Ainda que não tenham sido apresentadas algumas informações para melhor contextualização, como a invocação da Jashin-chan pela Yurine e uma explicação de como demônios vivem entre humanos, a série evolui sem danos ao entendimento do que apresenta.  E, no segundo episódio, a estranha relação de amizade entre a Jashin e Medusa e o auxílio que Yurine dá a Pekora, a anjo faminta, revelam que Jashin-chan Dropkick tem potencial no que concerne ao desenvolvimento das personagens, indicando a possibilidade de que elas não sejam unidimensionais.

Afinal, a sádica Yurine pode se compadecer da situação de miséria em que se encontra Pekora, que sem o seu halo, é como qualquer mortal, sente fome e frio. Pekora, por sua vez, não sabe como reagir ao almoço que Yurine lhe paga, a boa vontade demonstrada pela moça. Como anjo, não deve confraternizar com demônios. Para ela, Yurine, por invocar demônios, é uma bruxa. Um dilema que nem as conversas com Deus ajudam a solucionar. Resta ao anjo declarar-se inimiga do mal, sem, no entanto, resolver os seus sentimentos por Yurine.

Já Jashin e Medusa são atravessadas por algumas emoções. Jashin, do alto de sua posição no inferno, classifica os demônios como superiores ou inferiores. Ela coloca Medusa na categoria dos inferiores – mas seu jeito altivo mal disfarça o seu apreço. Elas são amigas de infância (uma “licença poética”, já que Medusa, na mitologia grega, é uma jovem amaldiçoada, transformada em monstro por Athena devido a sua paixão pelo deus do mar Poseidon), e Medusa testemunhou todas as peripécias da loirinha-demônio, recebendo muitas vezes a culpa pelas armações e imprudências dela. Quando Jashin tem problemas ou está triste, é a Medusa que ela recorre. A vulnerabilidade da demônio-serpente a deixa feliz. Não deixa de ser uma maneira egoísta de amor.  Contudo, é assim que elas se relacionam. Para Yurine, Medusa é apenas explorada por uma ser medíocre, que quer ser forte à custa dos outros. No que diz respeito a esse entendimento da violenta loli gótica, o que chama a atenção é o motivo que a levou a invocar Jashin: quais poderes ela deseja? O que Jashin oferece? Ou será que houve engano?

O modo sádico de Yurine ativado. Fica a dúvida de quem é o demônio.

Yurine interrogar Medusa sobre o tratamento grosseiro que a Jashin dispensa a ela (e que não provoca uma reação indignada da górgona) dá a conhecer mais um traço da personalidade da garota. Tentar compreender o que uma pessoa (ou demônio) quer ou suporta revela um pouco de nossa humanidade, seja por preocupação, seja por curiosidade. Yurine é do tipo observadora e cínica, mas nada impede que tenha um interesse legítimo por alguém.

A devoção de Medusa leva Yurine a inquirir se a demônio não é masoquista. Pergunta que a ingenuidade de Medusa não a permite captar. De qualquer modo, a pelúcia de um panda humano que Jashin dá para Medusa (comprado com o dinheiro da amiga) mostra que existe, sim, estima da parte dela. Há alguns afetos disfarçados e ocultos nesse grupo de demônios e uma humana.

Kori, a demônio do gelo, coloca Jashin-chan em uma fria.

No episódio surge um novo personagem secundário: Kori, um demônio do gelo, invocado por Jashin-chan para resolver seu incômodo com o calor insuportável do verão de Tóquio. Apesar de residir no inferno, Jashin considera terrível a temperatura elevada dessa estação. A pequena Kori atende muitos dos pedidos dela, mas por ser um demônio menor (ou assim ser classificada), é destratada e ofendida por Jashin. Sua reação: congelar o corpo da loira-serpente e depois derrubá-la para se espatifar em pedaços. A sorte de Jashin é que ela pode se regenerar, ser destroçada mil vezes e se recompor.

O dilema de Pekora: ser amiga ou inimiga de Yurine, a bruxa invocadora de demônios.

Além disso, a série volta a investir na metalinguagem em duas oportunidades: primeiro, quando Yurini diz que ela não tem um ar-condicionado em casa porque a Flex Comix não valoriza seus artistas. O mangá Jashin-chan Dropkick, de Yukino, foi lançado em 2012 na revista Comic Meteor, publicação da editora Flex Comix. O segundo momento ocorre no assédio sofrido por Medusa pelas ruas de Tóquio. Um nerd a intercepta de modo entusiasmado e desrespeitoso (chegando a retirar o pacote de papel que ela usa na cabeça para evitar qualquer acidente, os olhos nos olhos com os transeuntes) após ouvir a voz dela e compará-la a Miyutan, a Miyu Kubota, que, em realidade, é a seiyuu de Medusa. O destino do sujeito é o mesmo que acontece aos que olham diretamente nos olhos da górgona: transforma-se em pedra.

Jashin-chan não aprende. Mais um plano para executar Yurine, mais uma falha colossal.

Deste modo, Jashin-chan Dropkick caminha no limite entre a farsa e a autorreferência de maneira convincente e engraçada. Desta vez, não apenas como recurso para suavizar o gore, mas para acentuar o absurdo da série, que tem consciência da situação bizarra que sua premissa consagra e brinca com ela sem cerimônias.

Quanto ao duelo Jashin-Yurine, em duas ocasiões ocorrem incidentes entre elas. Depois de Jashin reclamar do calor, Yurine para castigá-la, por puro prazer mórbido, provoca frio na espinha da loira-serpente, de um modo brutal que só ela é capaz de imaginar e realizar. E, em outro momento, Jashin se esconde no piso da sala com o objetivo de surpreender e matar Yurine. O resultado é trágico, envolvendo uma arma inusitada.

Desde a tenra infância, Jashin e Medusa conduzem uma amizade de abusos e mil afetos.

Com espaço para apresentar as relações entre as personagens – faltando Minos, a minotauro (ou demônio-vaca) –, a série mostra que pode ir além do mote “demônio tenta matar sua invocadora para voltar ao inferno, falha, é punida, mas não desiste de assassiná-la”. O lado cômico da série é sustentado pela má elaboração dos planos de Jashin para se livrar de Yurine e pela sua personalidade prepotente, que não a deixa perceber o quanto é desastrada e as parvoíces que comete.

Um episódio que revela boas qualidades, da dinâmica entre as personagens à metalinguagem utilizada com inteligência e moderação, em uma comédia que burila seu material bizarro para que o excesso (gore + pastelão + moe + distorções de lendas e mitos) não ultrapasse a fronteira do aceitável (afinal, rir de um demônio torturado pode ser coisa de gente demente).

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