecimentos tão distantes no tempo. A fórmula narrativa de Concrete Revolutio certamente é algo de que o anime deva se orgulhar. Poucos animes se aventuram a ter esse tipo de narrativa e será bom se Concrete Revolutio tiver servido para popularizá-la um pouquinho mais que seja.

O fim

O fim

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