Boogiepop wa Warawanai é originalmente uma light novel de autoria de Kouhei Kadono e ilustrações de Kouji Ogata. A série já teve anime nos anos 2000, mas, diferente dele, a produção de 2019 do estúdio Madhouse é uma adaptação fiel de quatro arcos da obra, cinco livros no total.

E o que pôde ser visto nesse anime de incomuns 18 episódios, mas apenas um cour? A história do shinigami Boogiepop que, diferente da lenda urbana, não mata garotas no auge da beleza, mas surge automaticamente no corpo de Miyashita Touka quando o mundo corre perigo.

Mas Boogiepop é mais que sua própria história, e o que é me esforçarei para comentar nessa resenha.

Boogiepop é um anime de personagens e, contudo, não o é. Vários são apresentados ao longo dos arcos, alguns voltam para outros arcos, outros não. O importante é que a série não depende deles para desenvolver sua trama.

Okay, Boogiepop é a entidade que deve aparecer em todos e a Nagisa, a Bruxa do Fogo, a outra personagem mais recorrente, mas há arcos, ao menos em se tratando desse anime, nos quais a Nagisa apenas aparece, mas não faz nada de relevante e praticamente em todos Boogiepop age, auxilia, aqueles à sua volta a lidar com as ditas “ameaças”, porém, não rouba o brilho dos verdadeiros protagonistas da obra: os seres humanos.

Com tudo que eles têm de bom, e tudo de ruim. São seus atos, as ameaças que impelem ou facilitam a si mesmos, que ditam o ritmo cadenciado, mas nem por isso desinteressante, da narrativa. O anime possui quatro arcos e agora comentarei cada um deles de maneira mais específica.

 

Boogiepop and Others

Os “outros” são os personagens que compõem a trama de sci-fi envolvendo Manticora e Echoes, mas que na verdade é tão humana quanto qualquer outra.

O arco se passa majoritariamente na Academia Shinyo, onde estuda Miyashita Touka, o receptáculo que Boogiepop ocupa quando se manifesta, e se você ignorar um pouco o fato de haver um alienígena e uma cópia feita em laboratório dele o que pode ser tirado desse arco é uma crítica construtiva a natureza humana.

Não há exaltação da bondade ou um disfarce para o contrário. A “civilidade” prontamente questionada por Boogiepop nos primeiros segundos do anime é um tema explorado ao longo de toda a estrutura recortada e recolada do arco.

A forma não linear de narrar os fatos cria uma pitoresca situação em que cada um dos três episódios apresenta pontos de vista diferentes sobre a resolução de uma mesma situação. Há vários pontos de vista sendo explorados aos poucos e que montam um quebra-cabeças instigante, dinâmico e que se aproveita bem dos personagens para integrar seus dramas ao tema sendo debatido.

E o melhor é que, tirando a estreia, a câmera não foca o tempo todo no shinigami, se aproveitando do personagem apenas quando necessário, deixando quem é apresentado ser personagem também.

Aliás, mesmo nela Takeda divide os holofotes e é um pouco como o público que acompanha o anime e se interessa pelo intrigante protagonista mostrado em tela. Uma outra personalidade? Uma existência que nasceu da vontade coletiva? Um novo estágio da evolução humana? Um pouco de cada?

Boogiepop incita questionamentos interessantes sobre a origem de seu “herói”, mas não deixa que o assunto se sobressaia ao tema abordado. Tudo isso sem fazer um juízo de valor, uma distinção negativa, dos lados apresentados; balanceando as intenções dos personagens com o escopo geral da trama.

O final do arco é coerente de acordo com tudo o que foi apresentado e mesmo antes disso fica claro que Boogiepop não terá pudor de usar seus personagens ao máximo, exigindo deles tudo que podem oferecer, tanto é que a verdadeira “heroína” que salvou o dia propõe uma reflexão interessante sobre a natureza das atitudes humanas, além de sua personagem “brincar” com o conceito de herói.

Não é exatamente isso, porque em Boogiepop não existem heróis nem vilões, apenas pessoas que se chocam por certos motivos e que lidam com as situações apresentadas de maneira realista dentro de uma estrutura que flerta intimamente com o sobrenatural. Enfim, Boogiepop and Others é um ótimo começo para um anime que teve ainda mais a ofertar.

 

Boogiepop Returns: VS Imaginator

Todo grande herói precisa ter um antagonista à altura, não é mesmo? Não exatamente, ao menos não pelos meios convencionais, e é isso o que vemos no arco do Imaginator, existência tão peculiar e instigante quanto o próprio Boogiepop.

Mas não maligna, de forma alguma só isso. Tanto Boogiepop quanto Imaginator são possibilidades futuras que se apresentaram no presente, gritos de uma sociedade que cria seus próprios anjos e demônios.

E novamente o foco não fica só na existência irregular, mas na interação dela com o que é humano e os humanos em si que são apresentados ao longo da trama, principalmente o casal Aya e Masaki e o segundo Imaginator, Asukai Jin.

Além disso, o público é apresentado a Organização Towa, grupo que quer ter o controle sobre a evolução humana.

Quem protagoniza esse arco novamente são os humanos, principalmente o casal apaixonado que precisa desafiar o controle da Organização e lidar com as ações do Imaginator.

O mais bacana é que a discussão do que é ou não humano, do que é ou não uma ameaça, do que o ser humano deseja e o que deve fazer para alcançar isso, é bem trabalhada ao longo dos seis episódios dessa parte.

Podemos até encarar o Imaginator, Jin Asukai, como a vontade humana de querer tomar um caminho mais fácil, que evite a dor por medo de senti-la. Já Masaki e Aya são exatamente o contrário, eles precisam e não tem medo de serem machucados.

Aya, uma humana artificial, vai cada vez mais ganhando consciência e gosto pelos sentimentos humanos. Ela muda e o seu desenvolvimento é o que frustra os planos escusos do antagonista em um arco no qual novamente a atuação de Boogiepop é apenas pontual.

Útil, é verdade, mas são os esforços humanos que detém a ameaça ao mundo, esforços feitos sem que as pessoas sequer se deem conta, mas que expressam de forma sincera a natureza humana e porque ela não precisa, ou merece, ser atingida pelas mudanças buscadas pela existência irregular. Nesse caso, o Imaginator.

A Organização Towa é apresentada nesse arco e se torna um organismo recorrente na série, o que pode ser bem visto no arco seguinte do anime.

Por fim, só gostaria de mais uma vez elogiar o excelente trabalho de personagens de Boogiepop que é capaz de nos sensibilizar com os dramas de novos personagens a cada arco.

 

Boogiepop at Dawn

Pode parecer trapaça o que eu vou fazer agora, mas isso não é nada de novo a um ser humano, afinal, o que é o ser humano senão um composto de malícia e miséria?

Enfim, como esse “arco de origem” do anime foi lançado de uma só vez na televisão escrevi apenas um artigo compreendendo ele e acho que qualquer tentativa minha de resumir o que escrevi lá seria ineficaz, então indico que dê uma olhadinha em meu texto para saber o que tenho a comentar sobre o alvorecer desse personagem tão apaixonante chamado Boogiepop.

 

Boogiepop Overdrive: The King of Distortion

O Rei da Distorção é a bola da vez, uma existência misteriosa e complexa como Boogiepop e Imaginator, mas com um gatilho ativado dentro da própria narrativa da série animada.

Ele transforma em ouro as distorções nos corações das pessoas, fazendo elas exporem aquilo que mais remoem, o que pode não ser tratado como uma ameaça a humanidade dentro do anime, mas não deixa de explorar o conflito dos personagens e a melhor forma de resolvê-los, tanto em se tratando de personagens de outros arcos, quanto de personagens surgidos em Overdrive.

Boogiepop age como um mediador entre o conflito e sua resolução, ajudando também a abrir os olhos do Rei da Distorção, mas tudo isso sempre com a ajuda providencial dos humanos; aqueles que iniciam as ameaças e amadurecem ao longo dos arcos, se tornando capazes de lidar com os problemas que eles mesmos provocam.

O arco possui um ou outro defeito em comparação aos anteriores, mas fecha bem o anime, não deixando de ter similaridades com os anteriores ao mesmo tempo em que traz algo de novo e dinâmico as histórias da série Boogiepop.

 

Considerações finais

Boogiepop não é uma série de ação com um ritmo intenso, é uma narrativa não linear, ao menos não sempre, que propõe a reflexão ao seu telespectador; seja no que é pertinente aos temas trabalhados em seus arcos ou em como isso dialoga com as vivências e opiniões de cada um.

É uma série de casos cheios de elementos sobrenaturais, mas que no final do dia valoriza o que é humano, e deixa claro que esse humano também está presente no que não o é, mais que tudo.

Não é um anime para uma audiência desinteressada ou que se importa apenas com a primeira camada das histórias, mas para aqueles pacientes que desprendem tempo para observar os pequenos detalhes e apreciar arcos de personagem sucintos, mas nem por isso ruins.

Ainda não sei o que Boogiepop é enquanto adaptação, ainda preciso ler o material original, mas acredito que o anime foi bem satisfatório dentro daquilo que se propôs e com certeza é uma indicação mais que acertada se quiser ver algo que fará você pensar e se questionar sobre várias coisas.

E Boogiepop, esse ainda continua sendo um enigma para mim, mas um que a animação de 2019 me instigou a desvendar.

Até a próxima!

 

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