Carole & Tuesday – ep 2 – Isso não é uma crítica contra a inteligência artificial
Bom dia!
Surpreendendo zero pessoas entre os que me conhecem bem, cobrirei Carole & Tuesday nessa temporada (e na próxima, o anime terá 24 episódios).
Esse não é o tema do segundo episódio, mas tanto em comentários aqui no blog quanto por aí na internet vi tanta gente repetindo isso que senti que devia ser o tema desse artigo: Carole & Tuesday não é uma crítica à inteligência artificial na música ou em qualquer outro ramo.
Claro que eu não tenho nem bola de cristal nem contato direto com o Shinichiro Watanabe ou qualquer um dos responsáveis criativos pelo anime, mas vou assumir o risco de errar. Sim, talvez eu erre, não obstante estou convicto, nesse momento, de que não errarei.
Já havia escrito nas primeiras impressões que a ideia de um mundo no qual algoritmos de inteligência artificial criam músicas é algo que está ali, naquele cenário futurista, para representar algo real, do nosso mundo. E música (ou arte, no geral) produzida por inteligência artificial simplesmente não é algo que exista em escala comercial no nosso mundo.
E tem outro porém bem grande.
Qual é o tema ou qual é a mensagem de Cowboy Bebop ou Samurai Champloo, as duas melhores obras de Shinichiro Watanabe? Certamente é possível elaborar uma resposta, mas os dois são muito mais histórias sobre seus personagens do que sobre ideias.
Há ideias em Cowboy Bebop. Mas nenhuma delas é mais importante do que o Spike Spiegel.
Se o diretor tiver mesmo voltado com tudo, é isso o que espero de Carole & Tuesday. Elas estão até no título do anime! O anime até agora tem sido, e acredito que será até o fim, a história de suas duas protagonistas. Humanas, com suas contradições, paixões, defeitos e qualidades.
O anime original do Shinichiro Watanabe que está mais perto de ter uma “mensagem” é Zankyou no Terror, e não à toa ele não costuma estar na ponta de língua de ninguém que responda a pergunta “qual o melhor anime do Watabane?”.
Indo além dos originais, esse episódio teve uma cena que parece muito ser reminiscente de uma das cenas mais importantes de Sakamichi no Apollon, outro anime do diretor, mas esse adaptado de mangá:
Em Apollon, os três garotos cantam My Favorite Things, do filme A Noviça Rebelde. No original, o eu lírico da canção lista suas coisas favoritas e termina dizendo que quando se lembra delas não se sente mais tão mal. No anime, depois de cantar e ainda ao ritmo da música ao fundo, os três garotos começam a listar suas próprias coisas favoritas.
Nessa episódio de Carole & Tuesday, Carole diz que quando tem um dia ruim, se ela for dormir direto costuma ter pesadelos, e que para evitar isso ela antes de ir dormir então pensa nas coisas que gosta. Com o mesmo ritmo caloroso que Sentarou, Kaoru e Ritsuko em Sakamichi no Apollon, Carole e Tuesday procedem a listar as coisas de que elas gostam – com música de fundo e tudo!
Minha aposta para Carole & Tuesday então é essa: será um anime character driven, e o conceito da inteligência artificial está lá para representar o conceito de pasteurização cultural do mundo real. O tema servirá de fundo, de palco, sobre o qual as protagonistas irão se destacar por contraste.
Já vimos isso nesse episódio, não foi? Uma música eletrônica de um artista famoso, produzida por inteligência artificial, e que é absolutamente irritante. Enquanto o programador do DJ Ertegun tentava corrigir algum problema no sistema para o artista, que por sua vez não poderia estar menos preocupado com o processo criativo, Carole e Tuesday invadiram a sala de concerto e tocaram apaixonadas sua música, no que foi o clímax do episódio.
“Who am I?”, “Quem sou eu?”, pergunta provocante a camisa de DJ Ertegun. O que ele deve vestir só por ser um tipo de moda esconde uma crítica muito aguda: se a música que ele toca é basicamente a mesma que todo mundo toca, se não é ele quem compõe as próprias músicas, então, como músico, quem ele é?
As nossas adolescentes prodígio Carole e Tuesday compuseram sua primeira música já no episódio anterior. E sem que elas saibam, ela viralizou nesse episódio.
As personalidades das protagonistas já estavam mais ou menos bem estabelecidas desde a estreia, semana passada. As duas são muito boazinhas e compreensivas, especialmente Carole, que nem por um atmo de segundo sequer cogitou ficar irritada com Tuesday quando a pobre menina rica, fugida de casa e morando de graça e de favor com Carole, destruiu tudo tentando limpar.
Elas parecem um pouco inocentes, mas inocência não combina com a personalidade de uma órfã que mora sozinha e trabalha, então acho que a Carole ainda irá surpreender nesse aspecto. A Tuesday, por outro lado, provavelmente é tão inocente quanto é possível ser, e isso pode causar problemas para as duas. Se esse for o caso, ela tem bastante espaço para crescer.
O episódio expandiu nas personagens secundárias também. A mãe da Tuesday, por exemplo, é política, e parece que pretende concorrer à presidente (de Marte?). Espere só o mundo saber que sua filha fugiu. Isso vai dar uma encrenca…
A Angela está determinada a fazer sucesso, custe o que custar. No episódio anterior ela se irritou com um trabalho paralelo, enquanto nessa ela modelou sem abrir a boca para reclamar (mas sua expressão no final entregou que continuava tão insatisfeita quanto).
A Angela e a Carole foram colocadas lado a lado de uma forma bastante interessante nesse episódio: enquanto Angela se dedicava para ser uma artista musical fabricada, Carole compareceu a seu novo trabalho que consistia em chorar pela morte alheia. Ela própria resumiu o que aquilo se parecia: “querem fingir até depois da morte?”.
Tecnicamente, nesse momento as duas faziam o mesmo: fingiam ser o que não eram. Angela aceitou fingir que é a cantora que Tao fará ela ser (Ertegun seria cínico e ainda perguntaria, “Who am I?”), e Carole fingia ser uma conhecida do morto. Note: as duas fracassaram.
E tem o Gus. Ao contrário do que o barman disse para os outros fregueses, o futuro empresário de Carole e Tuesday não é apenas um bêbado chato, barulhento e intrometido: ele é chato, barulhento e intrometido mesmo quando está sóbrio. Ficar bêbado não muda nada, parece.
Para completar, o episódio expandiu o mundo em algumas coisinhas também, detalhes, apenas para que não seja um cenário futurista só por causa do skyline distante e porque eles dizem que é futurista e têm smartphones em formatos diferentes.
Há um museu da imigração, além de formas de governo em Marte. Talvez descubramos mais sobre a história do planeta e de sua colonização. E os takoyakis marcianos se chamam bolinhos de Marte. Pela descrição da Carole, parecem takoyakis normais, mas moldados em forma de polvo. Parece que japoneses acreditam que os marcianos são polvos, e se o segundo episódio de RobiHachi (outro anime dessa temporada) não tiver mentido, parece que isso tem a ver com os tripods de Guerra dos Mundos, de H.G. Wells.
Em todo caso, Carole & Tuesday está progredindo devagar, com calma, mas sem deixar de parecer que muita coisa está acontecendo em ritmo às vezes frenético. Destaque do episódio: presta atenção à letra da música que as garotas cantam, se não tiver prestado ainda. É literalmente a história de como as duas se conheceram no primeiro episódio.
James Mays
Grande “Mexicano”!!!! Se vc vai estar aqui nos 24 eps. aqui também estarei!!!
E a observação da “pasteurização” foi cirurgica!!!
Talvez WatanabeSan esteja dando uma alfinetada na própria industria do anime e o medo de que grandes corporações “pasteurizem” esse nicho e cultura pop (gente, a distribuição já é das grandes corporações e agora está começando o processo de domínio da produção…Taí a Netflix…Mas isso discutimos depois).
Mas deixando elucubrações do que se passa na cabeça de WatanabeSan, vamos ao ep. que foi digamos “cantando a sua melodia” bonito e cheio de referências…Que apontaremos no decorrer…
Fábio "Mexicano" Godoy
Olá James, tudo certinho?
Olha, não vou dizer que não possa ser o caso do diretor estar usando a música para criticar outra indústria cultural, no caso, o anime, mas seria bem estranho se fosse o caso, não seria? Digo, beiraria à hipocrisia.
Carole & Tuesday é, afinal, por tudo o que sabemos, uma superprodução dessa mesma indústria. Seria como se, sei lá, de repente Vingadores: Ultimato fosse uma crítica aos blockbusters de super-heróis. Simplesmente não faz sentido.
Em todo caso, não espero que o anime seja uma crítica. Existe essa indústria, e ela tem coisas boas e coisas ruins. As protagonistas vão entrar nela e é a história delas que vamos assistir, contrastada, como não poderia deixar de ser, com o que há de ruim.
Quanto ao episódio, foi ótimo. Se continuar assim semana após semana eu vou seriamente perder o juízo assistindo esse anime. Ainda bem que essa temporada na média não está muito boa, assim não fico mal acostumado 😛
Obrigado pela visita e pelo comentário!
James Mays
Grande “Mexicano” grato pelo retorno!!!
Essa “elucubração” da critica à industria vai dar “muito pano para manga” vamos a ver ao final de C&T até onde ela vai…Não deixemos que este ponto atrapalhe o desfrute dessa obra fantástica…E para constar vamos as referências (adoro quando percebo uma pareço criança procurando ovinhos de pascoa no jardim da casa da avó…)…
Já começa na abertura do ep. que é muito parecida com Cowboy Bebop o filme…Só que com toques de “West Side Story”…O indiano que aparece logo após a abertura…O interior do flat da Carole que é muito parecido com o layout da nave Bebop….
Na “quebra de bloco” onde aparece o compacto “Born to run” (eh laiá me lembro deles!) só tem um probleminha o produtor não se chama “Mike Apple” e sim Mike Appel…Essa é de perder o juizo…
A empresa de comunicação em Marte (MBC) continua seus serviços, pelo visto, desde CB…KKKKK
E a cara do Gus na porta que tá na cara é um “Here’s Johnny!” do “Iluminado”.
Fora toda referência a música bem oitentista e noventista do seculo passado…Michael, Cindy e Daft…Graande!!!
E a canção do ending sempre bonita (só tem uma coisa meio creepy elas não piscam os olhos em nenhum momento!)
E quanto a “perder o juizo” estamos juntos nesta!! Pq parece que este anime merece ser enteusorado com carinho mesmo!!
Um abraço!!!
Fábio "Mexicano" Godoy
Agora que você comentou sobre as semelhanças com Cowboy Bebop, realmente.
Vamos ver se descobrimos como está a Terra em Carole & Tuesday, mas se a Lua estiver se desintegrando e caindo no nosso planeta, poderemos assumir que as duas histórias se passam no mesmo mundo. Aliás, nada nos impede de assumir que todos os originais do Shinichiro Watanabe se passem no mesmo mundo. Chamá-lo-ei de Watanabeverso 😛