Bom dia!

Como suspeitei no final do episódio anterior, o colapso do Haiji era só exaustão mesmo. Ele fazia tudo para que os demais pudessem apenas correr, e isso acabou cobrando seu preço.

É curioso o quanto ele é cuidadoso com os demais, como quando ele correu atrás do Nico para forçá-lo a comer, ao mesmo tempo em que foi tão descuidado consigo mesmo.

Não é algo difícil de imaginar, no entanto. Acho que é bastante comum, na verdade, e algo que a maioria de nós faríamos em seu lugar. Sempre queremos acreditar que a gente aguenta “só mais um pouco”. Cada vez que “aguentamos”, o que pode significar só passar mais um dia, parece ser uma prova de que somos mesmo bons nesse negócio de “aguentar”.

O problema é que precisamos “aguentar” sempre, mas é preciso “não aguentar” só uma vez para nos expormos a riscos potencialmente sérios. Talvez o ferimento que justificou a operação do Haiji tenha sido causado em primeiro lugar por motivo semelhante?

Sobre o Haiji não se falou mais nada no episódio, e continuo aqui aguardando ansioso pelo momento em que o anime irá contar sua história.

O colapso dele serviu para que os demais personagens apercebessem o quanto tudo o que eles dão por garantido na verdade é algo que o Haiji faz por eles. Ei, pense na sua mãe em casa! Ela pode não estar te preparando para uma maratona, mas está fazendo o possível para te preparar para algo ainda mais difícil: a vida.

Como argumentarei mais adiante, creio que também Kaze Fui e o Haiji estejam preparando Kakeru e companhia para a vida, e não apenas para a Hakone Ekiden.

Retomando de onde estava antes dessa digressão, os jovens corredores de primeira viagem se sentiram culpados quando a realidade se impôs: estavam deixando tudo para o Haiji cuidar. Eles precisam também ser mais responsáveis e, na medida do possível, ajudá-lo.

Ao final do episódio, porém, com o Haiji já bem e de volta, esse tema foi superado e não dá para saber, por enquanto, se eles vão mesmo assumir mais responsabilidades ou se o Haiji vai continuar cuidando de tudo.

Enquanto todos buscavam sua própria culpa, Nico foi a voz da razão, como esperado do personagem mais velho, e disse o óbvio: ninguém era mais culpado do que ninguém. E tentou consertar as coisas entre Kakeru e o Príncipe.

 

Nico tenta resolver o climão entre o Príncipe e Kakeru

 

No começo, não deu muito certo. Kakeru se recusou a retirar uma só palavra do que disse ao Príncipe. Esse, por sua vez, notou outra coisa que eu já havia dito em artigo anterior também: Kakeru está só descontando sua própria frustração nele. O Príncipe é o culpado conveniente.

O que não quer dizer que a situação dele esteja confortável, naturalmente, mas não é com esse tipo de abordagem e atitude que Kakeru irá conseguir atender o pedido do Fujioka e ajudar o Haiji.

A primeira oportunidade para fazer algo substantivo nesse sentido vem no dia seguinte, quando todos os veteranos se recusam a assumir a liderança do treino enquanto Haiji passa o dia descansando (trancado) em casa, e essa responsabilidade é assumida pelo Kakeru.

 

Todos ficam empolgados quando Kakeru assume a liderança do treino - exceto o Príncipe

 

Como Haiji sempre faz, Kakeru correu atrás do Príncipe. E notou o que até o mais sedentário leitor já deve ter percebido desde o começo do anime: o Príncipe não sabe correr.

Habilidade atlética, fôlego, força e resistência muscular, tudo isso é importante. Mas quando você nem sabe usar, não ajuda muito e pode não fazer mesmo diferença nenhuma. Um martelo não vai te ajudar a pregar nada se você não souber como manejá-lo.

Em mais uma digressão devo dizer, porém, que correr não é nada tão complicado assim. Tenho certeza que qualquer pessoa que consiga ficar em pé e se mover sozinho com suas duas pernas aprende a correr sozinho. Claro que existem técnicas e formas que profissionais aperfeiçoam, mas o mínimo suficiente para correr qualquer um aprende sozinho quando ainda é criança. Acho que nem é correto usar o termo “aprender” aqui, me parece que essa é uma habilidade geneticamente codificada.

Assim, é absurdamente inverossímil a forma como o Príncipe corre. Não faz sentido a ideia de que ele é tão viciado em mangás que mantém essa postura até mesmo quando vai correr. Isso é insano. Mas não estou criticando o anime, ainda vou voltar nisso. Agora, de volta à linha de raciocínio central.

Como era esperado, Kakeru dá outro sermão no Príncipe enquanto correm. E como esperado também, o Príncipe não quer saber de sermão e dá uma resposta atravessada para o Kakeru, que desiste de continuar a conversa: venha conversar na minha velocidade.

Haiji melhora, Kakeru conversa com ele sobre isso, e escuta a explicação: não foi só uma bobagem que o Príncipe disse para calar o Kakeru. O Príncipe, e todo mundo na verdade, está sim esperando pela ajuda dele. Mas não nesses termos. Não nessa linguagem.

Não dá para eles conversarem se estiverem correndo em velocidades diferentes.

Esse é o ponto de virada do episódio. E lição é: se o Kakeru quer mesmo conversar com o Príncipe, ele precisa primeiro entender o Príncipe. Como aparentemente o Príncipe se resume a um otaku fanático por mangás, Kakeru atinge esse objetivo pedindo mangás para ler.

 

Kakeru se aproxima do Príncipe - ajusta sua "velocidade" a dele

 

E funciona. Ele se aproxima, entende melhor não apenas o Príncipe, mas a razão dele não conseguir correr direito, e consegue combinar essas duas informações para ensiná-lo a corrigir sua postura da forma mais eficiente possível.

Um bom tempo se passou, certamente, e Kaze Fui resumiu-o muito bem em uma montagem que mostrava ora Kakeru e Príncipe lendo mangá juntos, ora o Príncipe correndo. Como o Príncipe havia dito em episódio anterior, a graça de ler mangá junto com alguém é que com o tempo a velocidade de leitura de todos se sincronizam a ponto de virarem as páginas juntos.

Eles finalmente viram a página juntos. Esse é o momento em que finalmente atingem a “mesma velocidade”. No corte seguinte, Kakeru e o Príncipe estão em uma corrida de registro oficial.

 

Kakeru e o Príncipe viram a página juntos

 

Claro que essa “mesma velocidade” é metafórica (ou real apenas para mangá, se quiser). O Príncipe ainda está longe de ter um tempo suficiente para se classificar para Hakone, mas ele agora está se esforçando e seu esforço está rendendo frutos.

Até o fim, Kakeru não o deixou para trás – abriu mão de melhorar o próprio tempo para dar um último incentivo ao Príncipe. Ele parece ter entendido o que Fujioka quis dizer, e com certeza entendeu o que o Haiji quis dizer. Acima de tudo, ele gostou de ajudar o Príncipe e de ver resultados. Esse é o tipo de coisa que só foi possível porque os dois finalmente estão na mesma velocidade.

De novo, é lógico que essa “velocidade” não é literal. Mas agora todas as digressões que fiz antes farão sentido.

Haiji forçou os nove a correr. De todos, só o Haiji gosta de verdade de correr. Os demais não poderiam se importar menos, e cada um tem seus próprios objetivos de vida. É por isso que o Kakeru precisou treinar o Príncipe de forma tão heterodoxa, e por isso que o Príncipe não sabia correr em primeiro lugar, por mais absurdo que isso pareça.

Correr a Hakone Ekiden é algo que só o Haiji quer, e ele é um babaca por ter forçado todos a seguirem o seu sonho. Mas viver é algo que não escolhemos, apenas temos que fazer, não é?

De forma provavelmente previsível, um pouco melodramática e dando uma enorme volta argumentativa, Kaze ga Tsuyoku Fuiteiru é um anime sobre jovens ainda perdidos no limbo entre a adolescência e a vida adulta que estão treinando não para uma maratona, mas para a própria vida.

 

O Príncipe finalmente conseguiu tempo abaixo de 30 minutos

 

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