Bom dia!

Dois incríveis episódios de Hoshiai no Sora! Eu não assisti muitos esportivos esse ano. Na verdade, só assisti dois, o esquecível Cinderella Nine e o segundo cour do também incrível Kaze Fui. Entre esse e Hoshiai está difícil decidir qual o melhor, os dois são muito bons, mas esse ainda não acabou, né, vamos ver. E você, assistiu mais algum anime esportivo esse ano?

Hoshiai no Sora parece ter vindo para lidar com a questão da identidade, ou mais especificamente como ela se forma no começo da adolescência e os conflitos e dificuldades decorrentes disso.

Nos episódios anteriores o tema já havia surgido, com destaque para a rápida cena da Kinuyo, a presidente do Conselho Estudantil, que para sua mãe é Ruriha, mas que gostaria de ser Kaori. É no oitavo episódio porém que o tema surge de forma central, em parte com as peças jogadas desde o episódio sete.

Como uma história que enfrenta a questão da formação da identidade desde a pré-adolescência, Hoshiai no Sora não evita mostrar os principais conflitos dessa fase: aqueles com os jovens têm com seus pais. Na verdade, o anime faz disso ponto central dos arcos de diversos de seus personagens, senão todos – no final descobriremos.

Ao final do sétimo episódio, na cena pós-créditos, uma sinistra conversa na escola dá conta de que um dos pais de um dos alunos do clube de soft tênis reclamou das atividades “abusivas” do clube. Estava sinalizado ali problemas para todo mundo, em particular para o filho daquele pai ou mãe.

A primeira coisa que o oitavo revela é que tratou-se de reclamação da mãe do Nao. Ela acha que soft tênis é perda de tempo (e tendo visto a performance da equipe alguns meses atrás, dá para entender o que ela está querendo dizer) e que seu filho deveria estar se dedicando mais aos estudos.

 

A mãe de Nao quer ter a última palavra em tudo o que o filho faz, é uma típica mãe helicóptero

 

No próximo ano será o vestibulinho para o ensino médio, afinal.

Não ocorre à mulher que talvez seu filho goste de soft tênis, por “inútil” que se lhe pareça. Ou pior, ocorre, mas ela está crente que sabe mais e não importa o que o pobre Nao acha.

O relacionamento entre mãe e filho nesse caso é só um caso arquetípico de relacionamento entre mãe e filho que pode ter resultados devastadores na vida do jovem.

Ela parece ser uma típica dona de casa japonesa, então não deve ser o caso, mas no Brasil esse é um comportamento comum em pais que tentam viver seus sonhos através de seus filhos. Em qualquer caso, mesmo que a criança obedeça e se torne o adulto que seus pais moldaram, como irá viver agora que não tem mais quem o diga o que fazer?

Para além de ser questionável censurar os desejos dos próprios filhos dessa forma, essa é uma das críticas práticas a esse tipo de comportamento excessivo, esmagador, que pais podem adotar, e que tem sido chamado de “pai/mãe helicóptero”, como foi no anime, aliás, como que comparando tais pais a uma vigília voadora ensurdecedora sempre monitorando cada passo e cada ação dos filhos.

No caso do Nao, o gatilho para a reclamação de sua mãe foi o churrasco do clube, meio para relaxar e meio para comemorar a relativa boa performance dos garotos nas partidas de treino contra a outra escola.

As partidas de Nao e todos os demais jogadores já haviam se passado no sexto episódio, e ficou para o sétimo a partida dos protagonistas, Maki e Touma.

Como as demais duplas, Maki e Touma tentaram compensar sua falta de técnica e resistência com astúcia, e, notando que o astro adversário, Oji, estava na prática jogando sozinho contra os dois, exploraram essa fraqueza. Quase deu certo.

 

Oji e sua dupla trombam na quadra, graças à estratégia de Maki

 

O Oji está mesmo em outro nível, e quando conseguiu parar de bater cabeça com seu colega de equipe, estava sozinho jogando de forma equilibrada contra os protagonistas – mas até ali ele já havia se cansado bastante, e dois contra um ainda é uma boa vantagem, mesmo se tecnicamente esses dois valerem menos do que aquele um.

Eventualmente ele perceberia seu erro e, passando a jogar em dupla com seu parceiro de verdade, derrotou Maki e Touma. Mas a ninguém do clube aquilo pareceu uma derrota, assim como para Oji aquilo não pareceu tanto com a vitória que ele esperada.

Oji se divertiu, e Maki já vinha dizendo durante o jogo sobre como vinha se divertindo. Touma pareceu algo confuso com essa ideia até o final, mas o alto astral da equipe não deixaria que isso estragasse o humor dele.

 

Touma fica surpreso quando Maki diz que está se divertindo durante o jogo

 

A questão sobre “divertir-se” aparece em vários animes esportivos ou competitivos de qualquer forma com uma estrutura semelhante a de um anime esportivo, e não é para menos.

Por mais que você se destaque no esporte em seus anos de escola, que chance tem de, de verdade, se tornar um profissional? Aliás, será que quer se tornar um profissional?

Mas se não for para isso, então é “inútil”, como diz a mãe do Nao? É verdade que um dia todos teremos que trabalhar, e que quanto melhor nos dedicarmos aos estudos melhor chances temos de construir uma boa carreira, mas a vida é mais do que isso. Principalmente para quem não sabe direito nem o que é hoje, quanto mais o que vai querer ser quando crescer.

Pragmaticamente, é possível ainda argumentar que esse tipo de atividade “inútil” ajuda a desenvolver habilidades inter e intrapessoais, bem como a lidar com problemas psicológicos de forma sadia e servir como válvula de escape para as pressões do dia à dia. O inútil é super útil!

 

A equipe toda torcendo e vibrando por Maki e Touma: esses sentimentos e o que eles estão aprendendo ali não é nada inútil

 

Mas se, à despeito de tudo isso, a pessoa estiver abordando a atividade com a mesma seriedade rigorosa com a qual abordaria o trabalho ou os estudos formais, provavelmente a maior parte dessas vantagens adicionais se perde. Se divertir é importante.

Se o Touma não se divertir, por que ele vai querer continuar? Não acredite em mim, acredite no Oji: o garoto é uma estrela no soft tênis, entre outras razões, porque se diverte jogando. Por isso ele estava irritado antes das partidas, preocupado que aqueles desafiantes desconhecidos não serviriam para diverti-lo.

O Touma ainda precisa aprender a se divertir jogando soft tênis, e provavelmente será Maki quem o ensinará isso. Isso, porém, provavelmente é só um sintoma de problemas mais profundos que já estão claros que o garoto possui, embora ainda não estejam claros quais eles sejam e qual a sua causa raiz.

Se eu tivesse que apostar, eu diria que a mãe do Touma é como a do Nao, só que o gênio forte do garoto fez com que ele desafiasse a mãe desde cedo, de forma que ela desistiu de tentar controlá-lo e agora nutre apenas rancor por ele.

Isso explicaria o comportamento agressivo dos dois, e explicaria também porque ela ainda faz questão de usar sua autoridade para cobrar empenho do Touma, sendo que no fundo não é como se ela se importasse de verdade. Só quer atazaná-lo.

Em todo caso, é notável como não é apenas nas quadras que o Touma não sabe se divertir, mas fora delas também. No churrasco da equipe ele estava se sentindo deslocado, como se ele não pertencesse àquele lugar. Touma não sabia o que fazer, se sentia constrangido.

 

Touma não sabe o que fazer em um grupo que está apenas se divertindo

 

Caso mais grave de constrangimento por não saber o que fazer é o da Kanako. Finalmente o anime revelou um pouco mais sobre ela.

Seu comportamento passivo-agressivo já denunciava que ela escondia algo. Kanako sentia algo, mas não sabia expressar por não entender o que era, ou talvez estivesse apenas constrangida mesmo.

Hoshiai no Sora respondeu: Kanako gosta de desenhar, mas seus pais, pobres, a desestimulam constantemente, diminuindo tanto a atividade que ela sente prazer em praticar quanto ela própria, por querer desenhar.

Ou seja, mais uma vez estamos falando de uma questão de identidade. Ela não sabe o que vai ser do futuro, mas hoje ela quer desenhar. Ela tem tempo para pensar no futuro ainda, não deveria se apressar, de todo modo.

Isso explica porque ela se aproximou do Maki em primeiro lugar: ele é extremamente prático, faz o que faz porque é o que precisa ser feito. No começo, era como se não houvesse um movimento desnecessário por parte dele. A forma como ele é rude na escolha das palavras quando está conversando é uma faceta de seu pragmatismo, e Kanako viu isso.

Asim, Maki lhe pareceu o modelo de pré-adolescente pragmático que seus pais desejavam que ela fosse, e ele não parecia infeliz com isso. Haveria um segredo? Porém, logo ele entrou pra o clube de soft tênis, considerado o mais inútil da escola.

Kanako viu Maki sendo tão inútil quanto ela. Viu como logo toda a equipe estava motivada, ainda que tudo o que fizessem fosse supostamente inútil. Eles gostavam daquilo como ela gosta de desenhar.

Quando ela procura o conselho do professor Sakurai, que não deu-lhe uma resposta definitiva, ela na verdade já sabia o que queria fazer. Só precisava desabafar. Só precisava ser sincera uma vez. Uma primeira vez.

 

Kanako declara o que deseja fazer - desenhar -, ainda que seja "inútil"

 

E então há o Yuuta.

Assim como Kinuyo quer ser Kaori, assim como Nao quer jogar soft tênis e Kanako quer desenhar, mas diante dos dilemas que encaram não têm ainda certeza sobre o que fazer, Yuuta quer ser Yuu.

Ele não quer apenas trocar de nome, claro. Ele não tem certeza sobre o que ele quer ser, e é mesmo muito difícil para ele ter certeza nessa idade, e ainda seria difícil mesmo se tivesse apoio de seus pais para isso, mas ele sabe pelo menos o que ele não é, e ele não é um garoto.

Importante notar que não se trata de coisas comparáveis. Uma coisa é um hobby ou uma atividade, por importante que seja, outra bem diferente é a própria noção de ser. Há um ponto em comum no sentido de que ambos tratam de identidade no contexto dessa história, mas o que está em jogo no caso do Yuuta está em um nível totalmente diferente.

Isso dito, acredito que o anime não incorreu no erro de comparar diretamente como se fossem coisas comparáveis mesmo. Se qualquer coisa, a importância elevada que deu para o caso do Yuuta quase pareceu pesada demais.

Quero dizer, que o Yuuta tenha pensado muito a respeito é normal e esperado, mas que o Maki, no auge de seus 13 anos (ou 14?) tenha pensado tanto e tenha tanto a falar, tanta filosofia sobre a questão do que é ser, ficou por um triz de soar inverossímil. O que salvou, na verdade, foi a invenção, bastante conveniente, de uma personagem trans com quem Maki tem contato desde criança.

 

Shou, quando ainda era Shouko, cuidando do jovem Maki

 

Trata-se de Shou, aquele homem que apareceu na casa do Maki uma vez, e na ocasião eu achei que fosse seu namorado, mas agora não tenho mais tanta certeza. Não porque seja trans, veja bem, mas porque é amigo dela desde há muito tempo. As pessoas, mesmo adultas e com filhos, podem ter amigos, não podem?

Esse amigo da mãe do Maki, enfim, é um exemplo de homem transgênero. O Yuuta ainda não tem certeza, mas seu coração no momento parece crer que ele seja uma mulher transgênero.

No começo do anime eu achei que ele fosse apenas homossexual, depois que o Maki descobriu que ele gosta do Touma, mas a coisa parece ser bem mais complicada.

 

Yuuta ainda está em conflito com sua identidade, a única certeza por enquanto é que ele não é um garoto

 

Principalmente em sua casa. A mãe do Yuuta reage da pior forma possível, achando que é uma questão de criação, que basta criar “direito” que garotos serão garotos e garotas serão garotas.

É só vestir meninos de azul e meninas de rosa, não é? E se notar que o filho tá ficando meio gayzinho, é só dar uma surra nele. Tem gente que acredita nisso do fundo do coração, você sabe disso, eu sei disso. Como lidar?

Eu não faço ideia do que o Yuuta sente, ou do que os Yuutas do mundo real sentem. Tento fazer como o Maki disse, me colocar no lugar, mas no final das contas cada um é cada um, e essa é uma situação e um misto de sentimentos que eu nem consigo começar a imaginar.

 

A mãe de Yuuta não aceita que ele possa não ser um garoto, porque, afinal, ela o "criou direito"

 

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