Bom dia!

A música marciana não está morta!

Quero dizer, com a sinopse e quase tudo o que foi dito e feito nos episódios anteriores, a impressão é que toda a música em Marte era fria, totalmente comercial, produzida automaticamente por software com pouca ou nenhuma intervenção humana. Mas nem tem como algo assim funcionar, tem?

Quem escuta a música ainda são pessoas de carne e osso. Isso sozinho já torna a efetividade do cenário hipotético do parágrafo anterior muito improvável, para dizer o mínimo. Pelo menos é preciso um frontman carismático em cima do palco, se mais nada.

Claro que aí está o Japão e suas primeiras idols virtuais provando que um software pode dar conta desse papel também, mas será que todo mundo estaria satisfeito com isso? Em todo caso, isso é só especulação. E especulação desnecessária, porque não é o caso de Carole & Tuesday: é verdade que em níveis diferentes de “amor pela arte”, o que é bastante subjetivo, mas os músicos continuam sendo seres humanos de carne e osso como sempre.

 

O sempre misterioso Tao

 

Essa constatação torna o papel do Tao, o desenvolvedor de inteligência artificial da Angela, ao mesmo tempo mais misterioso e fundamental para a grande história desse mundo.

Se ele não lida com seres humanos, as músicas que seus IAs compõem são tocadas por quem, onde, quando? Não descarto que existam IAs subindo no palco por aí, mas por enquanto nenhuma apareceu. No que parece ser um gigantesco festival, o Cydonia Festival, apenas seres humanos moveram as multidões.

Está certo que o anime não mostrou nem meia dúzia de músicos, mas se fosse o caso de haver um grande artista IA no Cydonia, suponho que deveria ter aparecido. Claro, teve o Ertegun, cujas músicas são compostas por IA, e provavelmente outros músicos lá que não apareceram fazem pesado uso da tecnologia também, mas o frontman, no mínimo, continua sendo humano.

Então, Tao, quais seus segredos? E quais os segredos de Carole & Tuesday que serão revelados através de você?

No quinto episódio foi revelado que ele já foi um neurocientista especializado em controle mental. O que quer que se faça nessa área de pesquisas, coisa boa não pode ser. Pobre Angela.

 

Dahlia, exposta por Tao

 

Não é como se ela já não tivesse com o que se preocupar, não é? Sua “Mama”, Dahlia, já foi presa por ataques, e que tipo de ataque o anime não diz, mas fica implícito que são assédio sexual ou, pior, estupro ou tentativa de estupro.

Ela é afetada por uma condição chamada “androgenia marciana”, que para mim parece ser apenas transexualidade mesmo. Confesso que ver a única personagem trans da história ser retratada como uma predadora sexual me incomoda, mas vamos ver onde isso vai dar.

Enquanto isso, no núcleo principal da história, Gus tem um novo plano! E é o primeiro a dar certo. Não por causa dele, não se engane.

Um show. É só isso. Para se tornarem mais conhecidas, Carole e Tuesday precisam fazer um show. Esse é o plano, simples, óbvio, e não tão fácil quanto parece. Principalmente quando seu empresário é o Gus.

O primeiro problema óbvio é: onde? Gus e Roddy saíram para tentar encontrar essa resposta. Gus foi falar com um figurão da indústria da música chamado Höfner, que preside a empresa por trás do Cydonia Festival. Aparentemente eles já se conhecem de muito tempo (foram colegas de banda?).

 

Höfner, um homem poderoso da indústria da música

 

Com nenhuma humildade e ainda menos tato, Gus sugeriu que seu velho amigo as encaixasse no festival. Höfner obviamente negou, e foi didático o bastante para explicar para o Gus o que ele já deveria saber: elas nunca tocaram em lugar nenhum, elas não lançaram nada, não dá para colocar gente assim ao lado de profissionais. Elas não são nem novatas ainda, para todos os efeitos estão na mesma categoria dos amadores.

Gus parece ter pisado em um calo do Höfner quando respondeu que ele havia mudado por causa do trabalho. Foi o suficiente para o velho conhecido expulsar Gus dali, arrastado.

Roddy, mais uma vez, foi quem conseguiu levar à cabo o plano. Ao invés de um figurão da indústria, Roddy foi conversar com Beth, dona de uma casa de shows (segundo ela, uma das últimas “independentes”).

 

Roddy e Beth, a dona do Mars Lounge

 

Beth não é uma velha careca, gorda e que fica bebendo uísque em seu escritório no alto de um arranha-céu, mas com outras palavras ela apontou para o Roddy o mesmo que Höfner para Gus: quem são Carole e Tuesday? Ela nunca ouviu falar delas. Ela nunca ouviu elas tocando. Como pode colocar artistas assim no seu palco? Aquilo é a sua credibilidade, o seu trabalho, o seu negócio.

Mas, talvez porque ninguém consegue dizer não para o Roddy (e não ofender ninguém ajuda nisso), ela cedeu. Um pouco, bem pouco: Carole e Tuesday poderiam tocar uma música e abrir para alguma outra banda.

E lá foram as garotas tocar, nervosas apesar de ser uma música só em uma casa vazia. Era o primeiro show delas, afinal. E elas impressionaram sua diminuta plateia.

Enquanto elas se apresentavam, Spencer, irmão de Tuesday, finalmente a reencontrou. Visivelmente comovido com a música da irmã, foi embora sem sequer vê-la. Lembre-se: ele estava lá para levá-la de volta para casa.

A mãe da Tuesday parece ser problema, mas seu irmão mais velho é uma benção – e talvez ela nem saiba o quanto.

 

Spencer finalmente reencontra Tuesday, sua irmã, e vai embora após vê-la cantando e tocando

 

A música que emocionou Spencer e todos os demais presentes foi mais uma que cantou sobre as garotas. Será que elas estão escrevendo essas letras de propósito? Se estiverem escrevendo apenas com emoção, será que percebem? Todas as suas músicas versam sobre como elas viviam sozinhas, mas agora têm uma a outra.

Em apresentações bem animadas e com uma performance musical de primeira, elas soam extremamente humanas, calorosas.

 

 

Contraste com a música que a Angela cantou no mesmo quinto episódio. As circunstâncias não ajudaram, é verdade. A voz dela foi fenomenal, mas sem acompanhamento instrumental e em um ambiente aberto daqueles, cuja acústica certamente não foi projetada para música, pareceu muito fria.

Saber que a música foi composta por inteligência artificial, ainda mais depois de tudo o que o Tao fez e disse em todos os episódios até agora, certamente não ajuda. E a letra é sobre o quê? Mover montanhas? Quais “montanhas”? Por quê?

A comparação no final das contas é injusta. Eu sei a história da Carole e da Tuesday, por isso sei que suas músicas são sobre elas. Mas eu sei muito pouco sobre a Angela. Vai saber? Ainda que não seja composição própria, talvez aquela letra diga mesmo respeito a ela?

No mínimo, ela demonstra de fato a vontade de ferro de alguém capaz de mover montanhas.

Ainda assim, a forma como o anime retrata as duas apresentações cria esse contraste seriamente à favor das protagonistas.

Ao final da apresentação de Carole e Tuesday no Mars Lounge, Beth recebe uma ligação. De Höfner. Pedindo indicação de artista para cobrir um buraco de última hora no Cydonia Festival. As protagonistas vão tocar lá, e no palco principal, para cem mil pessoas.

Graças ao Roddy, que arranjou a apresentação delas no Mars Lounge em primeiro lugar. Desculpa, Gus, mas você só dá bola fora.

Em todo caso, foi algo arranjado tão em cima da hora e tão fora da realidade das garotas que elas não puderam evitar ficar terrivelmente nervosas. A Tuesday entrou em parafuso.

 

Tuesday desmaia ao saber do Cydonia

 

No final das contas, elas subiram no palco, na frente de cem mil pessoas. Cem mil pessoas que estavam lá para assistir a apresentação do Omega, uma banda de heavy metal. De jeito nenhum que elas conseguiriam agradar.

Foram vaiadas, xingadas, objetos foram arremessados ao palco enquanto elas tocavam ao vivo a música que compuseram por acaso na lavanderia. E nem tiveram tempo de terminar, em todo caso, pois a banda que elas estavam cobrindo subiu no palco.

É quase como se elas tivessem sido escorraçadas do palco. A frustração foi grande demais para o coração das duas. Mas elas foram consoladas por Crystal, uma diva pop da qual por acaso as duas são fãs e que se apresentaria em seguida no mesmo palco no Cydonia.

Carola e Tuesday sequer deveriam ter subido naquele palco mesmo, ainda não estavam prontas, foi muito súbito, e foram arremessadas contra uma plateia hostil. E elas são jovens e conheceram em pessoa sua ídola. A frustração passou rápido como chegou e se transformou em determinação: elas querem voltar para aquele palco, mas agora por mérito próprio e para tocar para sua própria plateia.

 

 

O resto do Cydonia foi um desfile de diferentes tipos de músicos, de músicas, de filosofias. Mas todos humanos.

Omega, a banda de heavy metal que Carole e Tuesday cobriram, tem como frontman Joshua, um homem provavelmente destruído pelas drogas, paranoico e esquizofrênico, que sofre de uma crise de abstinência quase constante que o faz enxergar alucinações assustadoras.

Mas no palco ele é um animal. Exatamente o que seus fãs querem que ele seja. Será que ele gosta de ser um músico ou será que só continua fazendo isso porque de alguma forma está sendo forçado ou manipulado? Eu quero crer que ele gosta, ou pelo menos um dia gostou. Vê-lo tão patético, com medo de suas alucinações, me faz querer acreditar que o verdadeiro Joshua seja aquele em cima dos palcos.

 

Joshua, do Omega

 

Quem com certeza gosta de subir nos palcos e comparece ao anime mais uma vez é Ertegun, o DJ com quem Roddy trabalha. O sexto episódio deixou claro que ele sobe no palco por que é narcisista e ama estar sob os holofotes. Será isso um problema?

Skip, outro músico que apareceu no mesmo episódio, com certeza diria que sim. De fato, ele dá um sermão em Carole e Tuesday sobre isso: em sua concepção, todo músico começaria a carreira apaixonado pela música, mas ao longo dela se transformaria e se tornaria mais apaixonado pela fama do que qualquer outra coisa.

Não sei se o Skip tinha alguém específico em mente, como o Ertegun, ou se falava genericamente, e também não sei se isso é necessariamente um problema, mas tenho certeza que não é o caso do Ertegun.

Ertegun não se apaixonou pelos holofotes ao longo da carreira. Sua personalidade deixa claro que sempre foi esse o seu objetivo desde o começo. E agora sim vou fazer a pergunta: isso é um problema? Se ele estiver tocando boa música e seus fãs estiverem felizes, isso é um problema? Isso é da conta de outros músicos?

 

Ertegun

 

Cada um tem sua personalidade, cada um tem seus valores, cada um tem seus objetivos. E, assim, cada um irá produzir uma música totalmente diferente. Isso é uma coisa boa. Diversidade, eu digo. Diversidade é uma coisa boa. Ertegun é honesto em seu narcisismo e seus fãs estão felizes com ele e com sua música. Quem é que pode criticá-lo então?

A filosofia e os valores do Skip são diferentes, e isso está tudo bem também. Ao invés de um show divertido, sua apresentação é muito mais emotiva. Uma balada romântica escrita para uma pessoa em particular: outra artista, justamente a diva pop de quem as protagonistas são fãs, Crystal.

Uma letra tocante sobre ter sido abandonado pelo amor de sua vida. O que me faz pensar: e se o que Skip disse para as garotas se referia especificamente à Crystal?

Talvez eles tenham começado juntos mas tenham se separado quando ela aceitou alguma oferta para começar carreira solo. E hoje ela faz shows com efeitos especiais e um ritmo muito mais dançante. Não é difícil perceber que a música dela é muito mais comercial. Talvez ele esteja só projetando suas frustrações.

Algo como, ele a perdeu, mas ainda tem a música, entende? O curioso é que a Crystal parece ter cantado para ele também, e em seus versos ela descreveu sim problemas no passado, mas diz que agora estão juntos. Bom, não estão. Talvez só não estejam juntos por orgulho dele?

 

 

Em todo caso, o Cydonia Festival revelou bastante sobre o cenário musical no mundo de Carole & Tuesday, que é muito mais humano do que parecia a princípio, e encerra também o primeiro arco do anime.

Agora vem o show de talentos na TV marciana, e parece que as protagonistas finalmente cruzarão com Angela.

 

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