[sc:review nota=5]

O episódio final de Game of Laplace deixa uma coisa clara: Namikoshi não era movido por nenhum motivo maior, uma causa ou coisa que o valha. Mas ele e todos os seus seguidores (Kobayashi incluso) acreditavam piamente que sim. Cada um por motivos diferentes, eles experimentaram um pouco do pior da vida (exceto o Kobayashi, seu personagem merecerá mais estudo abaixo) e quebraram mentalmente. Alguns de forma permanente, como o próprio Namikoshi e a legista Minami, outros temporariamente, como o detetive Kagami e, provavelmente, o pai da Sachiko (lembra dele?). Quando uma pessoa não acredita em mais nada ao seu redor, quando tudo o que ela vê só a faz sentir mais dor, ela precisa inventar algo em que acreditar. Desesperadamente. Namikoshi trabalhou nisso durante muito tempo com o Akechi e tinha a resposta fácil para dar a todos. Ele fundou essencialmente um culto suicida que instiga terceiros a extravasarem seu desespero contra o mundo.

O que leva alguém a tirar a própria vida? Eu seria muito prepotente se tentasse desenvolver aqui o que já foi base de tratados sociológicos inteiros escritos por gente muito mais inteligente e com muito mais conhecimento do que eu. É seguro assumir que em Game of Laplace todos os suicidas (exceto o Kobayashi) passaram por muita dor e queriam apenas se livrar dela. Alguns, como a Minami, usaram essa dor como motivação para perseguir uma vingança pessoal, que no entanto foi vazia ao fim e ao cabo pois de todo modo suas vidas não retornariam jamais ao que eram e o desejo de encerrar a própria vida continuou. Kagami esteve quase lá, foi por isso que ele pediu para ser sentenciado à morte. Conforme ele teve tempo para pensar e um amigo para guiá-lo que não saiu do seu lado apesar de tudo, ele se arrependeu verdadeiramente do que havia feito, percebendo que havia sido não apenas inútil para ele e para a sociedade, mas prejudicial mesmo – ele agora estava encarcerado e a sociedade precisou superar um surto de caos, e mesmo depois dele os casos violentos associados ao Vinte Faces continuaram em alta. Todos eles sentiam profunda dor e queriam que ela parasse. O primeiro impulso é eliminar a causa da dor, e assim Namikoshi procedeu. O problema é que não basta remover aquilo que machuca, é preciso tratar o ferimento. Incapaz de fazer isso por si próprio e sem ninguém que fizesse isso por ele (Akechi fracassou com seu amigo e sabe disso, por isso sempre foi incisivo com o Hashiba sobre como ele deveria proteger o Kobayashi) a única solução que ele vislumbrou foi tirar a própria vida. De fato ele já estava pronto para isso há tempos, como evidenciado pela fórmula através da qual Akechi percebeu isso, mas sustento que ainda não estava determinado. O que o fez decidir se matar, como se matar e porque se matar foi a reação do Akechi. Claro que ele não tinha como saber que a forma como tentou impedir o amigo iria gerar uma cadeia de ações e reações que terminaria da forma como terminou (e bom, tecnicamente ainda não terminou). Ninguém nunca sabe.

Kagami arrependido de tudo o que fez

Kagami arrependido de tudo o que fez

Mas e o Kobayashi, se não tinha nada de especialmente ruim ou traumático em sua vida, porque quis morrer? O suicídio dele é diferente dos demais. Enquanto Namikoshi e companhia não encontravam mais lugar na sociedade, não se viam nela, se consideravam traídos pela sociedade, Kobayashi estava plenamente dentro da sociedade. E ele não achava a vida que tinha particularmente interessante – por isso se interessava por crimes crueis, se envolvia em sua investigação e quis ser assistente do Akechi. Pejorativamente, talvez ele fosse apenas um caso de “pobre menino rico” entediado com sua vida e sem enxergar uma rota de fuga. Talvez ele se sinta oprimido pelas regras da sociedade que não o permitem fazer muita coisa que ele possa achar interessante ao mesmo tempo em que esperam que ele faça coisas com as quais ele não poderia se importar menos. Seu momento de desconexão social com o Hashiba, que precedeu sua decisão de entrar para o culto suicida do Namikoshi, ocorre justamente quando seu amigo exige dele que volte para a escola (ou seja: cumpra com seus deveres sociais). De fato, mais do que a tragédia, esse é o arquétipo de suicídio mais comum no Japão de hoje. Talvez no passado, no tempo em que os contos de Edogawa Ranpo que inspiraram esse anime foram escritos, a tragédia fosse um motivo mais comum, empobrecido e destroçado pela guerra que o Japão se tornou. Isso é só especulação minha, claro, mas seria uma excelente “atualização” da obra.

Esse é o legado do Vinte Faces

Esse é o legado do Vinte Faces

O corpo de Namikoshi desapareceu, o que significa que independente dele ter morrido ou não a sua lenda continua procriando. E agora está mais claro do que nunca o quanto isso é ruim. Assassinatos por vingança cresceram vertiginosamente e é muito difícil dizer que essa seja uma situação melhor. Claro que, como Hashiba pensou consigo mesmo no final do anime, também não é boa a situação onde crimes fiquem sem punição. Mas a solução para isso jamais passaria por uma involução da sociedade, retornando ao olho por olho. Isso é só o resultado das ações de uma criança desesperada que se esforçou de todas as formas que sabia e não teve ajuda de ninguém para conseguir aplacar o próprio sofrimento. Onde há um criminoso solto há também uma vítima desamparada, e essa é a verdadeira tragédia.

Era tarde demais para salvar Namikoshi

Era tarde demais para salvar Namikoshi

Comentários