Ataque dos Titãs 3 – ep 10 – Privilégio
Bom dia!
Enquanto eu assistia a essa episódio eu não podia evitar pensar no quanto eu não me importo com o Kenny. Por que eu deveria me importar com o Kenny? Mas ele parece ter muitos fãs.
O vi ser comparado a Stain (My Hero Academia) e Scar (Fullmetal Alchemist).
Por quê? Ele foi só um personagem incidental. Suas (poucas) ações nesse arco serviram de escada para os heróis. Seu flashback nesse episódio serviu mais para revelar um pouco do enredo geral do anime do que como um epitáfio.
Kenny está morto, e eu não poderia me importar menos com isso. Talvez no mangá sua participação seja maior, porque de outro modo não consigo imaginar como ele pode ter tantos fãs.
Ele foi um personagem trágico, o que no mundo de Ataque dos Titãs não quer dizer muito. Um anti-vilão. Se tornou o monstro que era tentando proteger a própria família e, depois, apenas para sobreviver. Ele matou por bons e, frequentemente, por maus motivos. Depois de certa altura ele só queria entender.
Por que os Ackerman eram perseguidos? Ele nunca conseguiu uma resposta para isso. Mas conseguiu descobrir a compaixão no lugar em que menos esperava: em Uri Reiss, em nome de quem os Ackerman foram caçados em primeiro lugar. Isso mudou sua perspectiva, mas não sua metodologia.
Se qualquer coisa, pode-se dizer que ao se tornar um assassino de aluguel, ao invés de apenas matar para sobreviver, se tornou uma pessoa ainda pior do que já era.
Mas Kenny nunca encontrou as respostas pelas quais buscava. Seu pai não lhe disse porque os Ackerman eram perseguidos, e Uri só lhe disse que isso estava ligado à escolha do primeiro rei. Conclui-se, portanto, que em determinado momento os Ackerman discordaram dos Reiss.
Kenny se tornou um assassino para proteger a família. Talvez não lhe tenham contado nada para isso também. Sua obediência e sua ignorância fizeram cessar a caçada.
Não foi isso que ele entendeu, porém. Ele passou o resto da vida querendo entender. Por que Uri, que poderia esmagá-lo, poupou sua vida? Por que parecia tão sincero ao fazer isso e depois ao pedir desculpas a ele? Como Kenny só conhecia a força bruta, concluiu que era justamente o poder de Uri que o permitia ser compassivo.
Uri podia ter compaixão porque Kenny não era páreo para ele desde o começo. Algo como uma pessoa que tira um inseto de dentro de casa e coloca no jardim. Quando descobriu que o poder de Uri era herdável acabou consumido pelo desejo de, eventualmente, ele herdar esse poder.
Não para continuar matando, mas para poder ter compaixão.
Pelo menos uma vez na vida, porém, Kenny teve compaixão: quando falhou em salvar sua irmã mas adotou o filho dela, Levi. Ele não quis ser um pai. Ele não podia ser um pai, pois ele não tinha poder para isso. No final das contas, talvez Levi estivesse mais seguro longe dele, sem que ninguém soubesse que ele era um Ackerman.
O padrão aqui é o mesmo: Kenny, mais poderoso, teve compaixão por Levi, uma criança à beira da morte por desnutrição. E como Uri, não contou nada substantivo para Levi também. Fica implícito que apenas anos mais tarde Levi descobriria ser um Ackerman, e Kenny também (talvez o spin-off No Regrets conte isso?).
Fica explícito, pois, que pelo menos para Kenny, ter compaixão, falar em paz e amor, é um privilégio que só os fortes desfrutam. E no mundo distópico de Ataque dos Titãs talvez seja mesmo.
Normalmente, informação é poder, mas em alguns casos ter informação sem ter poder pode ser um risco também. Por isso, talvez, Kenny tenha sido poupado da verdade, e talvez por isso os reis não contem a verdade nem mesmo para seus parentes.
Agora as linhagens dos Reiss e dos Ackerman foram para todos os efeitos cortadas de seu passado. Historia não herdou o poder do Titã Primordial e não sabe de toda a história e da verdade sobre esse mundo. Do mesmo modo, Levi e Mikasa são os únicos Ackerman sobreviventes conhecidos e também nada sabem sobre o passado e a história de sua família.
Porque as informações eram perigosas demais, foram mantidas no máximo e mais absoluto sigilo, e agora se perderam. Informações essas que poderiam ser uma maldição, mas sem dúvida serão necessárias para enfrentar os desafios vindouros.
Uma nova era começa, mas por trás de toda a esperança que a chegada ao trono de uma das heroínas da história carrega, talvez seja uma era ainda mais sinistra do que a que se encerrou.
O alívio que todos sentem é apenas temporário e se não tomarem cuidado, esse conforto será sua tragédia.
A ameaça que deu as caras na temporada passada retornou. E estão atrás do “Coordenador”, que me parece claro ser o próprio poder que o Eren carrega, o que intra-muros chamam de Titã Primordial.
Controlar todos os titãs. Modificar as memórias das pessoas. E sabe-se lá mais quais poderes o Titã Primordial possa ter. Não obstante, ele é um só e não é infalível.
Se não for possuído por alguém da família Reiss não se manifesta completamente. Ou é nisso que Rod acreditava, mas funciona de alguma forma que na prática é quase isso. Se não pode utilizá-lo plenamente, por que o Titã Bestial o deseja então? Ou talvez ele possa utilizá-lo plenamente. Ou trabalha em nome de alguém que pode. Ou não sabe desse detalhe.
Mesmo em sua forma completa, porém, é sabido que pelo menos contra orientais e contra os Ackerman o controle de memória não funciona. Isso é uma constante fonte de conflitos em potencial.
Um poder quase divino que pode ser capturado. Um poder quase divino com defeitos óbvios. A explicação para o pessimismo de Uri deve ter a ver com isso. Um perigo maior que os titãs ronda fora dos muros e eventualmente nem mesmo o Titã Primordial será capaz de detê-lo. A ambição? Quero dizer, sabendo que ele existe, quem não iria querer dominar esse poder?
No final das contas, esse poder é uma maldição. Ele pode enfrentar, mas não pode impedir todos os conflitos que surgem por sua própria causa, para controlá-lo.
K
Creio que os fãs gostam dele não pelo seu currículo na narrativa, mas simplesmente por ser um personagem icônico em seus trejeitos. Não é um personagem digno de se importar. Aliás, quem é? O que é se importar com um ser fictício? Enfim, ele está longe de ser um anti-vilão. Anti-vilões são raríssimos em ficção, mas já que tocou nisso, lá na frente Shingeki terá uma espécie de anti-vilão, alguém reservado somente a uma quarta temporada.
Acho que você não prestou atenção ao avô do Kenny três episódios atrás quando ele disse que os Ackermans são perseguidos porque não podem ser controlados. O anime tratou de reforçar isso até neste episódio, cujo Rod queria matar o Kenny justamente por esse motivo. E por que os Ackermans se opunham a eles? Ora, pela mesma razão que deu origem a este arco: o governo é corrupto e não está interessado em salvar a humanidade.
Talvez uma das razões pra se importar com a morte do Kenny é o fato de que ele poderia ter sido um ótimo aliado contra os “verdadeiros inimigos” se não fosse as circunstâncias em que estava. É uma razão mais funcional que emocional, não sei como daí alguém poderia se importar ou não. Eu não me importo, mas consigo enxergar a eficiência dele no enredo, tanto por mover os pauzinhos ou tecer mais mistério, quanto pelo momento de lucidez no leito de morte. Não sei como pôde ignorar, sendo aquilo o ponto alto do flashback. De fato, estão todos bêbados em alguma coisa e não poderiam se aguentar e seguir em frente se não fosse por isso. Mais do que uma observação inteligente sobre a nossa própria condição, é irônica quanto a do Uri, que não escolheu acreditar no que acredita, mas foi imposto a ser escravo de uma vontade maior. Paradoxalmente, se não fosse por isso ele não desejaria paz. Paz, isto é, segurança, a preço de liberdade.
A única coisa que tenho a reclamar, e isso como leitor de mangá, foi o build-up da cena da Historia batendo no Levi. No mangá isso faz mais sentido, mas aqui eles (a produção do anime) optaram por duas alternativas: 1) Ou se colavam no original, onde o Levi é pintado como um tirano 2) Ou pintavam-no em cores mais alegres, pro público não ter uma má imagem do personagem. Parece que escolheram a segunda opção, e eu entendo isso, pois Levi poderia aparentar-se misógino pra um público, mas não conseguiram fazer sem tirar a satisfação de ver essa cena, já que no mangá quem fala pra Historia fazer isso é o Reeves (o cara que teve a garganta cortadda). Na verdade, relendo a cena, foi até bom ele (o Isayama, porque ele se meteu na realocação e eliminação de cenas) ter tirado, pois embora seja um momento muito interessante pro Levi e pra Historia, o personagem é mau olhado até pelos colegas de esquadrão. Ele literalmente pega Historia pelo pescoço, segura-a no alto e fala que ela não tem escolha senão fazer o que eles querem. Que esse “é o destino dela”. Deixar isso mas de outro jeito teria que reinventar a cena. Foi bom terem cortado.
Fábio "Mexicano" Godoy
No anime o Kenny nem tem tempo de tela suficiente para ser icônico. Suponho que possa ser diferente no mangá. E quase concordo com você: anti-vilões bons são raros. Kenny ocupa o espaço de um anti-vilão e melhor trabalhado poderia ser um dos bons. Talvez as pessoas tenham se apaixonado pela expectativa e potencial do personagem, mais do que pelo seu papel de fato? Isso é normal em obras seriadas.
Sobre os Ackermans não poderem ser controlados, é claro que prestei atenção nisso. Mencionei naquele artigo. Mencionei nesse artigo (leia de novo! Está lá no final 😊). Mas esse não é o motivo. O motivo é eles terem se oposto. A quê? Corrupção? Bobagem. Em um mundo em que gigantes literais te devoram, essa é sua última preocupação. Pelo menos isso passou bem longe das minhas percepções. O motivo é a discordância, que em qualquer caso não seria um problema porque podem manipular a memória de todos, mas não a dos Ackermans. Mas qual é exatamente essa discordância? Kenny morreu sem saber e disse isso literalmente.
O ponto alto das reflexões em leito de morte de um personagem que foi muito menos do que poderia ter sido, que efetivamente não foi lá grande coisa, não me interessa muito mesmo. O resto é despiste. Tudo tem uma razão bastante objetiva, “estar bêbado” ou “ser escravo” é firula do autor para ocultar esses objetivos.
E fiquei sabendo da versão do mangá também. Faz muito mais sentido para a Historia, embora seja um pouco exagerado para o Levi (mas sabendo de seu passado, faria sentido). Não vou julgar só pelo diz-que-diz-que, porém.
Obrigado pela visita e pelo comentário 😁