O último episódio de Jashin-chan Dropkick traz as virtudes e os defeitos que compõem a série. Os esquetes mais focados nas personagens funcionam melhor que aqueles que são aleatórios. Ainda que o desenvolvimento das personagens não seja o forte de Jashin-chan Dropkick, o carisma delas sustenta muito bem o seu humor. O episódio final centra-se na relação Jashin-Yurine, proporcionando uma maior atenção à personalidade das protagonistas, com ideias e sentimentos ainda não tratados anteriormente. E, a partir dessa novidade, a loira-serpente afirma-se como a personagem menos unidimensional do programa, já que, entre atos moralmente inaceitáveis e momentos de ternura com Medusa, ela cuida da saúde de Yurine, evitando que a sua invocadora morra – o que significaria seu retorno triunfal para o inferno. O episódio é divertido, reunindo praticamente todo o elenco (excetuando as irmãs demônios do gelo, Yusa e Kouji) e consegue, certo modo, alcançar um desfecho prazeroso, ainda que impreciso.

Na primeira parte, Jashin-chan, enfim, acerta o seu dropkick em Yurine. A surpresa da loira-serpente é ainda maior quando a garota falha em seu revide. Depois de dispensar o jantar, Yurine se deita para descansar, é então que Jashin descobre que ela está ardendo em febre. O segmento tem o seu valor no monólogo interno da demônio que vive uma verdadeira montanha-russa de emoções com a perspectiva da morte da loli gótica.

Jashin-chan anuncia o último episódio antes de acertar seu dropkick em Yurine. Apesar da violência inicial, a série tem um desfecho encantador.

Logo após se desesperar, ela contesta a preocupação que está sentindo Yurine e começa a maquinar que tem em mãos a oportunidade de se livrar da jovem sem sujar as mãos, ou seja, basta simplesmente aguardar o seu estado físico piorar a um ponto crítico, o que fatalmente a levaria à morte. Se tal pensamento abjeto pode passar pela mente de um humano, imagina de um demônio. Mas como Jashin-chan Dropkick é a representação da sociedade japonesa, uma interessante metáfora que recorre à antropoformização de seres sobrenaturais, a loira-serpente é impelida pela afeição que sente a socorrer Yurine.

Essa atitude marca o ponto alto do desenvolvimento de Jashin, e isso a torna a personagem com mais nuances em relação ao comportamento e às emoções. Ela pode ser desagradável e oportunista, mas é a que está menos presa a caracteres que impõem uma fixidez à personalidade.

Yurine se recupera com o auxílio do trio infernal Jashin-chan, Medusa e Minos. A górgona e a vaca-demônio ainda recebem uma declaração de amizade da loira serpente, que temia perder as duas, caso não ajudasse Yurine.

Doença como forma de aproximação ou reconciliação não é novidade, mas funciona bem para a evidenciação dos sentimentos de Jashin e Yurine.

Momento de ternura com a enfermeira Jashin-chan: será síndrome de Estocolmo?

O segundo segmento trata do tempo e de como o ser humano é capaz de deixar a sua marca no mundo, influenciando a existência dos outros, desse modo, perpetuando-se na história. Yurine confessa para Jashin, Medusa e Minos o seu desejo de viver para além dos 80 anos que normalmente um ser humano vive, e assim poder testemunhar transformações sociais significativas, algo que as demônios, por serem criaturas milenares, vivenciam constantemente.

A lamentação de Yurine leva ao contraponto de Minos e Medusa, que admiram os seres humanos por conseguirem dar significado à vida, que é efêmera, por intermédio do imenso poder criativo que possuem, constituindo um legado para as próximas gerações. Quando se sabe da finitude da existência, há o desejo de se viver intensamente e construir algo, um sinal distintivo de nossa passagem pela terra.

A terceira parte traz Yurine, Jashin-chan, Medusa e Minos convidando Pekora para um piquenique sob as cerejeiras. A anjo alega o mesmo de sempre para recusar: não pode ser amiga de uma bruxa e de demônios.

Pekora deixa-se convencer pelo oferecimento de comida, já que a fome ainda é o maior desafio da anjo. Ela permanece em seu conflito a respeito das demônios: aceitá-las é negar a dualidade entre o bem e o mal.

As confusões no segmento são promovidas por Mei e Poporon, sempre com Jashin-chan como fio condutor. A policial mais uma vez assedia a loira-serpente, para depois tornar-se o centro do piquenique com suas reclamações a respeito do serviço como defensora da lei. Jashin-chan obriga Medusa a retirar Mei da roda. Uma missão que ela cumpri, o que faz com que fique com o ônus da fidelidade à amiga-demônio, isto é, suportar a personagem menos interessante do anime.

A confraternização do elenco: todas adultas bebendo sua cervejinha.

Já Poporonon é descoberta por Jashin, que não perde a chance de provocá-la. Após as bravatas dela, Poporon se recusa a unir-se ao grupo, apelando a sua superioridade angelical. O gesto a mantém distante das outras personagens, mas, no fundo, ela parece querer se integrar, apegando-se ao seu orgulho e a sua vaidade para resistir à tentação.

Esse segmento não possui arroubos cômicos, mas é engraçado, e tem um clima de despedida, com o elenco reunido, o que o torna “meio-nostálgico”.

No último esquete, Yurine e Jashin-chan vão à padaria – local escolhido para o almoço pela imposição do olhar assassino da loli gótica (sua marca registrada) –, mas uma série de travessuras da loira-serpente faz com que a garota a castigue e pergunte sobre a sua maldade e a razão dela ser tão diferente de Medusa e Minos, que são generosas. O fundamental desse questionamento é que as sucessivas diabruras de Jashin-chan são instigações de sua natureza demoníaca. Por isso Jashin é o conflito entre natureza e cultura na série, já as outras personagens possuem atributos mais engessados, cujos códigos já estão esquematizados.

A chance de redenção da loira-serpente surge quando o balão de festa vermelho de uma menininha fica preso no topo de uma árvore, contudo ela resiste em ajudar. Só que quando Yurine provoca a sua vaidade, Jashin vai ao resgate do balão, mas acaba sendo levada à uma viagem pelo céu de Tóquio, com o elenco a seguir a trajetória da bexiga inflável que ganha altitude até chegar ao “espaço”.

O balão que conduz a demônio ao céu: final bonito e estranho.

O balão vermelho aparece no início do episódio como parte da canção Elogio a Jinbocho, que Jashin canta para a enferma Yurine. No entanto, na música, elas estão juntas, de mãos dadas, enquanto o balão deixa a atmosfera terrestre. Já o encerramento traz Jashin sozinha, entrando em órbita, isto é, em vez de descer para as profundezas do inferno (seu maior desejo desde a invocação), ela é elevada ao céu por um balão vermelho. Um final irônico, com seu grau de esquisitice, mas condizente com a lógica da série.

O episódio 11 de Jashin-chan Dropkick é um desfecho decente para um anime problemático, que, porém, tem algumas virtudes admiráveis. O melhor do episódio é justamente o espaço dedicado a relação entre Jashin-chan e Yurine, com a demônio demonstrando algumas qualidades ocultas ou que permaneceram à margem por conta de ações oportunistas ou por preferir não ser sincera com os próprios sentimentos (ou por não saber como demonstrá-los).

O dropkick derradeiro: quebrando a quarta parede pela última vez.

Ainda que tenha faltando sangue – já que o conflito é apaziguado pelo gesto do cuidado –, um elemento marcante de um gore cômico, o episódio apresenta os componentes que sustentam a série: humor absurdo, metalinguagem e ponderação sobre a sociedade ou a existência. Não é perfeito, mas tem seus momentos hilários, e isso é o mínimo que se pode espera de uma comédia.

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