Charlotte – ep 11 – Secaram o mutante molhado
[sc:review nota=2]
Andei escrevendo em vários artigos sobre Charlotte que eu não sabia o que esperar do episódio seguinte, não por haver um grande mistério, suspense, ou várias possibilidades empolgantes ou pelo menos interessantes, mas porque não havia nada mesmo. Todos os elementos do enredo costumam estar razoavelmente resolvidos ao final de cada episódio, e eu sempre fico com aquela sensação de “tá… e agora?”. E sei que não sou o único, tanto já conversei sobre isso com outras pessoas quanto já li outros artigos dizendo essencialmente o mesmo: ainda que não seja exatamente episódico (apenas o primeiro punhado de episódios foi), Charlotte nunca constrói tensão para o episódio seguinte, nunca termina um episódio com uma deixa ou gancho empolgante (ou pelo menos com um gancho chato que seja). E já falei o bastante sobre isso. É ruim, é chato ser assim, Charlotte tem história pra contar (pense retrospectivamente e se lembre de quanta coisa já aconteceu nesse anime!) mas não faz um trabalho decente ao contá-la. Isso gera desengajamento que permite a manifestação de um problema tão grande ou até maior, e é dele que vou falar nesse artigo.
Sabe o que é suspensão de descrença? É uma concessão que o leitor (ou espectador) dá a uma história fictícia para que desobedeça leis naturais, regras e comportamentos comuns, etc, em favor de uma história muito mais interessante que o mundo real permitiria. Sabemos que ninguém pode voar. Que alienígenas não existem ou pelo menos nunca entraram em contato conosco ostensivamente (por favor ufólogos, peço para que deixem suas crenças de lado pelo bem da minha argumentação, adiram ao senso comum apenas para que esse texto funcione e enquanto o leem – é só um exemplo, afinal), que mesmo que existam provavelmente não seriam fisicamente idênticos a nós, e que jamais, em hipótese alguma, voariam sem estrutura física para tanto, teriam supervelocidade, super-sopro, visão de calor, visão de raio-x e imunidade a golpes físicos, sendo enfraquecidos ou feridos apenas por um mineral de seu planeta de origem, pela luz de estrelas vermelhas ou por magia (que nem existe também). Mesmo assim acreditamos em tudo isso enquanto lemos ou assistimos o Superman, apenas porque é legal (eu acho legal, mas não vou pedir para ufólogos ou quem quer que seja aderir à minha opinião sobre isso – isso é só um exemplo, lembre-se!).
E agora, sabe o que é suspensão de descrença? Talvez até já soubesse antes da minha explicação. Mas Charlotte não sabe (ou abusa dela). O anime fracassa em fazer sentido mesmo em sua própria lógica interna. Para atingir o final pretendido vale tudo, até dizer que os membros da gangue do Shun não podiam ter família apenas depois de descobrirmos que um deles tinha família e a escondia e isso causou problemas pra todo mundo. Aliás, qual era mesmo o super-poder daquele cara (além de dirigir)? Esconder a família? Sério, como ele escondeu algo assim por anos? De quase todos ele escondeu por uns dois ou três anos, mas do Shun pode ter sido por muito mais tempo do que isso – porque o Shun podia voltar no tempo com o conhecimento que ele tinha da linha temporal anterior. O motorista provavelmente sempre escondeu a família (ou sempre desde que se estabeleceu essa regra pelo menos). E o Shun nunca desconfiou. Acho que ele só tinha olhos para o Kumagami (e no final acabou sem olhos e sem Kumagami – o destino é tão irônico). Talvez a regra tenha sido inventada apenas na última vez que ele voltou no tempo, que foi afinal quando ele apagou as memórias dos próprios irmãos? Que seja. Ainda assim eles são uma sociedade secreta cujos membros principais vivem muito próximos e muito em função uns dos outros (até mesmo por terem aberto mão de suas famílias) para que algo assim passe despercebido por anos. De todo modo, a ser esse o caso, o anime perdeu a oportunidade de ter o Shun dizendo com todas as letras enquanto apagavam as memórias de seus irmãos que aquilo deveria ser uma nova regra para toda a organização.
Mas isso ainda é pouca bosta. Esse episódio inteiro não faz sentido. Quem era aquela organização que atacou-os afinal? Era composta apenas por um estrangeiro, dois mutantes (?) e um intérprete? Eles pareciam ser muito maiores do que isso, e francamente não faria sentido ser diferente. Mesmo assim agiram de forma tão descuidada que se eles não fossem vilões malvados vindos do éter eu teria ficado com pena deles. Não é como se o único poder do Yuu fosse voltar no tempo, e eles sabiam disso muito bem. Mas basearam todo o seu plano nisso: “se você voltar no tempo a gente vai saber, hein!”. Me pergunto como é que poderiam saber, mas vou dar de barato que conseguissem. Deve haver uma forma de fazer isso, por exemplo um plano escrito detalhadamente desde o começo, com a certeza de que dará certo, com data, hora e personagens. É possível. Se algo se desviasse, e o plano fosse suficientemente elaborado, eles poderiam ter certeza que a viagem no tempo foi usada. Parece bem difícil mas acho possível. Só que isso só dá conta de alterações no passado que ainda permitam a eles ter um futuro. O Yuu não precisava voltar para um passado remoto, poderia voltar alguns dias só. E não mudar nada, apenas prestar atenção em absolutamente tudo o que aconteceria, para que estivessem bem preparados para a hora do confronto. Ele não precisava voltar para antes deles se aproximarem da família do motorista, só antes deles serem sequestrados – e isso, suponho, foi há poucos dias. Descubra o esconderijo secreto e problema resolvido. Ou se quiser ser mais violento, arranje para que todos os vilões “acidentalmente” morram antes de sequestrarem a família do rapaz. E se prepara para o contra-ataque depois – não é como se eles não fossem ter que se preparar para isso de todo modo ainda que o Yuu tivesse resistido e derrotado-os de forma exemplar. Bom, ele resistiu, e até venceu, mas sua vitória foi tudo menos exemplar. E terão que se preparar para um possível contra-ataque dos membros restantes dessa organização misteriosa. E poderão desembarcar mutantes poderosos no Japão sem que o Kumagami os detecte.
Entenda que não estou reclamando da inteligência dos personagens. Alguns ali não têm muita mesmo, é verdade. Mas todo mundo tem o suficiente para evitar cair em uma armadilha tão óbvia, ou pelo menos se preparar melhor para enfrentá-la. E se você ainda não está convencido, então tá, te falo algo que não depende de inteligência, que é estrutural do anime: por que para voltar no tempo é preciso estar enxergando com os dois olhos? Qual a conexão? Eu já disse antes e digo de novo, faz todo o sentido que o poder do Yuu (possuir ou roubar poderes) dependa de visão – ele precisa olhar para a pessoa que vai possuir. Simples, óbvio, verossímil. Mas voltar no tempo? Quer dizer que se raspar o cabelo o poder de colapso também fica prejudicado, hehe? E vá lá, que voltar no tempo dependa dos olhos. Os dois. Volto a insistir no poder do Yuu: se algo que nem tem ligação direta com a visão como a viagem no tempo depende de ambos olhos, o poder dele deve depender dos dois e talvez até de um terceiro (esse pode ser cego). Isso significa que ele perdeu o próprio poder, e só poderá usar os roubados agora? Pelo menos faria um pouco de sentido nessa bagunça que é Charlotte. Mas eu duvido e aposto que não será assim.
E tudo isso foi assim só para o Kumagami morrer. Retire qualquer elemento absurdo desses que ele teria sobrevivido – ou poderia ser “ressuscitado” voltando no tempo. Algumas histórias não se preocupam tanto com a mecânica do mundo que criam, preferindo focar nos personagens, em seu crescimento psicológico e coisas assim. Há boas histórias assim. Charlotte teve seu momento de desenvolvimento pessoal também apesar da lógica: a queda e recuperação do Yuu. Sim, muita coisa ali não fez sentido. Por uma, sério que a Tomori estava invisível perto dele o tempo todo? Lembre-se que a invisibilidade dela é só para uma pessoa, ou seja, o Yuu. Ela estava visível para todo mundo ao redor dele. Em um flashback ela até mesmo apareceu há poucos metros de uma das brigas do Yuu contra aquelas gangues. Ali, parada, no meio de um lugar ermo, à vista de todos os delinquentes (exceto o Yuu). Mas foi um arco muito bom, e nessas horas a gente liga a suspensão de descrença no máximo (ninguém reconhece o Superman por causa dos óculos!) e continua se divertindo com a história. E adivinhe só? Viagem no tempo! Isso nunca aconteceu! Desenvolvimento de personagem? O Yuu era um covarde bundão no primeiro episódio e continua um covarde bundão dez episódios depois. E por que não tem tanta gente reclamando da falta de sentido de Charlotte quanto tem reclamando do ritmo narrativo ruim? Os dois estão ligados. Porque tem um ritmo ruim a gente até se empolga na hora, mas não fica pensando muito depois, não fica muito ansioso, meio que esquece que existe e só lembra quando sai o episódio seguinte. Sem pensar não percebemos ou não nos importamos tanto com os furos do enredo. É tipo uma conspiração, só que ao invés de buscar obter vantagens com ela, Charlotte busca obter desvantagens. E pelo menos nisso está sendo muito bem sucedido.
Hina-san
Mesmo com todas essas coisas ruins citadas por você nestes últimos capítulos, eu considerei essa mudança total algo surpreendente. Não surpreendente no sentindo de uma história magicamente incrível e sim porque os 5 primeiros capítulos estavam tão tediosos que eu não esperava mais nada desse anime. Já estava aguardando um final onde iam atrás de algum novo poder e teriam alguma batalha mais complicada.
Quando todo o ritmo da história mudou, pra mim foi inesperado e comecei a me interessar mais pelo anime. Antes estava assistindo apenas por ter me comprometido a assistir. Depois disso tudo assisto porq o desenrolar a história ficou mais chamativo, apesar de todas essas bagunças e desatenção a detalhes que caminha a história.
Fábio "Mexicano" Godoy
De acordo, achei o formato episódico inicial tedioso também, e os personagens não ajudavam, ninguém ali é particularmente carismático (a Tomori quase chega lá, mas ela é um pouco “ausente” da história, não encontro palavras para explicar isso melhor agora). Os trancos com desenvolvimentos súbitos e inesperados (e com todos os problemas que eu já falei e outros tantos) aumentaram meu interesse pela história. Mas lembre-se como todo o arco da morte da Ayumi, queda e recuperação do Yuu, que concluiu-se com a cura do irmão da Tomori e uma pequena aproximação entre os personagens principais, foi praticamente jogado no lixo logo em seguida, fazendo a série perder grande parte do peso dramático que havia ganhado com ele. Então sim, está interessante, mas não consigo me manter esperançoso.
Hina-san
Sim, concordo. Principalmente em relação ao irmão da moça ter se “curado” ou pelo menos aparentar isso. Foi animador quando começou o “drama” com a morte a Ayu, já imaginei que a semelhança com Angel Beats e Clannad começaria a surgir. Mas de qualquer forma já é muito mais do que eu esperava pra Charlotte.