Ao considerar as personagens de Asobi Asobase, o único senão que me vem a mente é o irmão de Olivia. Mesmo com seu comportamento desagradável no esquete final desse episódio 11, a série consegue alcançar seu nível habitual de absurdo de maneira inteligente, apostando em seu texto e na força de suas personagens. Ainda que as passatempeiras ocupem um espaço que podemos considerar secundário, os coadjuvantes tomam à frente das ações e enriquecem o que já é engenhosamente bizarro. As duplas presidente do Conselho Estudantil/vice-presidente e Oka-san/Agrippa são geniais. E merece destaque a maneira como Asobi Asobase costura os segmentos, executando perfeitamente a continuidade entre eles. O episódio 11 é um dos mais engraçados, aproveitando o seu elenco e revelando que, realmente, normalidade é um item fora de moda em Asobi Asobase.

O primeiro segmento foca a presidente do Conselho Estudantil e a sua relação com a vice-presidente, que não leva a função a sério, passando boa parte do tempo na escola para garotos que as estudantes chamam de Oposto-san.

A vice-presidente aparece no segundo episódio quando discursa em favor da candidatura da atual presidente do Conselho Estudantil. E no palco, diante da audiência, ela é assustadora, com os seus argumentos ameaçadores (na verdade, ameaças de causar arrepios na coluna vertebral) e sua expressão a la Sadako (o que arremata com chave de ouro o seu vulto aterrorizante), a antagonista da franquia Ringu (O Chamado). Agora, ela é sociável, importando-se mais em se destacar, com paqueras e diversão, deixando para a presidente as negociações e a burocracia que envolvem à atividade. Com o festival cultural se aproximando, a presidente precisa vistoriar os clubes e deseja ir a Oposto-san para a reunião com o Conselho de lá, algo feito apenas pela vice-presidente. E é aí que se estabelece o conflito. Há um impasse, pois ela não quer discutir com a sua companheira, mas não pretende desperdiçar a chance de ir à escola para garotos.

De Sadako a “pegadora”: as muitas faces de uma vice-presidente.

O monólogo interno da presidente é hilário, no entanto possui a melancolia de alguém que necessita urgentemente de alguma novidade. Convivendo com as exigências e estripulias do corpo estudantil, o que já é motivo suficiente para estresse, essa precisa dessa linha de fuga. A solução para o empecilho posto pela vice-presidente vem de uma disputa de jokenpo, que a presidente vence, e, enfim, pode concretizar o seu anseio de visitar Oposto-san. A simplicidade funciona com louvor, pois coloca um passatempo para resolver de maneira amistosa uma querela.

A presidente empolgada com a chance de visitar Oposto-san. Mas nada dá certo.

São ótimos os momentos em que ela dispara pelo corredor extasiada com a oportunidade de ir à escola de garotos (achando-se safadinha e acreditando que está disfarçando bem o seu entusiasmo) e quando encontra Hanako com os lábios pretos, por misturar tinta de polvo ao almoço, e associa imediatamente o fato ao biscoito feito pelo clube de ocultismo que acabara de provar.

E esse segmento possui dois ganchos para os esquetes seguintes. Há um excelente timing no que concerne aos acontecimentos, conseguindo esticar as piadas ao máximo sem torná-las cansativas.

Sem querer, Hanako acaba com a alegria da presidente: não é batom, nem infecção, é tinta de polvo.

Hanako, Olivia e Kasumi tentam convencer a presidente do Conselho Estudantil a liberar o filme que produziram para o festival cultural. Como a obra contém cenas bizarras, como a tortura da alienígena, interpretada por Olivia, em que se tenta introduzir em seu ânus um boneco cuja cabeça lembra uma cebola, acabou vetado, tornando-se impróprio para exibição. Elas são obrigadas a fazer alguns cortes e nem assim conseguem a aprovação da presidente, já que os problemas do sci-fi de Kasumi estão para além de duas ou três cenas descabidas e imorais.

Antes da última tentativa delas, e que envolve a participação da vice-presidente, tem um esquete com o clube de ocultismo, em que Oka-san e Agrippa decidem fazer biscoitos para o festival cultural. A melancolia de Oka-san com o sumiço de Agrippa, vista no episódio 6, torna-se ainda mais bonita com a apresentação de como funciona a amizade entre elas. É um momento terno, e com um bônus: a descoberta de que Agrippa é a mais “maluquinha” das duas.

A anedota do segmento é a quebra de expectativa em relação ao biscoito, que do medo causado em relação ao sabor passa-se ao alívio por se tratar de um biscoito normal. O ápice ocorre quando Agrippa decide misturar uma essência dada por sua avó na massa, o que acaba transformando o professor (sempre ele como vítima) em um zumbi viciado em biscoitos.

A amizade mais bonita da série. Oko-san e Agrippa são estranhas e fofas.

Pode-se dizer que a aparição das meninas do clube de ocultismo é uma interrupção fofa e engraçada, pois o melhor momento do episódio vem com a vice-presidente e sua luta para manter a sua imagem e reputação enquanto enfrenta a estupidez e a loucura das passatempeiras.

A vice-presidente é uma personagem divertida e lida com a questão do ser e do parecer, em que a maquiagem a transforma completamente. O narrador informa que ela namora os seis membros do conselho estudantil de Oposto-san. Talvez a presidente desconfie das sucessivas reuniões na escola para garotos, mas a boa relação com a jovem colega a faz fazer vistas grossas.

Maeda quase provoca uma tragédia. Realmente, é um perigo esse negócio de disparar laser da bunda.

A comédia desse segmento é do tipo sem freios, do estilo que consagrou os Irmãos Marx (comediantes estadunidenses nos anos 1930). Quando a vice-presidente é obrigada a ficar na sala do conselho, já que a presidente precisa conversar com os membros do clube de arte sobre um cartaz surreal e “meio-indecente” que eles fizeram para o festival, ela não consegue finalizar a sua maquiagem pois as passatempeiras a interrompem sucessivas vezes tentando convencê-la a liberar o curta-metragem de ficção científica de Kasumi.

O que se segue é alucinante, com Hanako levando Maeda para argumentar, ou melhor, implorar a liberação do filme. O laser disparado da bunda faz o seu retorno. Em seguida, Olivia leva o seu irmão intelectual-otaku para defender a produção. Ele apresenta elementos para a liberação da obra, mas a vice-presidente pouco se importa com a sua verborragia vaidosa e soberba.

“Há um corpo estendido no chão”. O presidente depois da joelhada mortal.

A situação se complica com a visita surpresa do presidente do conselho estudantil de Oposto-san, que se assusta quando vê a vice-presidente com apenas a metade do rosto maquiada. A jovem age rapidamente, desmaiando-o com uma joelhada no estômago. Esse é o momento em que as passatempeiras e os seus acompanhantes lançam seu último ataque, obrigando a vice-presidente a se esconder. Depois da descoberta do suposto cadáver do rapaz, toda a tolice de Hanako, Olivia e Kasumi vem à tona com as teorias para o que encontram na sala, contando com uma citação a The Kindaichi Case Files.

A bola fora do segmento fica por conta do irmão de Olivia e a sua reação – de excitação – a luta entre as passatempeiras e a vice-presidente, que está com uma máscara, o que faz com que elas acreditem se tratar de uma assassina. Um momento vulgar de uma personagem pouco inspirado.

As passatempeiras e a vice-presente em um esquete de crime e mistério. Só que não!

A interferência da presidente resolve a contenda, com a aprovação do filme das passatempeiras para o festival. Elas ficam tão entusiasmadas que se esquecem do “cadáver” e aceitam o acordo sem contestar. Ainda tem um momento de revanche para a vice-presidente, pois o garoto de Oposto-san chama a sua face ao natural de monstro que não deveria nem existir, em resposta, ele recebe uma nova joelhada no estômago. A vice-presidente mostra uma excessiva preocupação com a imagem que transmite para os rapazes, e o olhar deles proporcionam a ela um bem-estar. Por isso é interessante a reviravolta imposta pelo seu gesto, que ganha a força de um comentário social a respeito da ditadura da beleza e dos sacríficos para se alcançar uma falsa perfeição.

Asobi Asobase entrega mais um episódio devastador, em que o absurdo é a tônica e as personagens ganham um bem-vindo espaço, o que reforça a ideia de que a série consegue se sustentar sem recorrer constantemente as passatempeiras. Com o festival cultural chegando, é certo que podemos esperar algo completamente estranho e hilário sobre esse clichê do gênero vida escolar.

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