O episódio 8 de Jashin-chan Dropkick traz, em seu bojo, consciência social, oportunismo, ingenuidade, sadismo e súbita viagem no tempo, uma mistura de ocorrências e temas que apresentam algumas estatísticas sobre a sociedade japonesa (e do universo interno do anime, com as expectativas e opiniões de anjos e demônios a respeito do Japão) enquanto recupera a insanidade de Yurine, que castiga com prazer Jashin, como forma de “educá-la”, devido a sua falta de honradez, a sua velhacaria. É um episódio que contempla assuntos relevantes e situações inusitadas, no entanto, a comédia não empolga, apesar de não chegar a ser decepcionante. Na verdade, o flerte com um humor que vai além da risada é que se mostra ineficiente. Há bons momentos e ideias interessantes, mas a série, no geral, sofre por não conseguir que suas anedotas alcancem a potência que prometem e pelo raso desenvolvimento de suas personagens.

Na primeira parte do episódio, Jashin-chan perde mais uma vez o dinheiro de sua mesada e do jantar para o pachinko, uma máquina que se assemelha ao pinball e ao caça-níquel. A loira-serpente é uma viciada em jogos. Uma demônio com uma fraqueza demasiadamente humana. Para tentar se salvar, ela envolve novamente Medusa, pedindo emprestado dinheiro – isto é, recebendo a doação de seu caixa eletrônico particular. O que ela ganha com essa atitude é a fúria de Yurine, que promove algumas pequenas torturas contra Jashin, que, após as sevícias de sua mestra, sai para comprar o jantar prometendo recuperar a confiança dela.

A queda de uma demônio: vício maldito em pachinko.

O que chama a atenção no esquete é o fato (a [re]confirmação) da regeneração de Jashin-chan aguçar o sadismo de Yurine. Só que há um descompasso quando essa violência, o prazer da tortura, recebe um status de admoestação – como uma lição –, naturalizando-se, já que a dor infligida a demônio é abrandada pela reconstituição de seu corpo. E Yurine gosta de coisas kawaii e não maltratou nenhuma outra personagem, então seu sadismo só pode ser explicado pela exploração de um corpo que está autorizado a ser massacrado porque pode se refazer (ainda que sinta uma intensa dor). E Jashin-chan é um masoquista, compondo um acordo tácito com sua mestra.

Um dos episódio em que Jashin-chan mais sofre fisicamente. Não falta armas a Yuirne.

Um dos problemas do humor pastelão é quando recorre à violência física, mas, além de faltar diversão, seu humor não é capaz de promover uma risada que seja subversiva, aquela em que há o elemento da provocação. Nisso é que Jashin-chan Dropkick está em dívida. O universo criado pela série é a de um lugar bem ajustados, sem conflitos. A loira-serpente querer se libertar, voltar para o inferno, sendo que para isso é preciso eliminar Yurine, é uma vaga lembrança e um fracasso anunciado.

No esquete com Pekora e Poporon, há uma tensão, já que Poporon é a anjo que rivaliza com sua senpai, e que, apesar de dividir o mesmo destino dela, nega-se a formar uma parceria para viver na Terra, sobreviver no mundo dos humanos. Pekora se preocupa com uma garota bonita solta em Akibahara, e em qual emprego Poporon ganha seu sustento. As ruas de Tóquio podem assustadoras e há ofertas indecorosas e perigosas (principalmente para a moral de uma anjo) por todo canto, contudo Pekora encontra sua companheira celestial trabalhando em um restaurante.

Com Poporon em cena, tanto Pekora quanto Jashin-chan recebem a oportunidade de ampliar seus horizontes, saindo da zona de conforto ou mesmice das situações repetitivas.

Poporon, uma vilãzinha que se vira nos trinta… sem macular seu espírito angelical.

Em outro momento do episódio, Jashin, Minos e Yurine comemoram o Setsubun, a “divisão das estações”, que marca o fim do inverno e o começo da primavera. Uma celebração que há no Japão e no inferno, mas que curiosamente é um festival para espantar demônios. Elas esperam a chegada do ogro, que deve ser repelido com amendoins jogados nele, em um ritual para atrair boa sorte. Só que Yurine se encanta pelo pequenino monstro, considerando-o fofo, e impedi que ele seja rechaçado.

Yurine protege o ogro da crueldade de Jashin-chan. A loli gótica sádica ama coisas fofas.

Outro esquete reúne a faminta Pekora, que apresenta números que revelam alguns dos problemas sociais que afligem o Japão – entre eles a redução das horas dormidas pelos trabalhadores, o baixo valor das férias remuneradas e a colocação (114º) do país no que tange à igualdade entre os gêneros – e Jashin-chan que entrega amendoins e um ehomaki (uma tradição do Setsubun que consiste em comer um enorme cilindro de sushi que deve estar apontado em direção a sorte – que muda a cada ano). A crítica exposta por Pekora tem reflexo na solidariedade de Yurine, que alimenta uma morada de rua – outros já foram vistos na série.

Cena de bondade explícita. Jashin-chan apronta com Pekora, depois realiza um gesto bonito… medo das punições de Yurine.

A questão do trabalho no Japão é algo que sempre está em pauta na série, subjacente às trapalhadas e às trapaças de Jashin e ao sadismo de Yurine. Neste episódio, surge de modo mais efetivo, no discurso (solitário) das personagens, incluindo a demônio sem sorte que procura Jashin já um bom número de capítulos.

Na última parte, Jashin-chan está outra vez envolvida com jogos, agora em redes socias, e, para variar, usa o cartão de crédito de Medusa. Yurine é inflexível em sua indignação. E o que ocorre na primeira parte retorna: o oportunismo de Jashin, a ingenuidade de Medusa e o sadismo disciplinador de Yurine. O novo elemento é o loop temporal que acontece após Yurine atirar a loira-serpente porão abaixo. Jashin retorna ao ponto exato em que começa o episódio, em frente ao Pachinko. E, em vez de fazer diferente, não resiste à mão do jogo (que tremula, como de alguém entregue ao seu vício) e tenta a chance de se redimir e enriquecer. Porém, Jashin está presa nesse time loop, condenada a viver o mesmo período repetidas vezes. O trecho carece de graça, mas Jashin e Medusa ainda conseguem fornecer alguma hilaridade, nem que seja pelo fato de Medusa ser trouxa e Jashin ser pilantra.

Loop temporal desperdiçado: quando tem a chance de fazer bonito, é que a loira-serpente faz pior.

Apesar de algum efeito cômico bem-sucedido, as críticas sociais, que correspondem às estatísticas negativas ditas pelas personagens, perdem-se na composição brutalidade-fofurice, no universo constituído por Jashin-chan Dropkick de lolis humanas, angelicais e demoníacas. O episódio 8 é o que mais intenta observar a realidade, ainda que mantenha a oferta do escapismo, mas a tortura servida como diversão anula o humor revelador da complexidade social que tenta abraçar.

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