Há muito tempo participei de um debate na escola cujo tema era se o ser humano poderia viver sem depender de mais ninguém. Tentei defender com todas as forças, ou melhor, com argumentos (dos mais variados e absurdos possíveis) que era possível sim viver sem depender de ninguém só para ser do “contra”, e não porque eu realmente acreditava realmente que isso era possível.

Só o fato de vivermos em sociedade já implica que, gostando ou não, somos obrigados a interagir com as pessoas. Eu sei que há exceções, como pessoas que vivem isoladas em florestas, cavernas ou algo parecido, mas de modo geral, situações opostas a essas citadas prevalecem como regra.

Nakano pode ser considerado um homem independente pois tem um emprego no qual ele obtém o seu sustento e um lar para morar, mas isso não quer dizer que ele se sinta feliz, aliás, muito pelo contrário. É nítido que ele gostaria de receber o cuidado que outrora ele tinha. Ao sair do mundo espiritual com o propósito de cuidar de Nakano, Senko cria junto com o alvo de seus mimos, o que chamamos de família.

É engraçado que é possível atribuir várias funções dentro dessa família nada tradicional. Ao olharmos as aparências da Senko e do Nakano, poderia se presumir que eles teriam uma relação pai e filha. Pela idade de ambos, a relação seria mãe e filho. Aliás, a própria Senko reforça esse tipo de relação. Há também quem enxergue os dois como um casal, e o próprio anime é sugestivo quanto a isso ao dar uma conotação erótica a certas situações como forma de fanservice.

Fazer coisas simples como tomar banho, fazer compras, fazer uma refeição, se tornam mais divertido com alguém (ou várias pessoas) do lado. Compartilhar até mesmo as experiências mais simples é gratificante pois é bom ter alguém com quem possamos dividir algo. Numa refeição, por exemplo, podemos ver a alegria de alguém em comer algo, hipoteticamente, preparado por nós mesmos (eu não sei cozinhar, então não vou vivenciar essa suposta experiência que estou citando como exemplo tão cedo), ou podemos deixar uma pessoa feliz ao elogiar a comida preparada por ela. Senko se sente gratificada quando Nakano elogia a sua comida. Aliás, a gratidão de Nakano pelos mimos que ela faz é um estímulo para que ela continue com a sua missão de cuidar dele.

A simplicidade retratada no anime é um charme que é valorizado pelas pessoas que curtem obras feitas para relaxar e contemplar o cotidiano, mas, possivelmente, pode ser enfadonha para aqueles que preferem algo mais movimentado.

A passagem do tempo, embora não seja um dos elementos centrais da trama, é algo importante a ser mencionado. Senko carrega nas suas costas uma bagagem de séculos de existência, portanto já deve ter presenciado muita coisa. E mesmo tendo poderes e sabedoria adquiridas ao longo de oito séculos, Senko não é diferente de meros mortais que estão aprendendo coisas novas a cada dia e serão eternos aprendizes até o fim da vida. Só que Senko tem uma vantagem, ela possui tempo o suficiente para novas descobertas, já mortais, como eu e você temos um tempo mais limitado e não podemos nos dar ao luxo de desperdiçá-lo.

Ainda falando em tempo, Nakano sente saudades do período que não tinha tantas responsabilidades como as que têm hoje. A vida adulta é complicada e para ele parece insuportável, mas ele sabe que não pode ficar se lamentando ou resmungando.

O afeto e mimos da Senko faz ressurgir a criança dentro de Nakano que estava adormecida (me atrevo a dizer que estava correndo o risco de desaparecer).

Esse anime passa uma mensagem interessante sobre gratidão e servir ao próximo sem pedir nada em troca. Na posição de divindade, Senko troca a sua posição cômoda de ficar num reino espiritual recebendo oferendas das pessoas, para servir “um qualquer”. O próprio Nakano já se incomodou pelo fato de não poder retribuir à altura os favores recebidos, mas a própria Senko afirmou que nenhum mortal jamais poderia recompensar o favor realizado por uma divindade.

Por fim, a participação do elenco de apoio, especialmente a vizinha do Nakano e a Shiro, é importante para que a história não fique somente na interação Senko-Nakano, embora o fato da maior parte das cenas ser concentrado nos dois protagonistas, dar um tom intimista necessário para que a obra possua um caráter contemplativo.

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