Kemono Friends – Vamos fazer isso juntos!
Se você assistiu ou se você não assistiu, a menos que não acompanhe comunidades ou as notícias do mundo anime, deve saber que Kemono Friends foi o mais inesperado sucesso possível. Não apenas porque inesperado mesmo, mas porque (pelo menos no Japão) foi, com efeito, o anime mais popular de sua temporada segundo diversos indicadores distintos – e por larga margem.
Como um projeto tão relativamente humilde (é baseado em um game mobile que já havia sido fechado antes mesmo do anime ir para o ar) se tornou um hit? Certamente não foi graças à sua animação horrorosa por qualquer aspecto que se analise, tampouco à sua dublagem no mais das vezes apenas medíocre. Não vou tentar descobrir ou discutir isso nessa resenha, mas provavelmente tem a ver com sua história interessante contada através de um enredo super competente.
A protagonista desperta sem nada saber, nem mesmo sobre si mesma, em um gigantesco parque zoológico habitado por garotas-bichinhos. Eu e qualquer um assistindo (ou que já tenha lido a sinopse) sabe que ela é uma humana, mas nem ela nem ninguém nesse mundo-parque sabe. Então ela parte em uma jornada para descobrir o que ela é – que é na verdade uma jornada para descobrir o que significa ser humano.
Sem sequer um nome, Serval a chama de Kaban, que significa “mochila” em japonês. Nada especial, mas é a primeira diferença notável que ela percebe na garota e que nunca viu em nenhuma outra garota-bichinho do Parque Japari: ela tem uma “coisa” nas costas que segundo ela mesma chama-se “mochila”. Curioso que ela saiba o que é uma mochila mas não se lembre do próprio nome. Caso de amnésia? Bom, apenas saiba que o anime resolve essa questão. E são as duas, Kaban e Serval, que viajam pelos mais distintos biomas do parque, conhecendo todo tipo de animal, apenas para descobrir o que é Kaban.
Uma viagem de auto-descoberta já é algo com potencial por si só, mas há outras perguntas e há outros mistérios acontecendo ao mesmo tempo, e acho que esse é o ponto forte de Kemono Friends. Por que a Kaban está sozinha ali, a última humana? Por que não há mais humanos no parque? Por que tudo o que um dia foi criado obviamente por humanos encontra-se agora em ruínas? Por que os animais se tornam garotinhas (além de ser assim para vender merchandising)? E por último, mas não menos importante, porque deve estar de alguma forma relacionado à origem de todas as outras dúvidas, o que são esses ceruleanos que aparecem aleatoriamente e devoram as garotas-bichinho?
Não é como se Kaban e Serval em algum momento realmente tenham se empenhado em descobrir o que foi do parque ou de onde vêm os ceruleanos, a missão delas é mesmo descobrir mais sobre Kaban e é por isso que elas vão de uma área a outra em busca de respostas. Mas esses mistérios todos apenas crescem durante a jornada das duas e, devagar mas sem erro, as peças de um grande quebra-cabeças se revelam e começam a se encaixar. Acompanhar o desenvolvimento desse mistério e sua resolução sem dúvida é o maior atrativo de Kemono Friends e deve ter sido a causa de tanto sucesso. A forma inteligente com a qual novos pedaços do mistério são reveladas deixava-me maluco, principalmente quando eu não esperava acumular episódios para assistir vários de uma vez só.
O enredo normal de cada episódio é bem mais mundano. Serval e Kaban viajam para uma nova área, conhecem mais garotas-bichinho e se deparam com algum problema. Seja um problema das protagonistas ou das garotas-bichinho do episódio, ou eventualmente um problema que afeta a todas, sempre surge alguma coisa. As garotas-bichinho normalmente tentam resolver usando seus instintos animais de forma direta (principalmente a Serval) e isso sempre se mostra inefetivo. Kaban então usa sua inteligência elevada para maquinar uma solução para o problema e todas ficam felizes.
Inteligência e habilidade para resolver problemas são algumas das principais características humanas, afinal. Logo ela passa a ser conhecida como um “animal inteligente” e suas histórias passam a ser contadas dessa forma. Outra sacada muito boa de Kemono Friends: durante todo o anime duas garotas-bichinho, a Guaxinim e a Feneco, perseguem Kaban porque a Guaxinim considera que Kaban roubou o chapéu que ela achou primeiro. Na prática isso serve para elas passarem por cada local por onde Kaban e Serval já passaram e mostrar um pouco de como as coisas ficaram (sempre melhores) após a passagem de Kaban. Enfim, retomando o fio da meada, então o que faz de Kaban humana é sua inteligência?
Nada disso. Ela já sabia que era inteligente antes de saber que era humana. O que a tornou realmente especial foi ter conseguido conviver com tantas garotas-bichinho diferentes, com diferentes personalidades, diferentes necessidades e expectativas, e se dar bem com todas elas. Foi a forma como sempre resolveu os problemas que enfrentou com inteligência sim, mas não só isso: com trabalho em equipe. Nós, seres humanos, somos animais sociais, afinal. Não conseguiríamos viver sozinhos não importa que saibamos de cor a tabuada do nove. Kaban é humana porque tudo o que ela faz, ela faz junto com as outras e pensando em todas.
Já sobre o grande mistério de Kemono Friends: vá assistir. A animação é hedionda, a dublagem por vezes é irritante, mas é um anime bastante divertido e que vale muito a pena ser assistido!