Shinigamis, os tais deuses da morte, são figuras que vira e mexe aparecem em mangás e animes que fazem sucesso. Bleach e Death Note são exemplos que vêm fácil à mente de qualquer pessoa que vê animes ou lê mangás há algum tempo.

Mas, e quando tal figura não é exatamente central, tendo um papel que visa mais passar uma mensagem por meio da situação de morte, que exemplos de obras com essa abordagem vêm a sua mente? Admito que antes de assistir o curta metragem não tinha um exemplo a dar, mas agora tenho, pois é o que Kuro no Sumika: Chronus faz!

O curta-metragem é um dos quatro vencedores do Anime Mirai – prêmio japonês que visa apoiar jovens animadores – de 2014 e pode se tratar de um anime simples e previsível, mas que nem por isso deixa de ter seu valor.

Na história acompanhamos Makoto Nakazono, um jovem que consegue ver shinigamis, mas nunca se envolveu com eles ou tentou impedir o que faziam – pelo menos não até que envolvesse alguém que ele amava. Hazuki Horiuchi é sua amiga de infância, e o jeito como ela o trata deixa transparecer seus sentimentos. Mas por que ela não diz nada para ele?

Acho que um dos pontos positivos desse filme é justamente o jeito como as motivações dos personagens são condizentes dado aquilo que os cerca – sei que em toda história deveria ser assim, mas, infelizmente, nem sempre isso ocorre.

Um exemplo é a enfermidade que afeta a garota, em uma cena curta ela é indicada e – mesmo com o uso do celular – é bem plausível que seja encarada como um “facilitador” de seu acidente. Outro exemplo pode ser visto no shinigami que ajuda Makoto, afinal, o passado que o motivou a escolher encarar o destino é trágico e se parece com o que Makoto teve que passar.

A reação da sociedade também o inibiu a ação.

O próprio Makoto só fez algo quando tinha a ver com a amiga de infância, só assim para ele querer mudar o destino. Eu acho o motivo bem crível, por sinal, incondizente seria ele tentar salvar a todos sabendo que quando o shinigami aparece é por causa da hora da morte da pessoa, mas com Hazuki a situação é um tanto diferente, por isso ele age.

Outra coisa a se comentar sobre o anime é a animação fluida e consistente, de qualidade, mesmo que um acabamento ainda melhor fosse possível.

Não entendo o suficiente de animação para categorizar a do anime, mas seu estilo mais solto, mais “livre”, é algo que vira e mexe vejo por aí, principalmente em trabalhos de estúdios mais novos ou projetos com menor budget que, ainda assim, fazem algo de qualidade.

Por fim, se a intenção do Anime Mirai é premiar jovens animadores talentosos, acho que o objetivo foi cumprido ao premiar essa obra.

Aqui vemos bem o quanto ela estava vendo mal.

Voltando à trama, as motivações e o que os personagens principais fazem a partir dela são coerentes e mesmo que sejam fáceis de prever, não incomoda a narrativa, visto que há pouco tempo para desenvolver uma história, então um plot twist poderia mais atrapalhar que ajudar. O roteiro é simples, até objetivo, não dá voltas para definir o que é necessário.

Não há tanto tempo para que o telespectador se importe com os protagonistas, mesmo com o apelo romântico da relação deles, então a forma que a mente criativa por trás do roteiro encontrou para a obra ter um apelo razoável foi por meio de sua mensagem: fazer o possível enquanto se está vivo, se você tem motivos para viver.

Não é contrariar a morte – o único fim aceito como definitivo para nós, seres vivos –, mas aceitá-la apenas quando ela não vier de forma abrupta e ainda se desejar viver.

Se tem algo interessante que contribui para essa situação parecer até normal é o fato de que coma não é algo tão difícil de se ver por aí e a Hazuki parecia em estado de coma – dou uma “licença poética” à hora em que ela fala e chora –, então sua alma ter “escapado” não me parece incondizente com essa situação.

Já houve casos em minha família de pessoas que estiveram em coma. Inclusive, meu tio faleceu depois de ter passado um tempo assim. Quem não garante que a alma dele saiu de seu corpo e ficou vagando por aí?

Aproveitando a frágil conexão ainda existente entre a carne e a alma ela chorou.

E dada a existência de shinigamis que um dia foram humanos – foi o que me pareceu –, a situação da alma fora do corpo virar um monstro, e quando não virar isso trair o destino, pode ter a ver com a própria existência dos shinigamis, dando a entender que, no mundo da obra, sair do corpo não é necessariamente o fim definitivo.

Não à toa há um ritual de passagem para que a alma deixe o plano carnal por completo. Minha intenção aqui não é justificar o que acontece usando o que era seu mecanismo para realizar as coisas, já que este pouco ficou claro, mas buscar justificativas para que o que rola não seja tão “especial” quanto parece.

Inclusive, há uma cena em que a shinigami que ajuda o “rebelde” comenta que nem todos dão a sorte de ter alguém para interferir, trazer uma alma de volta, o que me faz pensar que há muitas pessoas em situação semelhante à de Hazuki, falta é que alguém interceda por elas como o Makoto faz.

Claro, só consegue fazer isso, pois é capaz de enxergar os agentes da morte, os ditos shinigamis. O que ocorre de especial na história só é possível porque o protagonista é especial, verdade, mas, devido a certos detalhes, o dito milagre não parece impossível – ao menos não tão impossível quanto costuma o ser na maioria das histórias –, o que acho uma bola dentro do roteiro.

Simples, objetivo, mas condizente, que criou uma situação toda bem amarradinha; nem o fato da shinigami ter deixado o garoto avançar até o local do ritual de passagem – parecia que ela estava apenas testando a força da vontade dele – me passou batido.

O amor deles é bonitinho vai, melhor que um romance dela com o playboy.

Kuro no Sumika: Chronus faz o dever de casa direitinho dentro das condições das quais dispõe e o que aflige a personagem Hazuki é sim o tipo de justificativa que muitas vezes faz alguém desanimar com a vida, mas, caso a pessoa se disponha a ver a situação por outro ângulo, busque o apoio necessário para que não desista, reverter essa forma de pensar é possível.

Se pensarmos que diversas vezes os japoneses são representados na ficção como um povo que tem dificuldade em se expressar para o próximo, em pedir ajuda nesse tipo de situação, acho que se torna ainda mais compreensível a atitude da jovem, alguém que tinha medo do que a enfermidade poderia lhe proporcionar, que não sentia a segurança que Makoto a passou.

É, chegou a hora de dizer adeus, mas espero que o shinigami não venha me buscar tão cedo, e assim eu possa escrever bem mais para o blog, então esse adeus deve ser mesmo apenas um até logo.

Por fim, enquanto tiver vida para viver vida, não desista, tente fazer algo, isso por você ou por quem esteja ao seu lado, para que assim quando você, ou alguém especial para você, partir, seja com um sentimento de que realmente é a hora, que tudo que poderia ser feito foi feito. A nós fica a mensagem.

Até mais!

E Makoto sorriu ao acordar para um mundo com a Hazuki nele.

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