A segunda metade do oitavo episódio contrapõe quatro personagens. De um lado, Satou e Taiyo, do outro, Asahi e Shoko. As conversas são lembretes de quem é cada um deles, e revela também a arquitetura de sentimentos que conduzirá ao final dessa tragédia. E essa composição não é entre o bem e o mal, mas entre buscas e afetos, que, certamente, têm relação com que julgamos como bem e mal. Já em sua primeira parte, Happy Sugar Life apresenta um flashback criativo e instigante para revelar quem Satou matou, cujo corpo fez Kitaumekawa-sensei desovar. É um dos episódios menos movimentado da série até o momento, mas tão perturbador quanto os anteriores. Satou, com o modo manipulação ativado, é a plena definição do perigo.

Para Satou, suas ações estão para além do certo ou errado. A garota tem noção de que sua situação é incomum, moralmente condenável para a sociedade. Mas não é por isso que se protege e protege Shio. Ela não quer perder o que tem, e nem dividir, já que nunca soube o que é o amor, e agora o tem e o sente. A revelação do amor é a revelação de uma verdade para ela. A compreensão e apreensão do que há de valoroso na vida. E muito dessa descoberta ela julga dever ao dono do apartamento 1208.

Satou em um momento pacífico antes da tormenta. O artista e a sua loucura.

O que ocorre antes de Satou ter posse do local e lá manter Shio, nos é apresentado de uma maneira bem singular, focando a jovem, já que o rosto do vizinho nunca é mostrado, permanece de um ponto de vista subjetivo, como se o público fosse a personagem. Mais instigante ainda é que suas emoções são mostradas em um quadro de ondas, que reagem conforme seus sentimentos.

O vizinho é um artista aparentemente recluso, que a vendo na chuva, perdida, convida-a para ir ao seu apartamento. Em troca da gentileza, ele pede que Satou seja sua modelo. A garota pergunta se ele não quer fazer sexo, ele recusa, para o espanto da jovem. Os garotos que conhece não recusariam e é o mundo que ela conhece, e mesmo um modo de conseguir amor, que se mostra sempre insuficiente. Ao longo dos encontros, descobrimos que é a incompletude de Satou que o artista adora, de alguém que tem algo, mas não obtém satisfação. Há nela um misto de indiferença e melancolia, e isso que o artista quer capturar.

Quando Satou pergunta ao artista o que é o amor, o destino de ambos começa a ser selado. Então, em uma noite chuvosa, a jovem traz Shio em seus braços, direto para o apartamento 1208. O artista percebe que a criança despertou algo especial em Satou. As primícias do amor. Sentimento identificável, cristalino pela excitação e pelo jeito carinhoso da garota com Shio. O rosto de Satou preparando o banho para a menina é um momento assustador, ela está sem fôlego, olhos brilhantes, pelo prazer do achado. Dominada pelo efeito do que sente, mas do que pelo sentimento em si.

Satou com o seu tesouro: a felicidade da jovem é o catalisador da insanidade do artista. Inicia-se a espiral de crimes.

Já o artista tem a quebra daquilo que estipula como principal atrativo de Satou, a incompletude dela. A animação de Satou causa-lhe revolta, repugna-o, e ele tenta destruir o que fascina sua musa, a faz sentir-se plena. Quando está enforcando a criança, é atingindo pelo cavalete em que estava o quadro que fez de Satou. A jovem tinge o quarto todo com o sangue do artista, salva Shio da morte iminente. Há pessoas que se alimentam das falhas e das ausências que encontram nos outros, mantendo-as nesse círculo de suposta admiração. O vizinho é somente mais um integrante do grupo dos insanos de Happy Sugar Life.

O incidente forja o que Satou vem a se transformar. Se a criação abusiva da sua tia, com uma visão distorcida do amor, predomina para a moral de Satou dividida em doce e amargo, o incidente com o artista revela o que ela está disposta a fazer por amor, para proteger esse sentimento tão distinto do que foi enaltecido pela sua tia.

Satou pinta o quarto de vermelho: a jovem confere o estrago cometido “em nome do amor”.

Após o flashback, temos Satou e Taiyo em um jogo de manipulação e tentativa de resistência. O rapaz deixa o refúgio de seu quarto para ir ao encontro de Shoko, não para salvá-la de Satou, mas evitar que a garota também se apaixone por Shio.

Essa preocupação patética é o catalisador do vislumbre de sua situação, de como o trauma do abuso o fez se apegar obsessivamente a uma criança como tábua de salvação. Ele não articula que sua condição psicológica se trata de pedofilia. Apesar disso, manifesta o desejo de encarar o trauma, porém a presença de duas mulheres na rua o atira novamente no abismo. O seu retorno a compulsão pela inocência de Shio é testemunhado por Satou, que vence as frágeis barreiras de Taiyo com uma meia da criança.

Taiyo prestes a se tornar um joguete nos planos de Satou para assegurar Shio ao lado dela.

Satou usa como arma de convencimento uma peça de roupa de Shio, uma meia, que Taiyo acaba por fetichiza. Assim é forjada a aliança entre Taiyo e Satou, que ainda promete deixá-lo ver Shio. Para isso, ele precisa se livrar, de um modo não violento, de Asahi.

É impressionante como Satou manipula Taiyo, com argumentos que o colocam como um possível príncipe de Shio, e garante coisas que não irá cumprir. No episódio, vemos Satou matar e ser ardilosa, mostrando-se fria e impetuosa para conquistar seu adversário, torná-lo um aliado. Ela mexe com os instintos do rapaz, sabe como afetá-lo.

No outro extremo, Shoko e Asahi se confortam, voltam a encorajar um ao outro. Shoko ainda abalada pelo que não conseguiu expressar a Satou, culpa-se por magoá-la. Imediatamente, Asahi diz que as pessoas gentis precisam parar de se responsabilizar tanto pelo que dá errado. É preciso fazer com que os sentimentos sejam transmitidos, porém sem se autopunir pelos fracassos. Ambos são o que podemos considerar “boas pessoas”, representantes da normalidade, mesmo que tenham seus problemas. Asahi e Shoko estão cada vez mais próximos, e essa aproximação torna-se um elo, natural – por serem duas pessoas feridas – e espontâneo, distante da encenação e do oportunismo que vincula Satou e Taiyo.

As boas almas condenadas. Infelizmente, não tem como imaginar um final feliz para esses dois.

Happy Sugar Life entrega um episódio que contempla passado, presente e futuro, indicando que o jogo de forças está na mesa, com mentiras, segredos e transtornos fazendo girar o que há de aterrorizante no ser humano. No entanto, o altruísmo, a gentileza e a generosidade tentam sobreviver entre as pedras e os espinhos. O episódio 8 abre espaço para suas personagens, esquadrinha-as, mesmo que brevemente. E, de quebra, é um triunfo visual em sua primeira metade. Qualidades que contribuem para anunciar o inferno, já que tanto a pureza quanto a perversão tem sua obsessão, que atende pelo nome de Shio.

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