Bom dia!

Que Chito e Yuuri já estavam perdidas e talvez sozinhas nesse vasto mundão já era um dado da sinopse, e já havia ficado claro logo no primeiro episódio. Que esse mundo era tão vasto só foi revelado agora!

Uniformes e equipamentos da Segunda Guerra Mundial, uma usina elétrica que eu acredito que fosse térmica – tinha água quente circulando (o modelo mais comum de usina termoelétrica é basicamente uma gigantesca caldeira a vapor bastante avançada) e creio que o que as garotas estavam queimando para manter sua fogueira acesa era coque, um combustível comum para esse tipo de usina. Simultaneamente, tanto tempo se passou que o alfabeto japonês mudou tanto que a Chito não é capaz de ler a escrita antiga, todas as espécies animais (e vegetais? E outras?) além do ser humano estão extintas, e nossa, arquitetura baseada em plataformas multi-nível!

Gostaria de morar em um mundo assim? Antes dele ser destruído, claro

E são tantas e tão altas as plataformas que o pé-direito de uma faz a superior se confundir com o céu, de tão distante que fica. Se não estou confundindo os diversos conjuntos de conhecimento inútil que possuo e meus clichês de ficção científica, isso provavelmente não seria possível na Terra, o segundo nível (primeiro fora do solo) já teria ar rarefeito, e é no mínimo nesse que elas estão. E no entanto pelo menos mais um nível é visível acima delas! Mas ok, elas são feitas de gelatina e não importa quanta fome e frio passem, não morrem ou sofrem qualquer tipo de dano permanente. Aliás, nem danos transientes elas sofreram até agora – até pular dentro de uma fogueira é inofensivo para as heroínas.

O que tudo isso quer dizer? Provavelmente, que o autor não tem compromisso nenhum com a verossimilhança do cenário. Não se trata de uma obra para contar a história de um mundo alternativo. Assim, acho seguro dizer, ainda que esteja apenas no segundo episódio, que esse anime é única e exclusivamente sobre suas personagens. O mundo ao redor será o que tiver que ser, desde que seja o mais conveniente possível para contar a história que se pretende contar. E que história será essa? Uma de dor e sofrimento? Escassez e solidão?

Yuuri e Chito são feitas de gelatina, definitivamente

Não descarto desde já que possa haver um arco mais pesado adiante (talvez o último?), mas até o presente momento Chito e Yuuri nunca estiveram realmente em risco. Nem mesmo quando deveriam estar, o que soma parte considerável desses dois episódios até agora. Assim, Girls’ Last Tour é apenas mais um slice of life. Garotas fofas fazendo coisas fofas no fim do mundo em um futuro distópico anacrônico.

E talvez seja um pouco filosófico também. Em uma situação ao mesmo tempo tão extrema e tão confortável, há muito sobre o que se pensar nesse anime. O momento máximo do episódio sem dúvida foi a defesa candente que a Chito fez dos livros. Se alguma coisa nos separa dos animais (que não existem mais nesse mundo, não se esqueça) essa coisa é a capacidade de acumular conhecimento ao longo das gerações. Foi só por isso que nossos antepassados deixaram de ser apenas macacos um pouco mais espertos e iniciaram uma jornada sem fim com resultados que eles jamais imaginariam – como esse texto que compartilho com você, armazenado em meio virtual e acessível de qualquer lugar no mundo com acesso a essa gigantesca rede de comunicação que chamamos de Internet.

O fogo, um dos primeiros e mais importantes avanços técnicos da pré-história, e o livro, uma das invenções mais revolucionárias da história recente

Os livros – a imprensa, mais exatamente – foram uma peça fundamental para que a nossa realidade fosse possível. As coisas boas e as ruins. As usinas elétricas que nos permitem banhos quentes e as armas de guerra que nos permitem matar à sangue frio em escala industrial. A partir da invenção da imprensa, os livros se tornaram brutalmente mais acessíveis. O conhecimento transmitido até então por diligentes escribas que conseguiam se muito reproduzir algumas páginas por dia passou a ser multiplicado às dezenas de cópias por dia. Muito mais livros e muito mais baratos. A alfabetização universal se seguiria. Provavelmente não é coincidência que a Revolução Industrial ocorreria poucos séculos depois (relativamente pouco tempo comparado às centenas de milhares de anos de existência da nossa espécie), acelerando ainda mais a inovação e o progresso.

O mundo em que Chito e Yuuri vivem pode muito bem ser o pós-mundo. O que está além da existência humana, uma metáfora para quando não existirmos mais, e com tudo o que deixamos para trás. É a última jornada das duas garotas, que só estão sobrevivendo. Mas colocadas as coisas dessa forma, não estamos todos em nossas últimas jornadas? Temos apenas essa vida, afinal.

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