Bom dia!

Da forma como terminou, esse episódio foi tão importante para a progressão do enredo até agora quanto o confronto do Hyakkimaru com sua família. Da forma como foi produzido, esse episódio se tornou bem mais polêmico do que eu esperava.

 

Aldeãs felizes

 

Um estilo de animação completamente diferente de tudo o que o anime teve até agora. Distorcida, sem volume, com muitos planos gerais e close-ups, sombras chapadas e estranhas. Passa uma sensação às vezes árida, às vezes perturbadora.

E a direção do episódio usou tudo isso para máximo efeito, com cortes incômodos como as cabeças distorcidas dos aldeões. A batalha, que se sabia iminente desde o começo do episódio e foi lentamente construída, foi rápida e simples. O fogo se alastra instantaneamente.

Faltaram algumas cenas? Faltaram algumas falas?

Terá faltado dinheiro ou tempo ou profissionais, que agora estariam distribuídos entre Dororo e o estreante Sarazanmai, também animado pelo estúdio Mappa?

Não faltou nada. Foi tudo proposital e planejado desde o começo. Esse episódio foi dirigido Osamu Kobayashi, famoso por ter esse estilo, e ele estava escalado para o trabalho desde antes do anime estrear, como mensagens suas no Twitter na época revelam.

É claro que não é porque seja intencional que você precise achar bonito, bem feito ou adequado. Quando entramos no terreno dos gostos pessoais a coisa é bem mais complicada. Quem ainda assim quiser achar feio, está em seu direito. Só não pode é dizer que o anime está enfrentando problemas de produção, porque não é o caso.

Eu, particularmente, gostei muito do resultado. Foi um episódio perturbador em seu conteúdo afinal, e a estética perturbadora apenas acrescentou. Faltou cena? Faltou diálogo? Faltou mesmo? Eu entendi tudo o que aconteceu, mesmo o que aconteceu sem ser sequer mostrado acontecendo. Não me parece que tenha faltado nada.

 

A conversa entre Sabame, Dororo e Hyakkimaru pela manhã

 

O clima é de tensão desde o começo, quando Dororo e Hyakkimaru conversam com Sabame. O senhor da vila obviamente sabe que eles foram atacados, mas não pode falar sobre isso. Os heróis obviamente sabem que foram atacados, mas também não podem falar sobre isso.

É uma cena majoritariamente em plano aberto na qual não precisamos ver o rosto dos personagens para saber que eles emanam cinismo e hipocrisia. Tanto heróis quanto o vilão devem estar com vontade de voar na garganta um do outro.

A situação não é melhor quando Dororo visita a vila. Está tudo muito bem, está tudo muito legal, Dororo se impressiona com a prosperidade da vila e com quanto todos parecem felizes, mas antes mesmo das coisas ficarem estranhas de verdade, elas já parecem estranhas – bom efeito da animação diferenciada.

Dororo conversa com uma avó e sua neta. Ele elogia a vila, e a velha elogia Sabame. Primeiro ponto de fricção: Dororo chama Sabame de “Ossan” (mais ou menos como “tio”, quando usado por crianças para se referir a um homem adulto mesmo sem relação de sangue) e a velha o repreende pela falta de educação.

Depois piora: Dororo pergunta sobre o templo incendiado e a velha foi embora sem responder nada, enquanto outros aldeões por perto olharam feio para ele.

 

 

Dororo sairia andando até encontrar um armazém de arroz, e, lá dentro, foi emboscado pelos aldeões e preso dentro de um porão escondido, no qual as lagartas-demônio estavam escondidas. Dororo deveria ser sacrificado pelo bem da vila.

A história do templo também se esclarece, e, como era de se imaginar, as crianças também foram sacrificadas para demônios, mas não apenas por Sabame: a vila inteira participou do crime, sabendo perfeitamente o que estavam fazendo. Dororo descobriu tudo isso dos próprios espíritos das crianças, que o salvaram dos demônios.

 

 

Enquanto Dororo passava por apuros, Hyakkimaru estava seguindo Sabame para tentar descobrir algo sobre os demônios. O protagonista não foi muito competente em passar despercebido, porém, e Sabame sabia muito bem que estava sendo seguido. Guiou o herói até uma colina da onde se avista a vila inteira.

Explicou que nunca saiu dali. Que faria tudo para proteger a vila e sua população. O esperado de um bom senhor feudal. Mas o Período Sengoku não foi uma época feliz para bons senhores feudais.

Sabame nunca participou de guerras, mas as guerras faziam questão de vir até ele sempre que possível. Fome, guerra, peste. A pequena vila era como o Domínio de Daigo em miniatura. Hyakkimaru percebeu isso rápido, e não ficou feliz.

Hyakkimaru derrota uma mariposa-demônio recém saída do casulo onde sofreu a metamorfose e a criatura ferida cai na vila, acidentalmente a lançando em chamas. Mais tarde Hyakkimaru derrotaria Maimai-onba, demônio-mariposa original e um dos 12 demônios.

 

Hyakkimaru encara Maimai-onba

 

Antes disso Dororo matou as lagartas-demônio também usando fogo, o que de quebra destruiu as provisões de arroz da vila, armazenadas para o inverno. Os campos e casas estavam em chamas, e a comida também. Os que não morreram no incêndio nem nos conflitos que irromperam sobre a pouca comida que há aqui e ali, terão um inverno duro, com pouca chance de sobrevivência. Sabame está morto. A vila está morta.

Por um lado é verdade que a população daquele vilarejo havia praticado um crime hediondo – e o tornava a repetir a cada viajante que capturavam, certamente. Por outro, o massacre é mesmo justo? Quero dizer, pelo menos as crianças com certeza eram inocentes. E talvez nem todos ali concordassem, mas o que poderiam fazer?

Não há resposta fácil. Hyakkimaru e Dororo vão embora e reagem mal ao dilema de como lidar com o que acabaram de fazer.

Hyakkimaru, tendo reconhecido a situação como semelhante à sua, e estando em uma justa busca pelas partes de seu corpo, reafirma diversas vezes ao longo do episódio que irá seguir matando demônios. Isso tornou-se seu mantra e seu refúgio, é uma forma de se auto-justificar.

Dororo pensa diferente. Ele não é amaldiçoado pela própria família, como Hyakkimaru (na verdade, eu argumentaria que é, sim, mas o importante é como ele se sente), e nem tem nenhum motivo pessoal para detestar demônios – não mais do que os motivos que qualquer pessoa comum teria.

Para piorar, Dororo se sentia culpado. Foi ele quem queimou todo o estoque de arroz, afinal. Reconhecer o pecado é o primeiro passo para expiar, e o garoto precisa desesperadamente se sentir um pouco melhor sobre isso. Então tenta convencer Hyakkimaru de que o que fizeram é, afinal, errado.

Eu não acho que o que eles fizeram é errado. Também não acho certo. Essa é uma daquelas situações complexas demais para definir assim. Mas Dororo acha que estão errados, precisa achar que estão errados para se sentir melhor consigo mesmo, expiando o pecado, enquanto Hyakkimaru acha que estão certos, precisa achar que está certo para se sentir melhor consigo mesmo, se auto-justificando.

Os dois colidem, mas não soltam faísca. Cada um deles está por demais absorto em seu mundo interno particular, e Dororo decide simplesmente dar a volta e ir por outro caminho, enquanto Hyakkimaru não percebe até que seja tarde demais.

 

Itachi e o mapa do tesouro

 

Tão súbito quanto o fim do vilarejo e a separação dos heróis é o final, com Itachi, o traidor dos pais de Dororo, reaparecendo e reclamando o mapa que está nas costas do garoto. Tudo indica que essa separação será longa.

 

  1. Olá!
    Gostei da forma como você defendeu a segunda parte de Dororo, uma vez que algumas pessoas estão pontuando que a animação perdeu a qualidade visual, além de “fôlego” para manter o interesse do público. Confesso, que inicialmente também pareceu-me o mesmo, no entanto, Dororo continua surpreendendo com a densidade de suas discussões morais e/ou éticas, por assim dizer.
    A sociedade – ao longo de sua sua evolução/construção – tende a colocar rótulos em pessoas e situações, desde “vilão e mocinho”, até o que é dado como “certo e errado”. Ao mesmo tempo em que é possível encarar esse fato como uma tentativa de impor certos limites na ações dos indivíduos, podemos interpretar que esse conjunto de valores, princípios e etc., são moldados se acordo com a conveniência e interesses de uma direção moral e intelectual dominante, que pode, defender ou condenar uma mesma situação, conforme a conjuntura apresentada.
    Enfim, basta dizer que assim como as estórias apresentadas nas películas de Almodóvar, não procuro condenar ou enxergar as personagens e as situações exploradas pelo anime, sob a ótica de estereótipos ou ideias concebidas a partir de ideais e falso moralismo, pois uma discussão não deve ser baseada apenas naquilo que encontra-se aparente, mas em sua particularidade e totalidade.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá Kah, tudo certinho?

      Eu vou reclamar até o final da abertura nova, a primeira era tão melhor. A música de encerramento nova até que é legal, mas o que é aquela animação feita só de borrões? Não gostei mesmo, não tem jeito. Então veja, já não defendo tudo da segunda metade, hehe 😛

      Mas com certeza vou defender esse episódio 15 até o fim!

      Quanto aos temas e à moralidade, é mais ou menos por aí. Na verdade não me parece que a moral em Dororo seja cinzenta – o que está cinzento é o mundo, de forma que em muitas situações as pessoas são forçadas em circunstâncias nas quais é simplesmente impossível escolher o certo, porque não existe solução mesmo.

      Pense no Hyakkimaru: o que ele poderia fazer? Desistir do resto do corpo? Mesmo se ele fizesse isso, continuará sendo perseguido por demônios o resto da vida. Foi por isso que partiu em jornada em primeiro lugar, aliás, antes de saber toda a história por trás de sua própria tragédia. Ele não está errado em caçar demônios. É caçar ou ser caçado. Adicionalmente, tudo isso começou por causa de um ato maligno inaugural.

      E o mesmo se aplica a essa vila. A prosperidade e paz de que eles gozavam era pecaminosa. Todos os aldeões ali (exceto as crianças, como escrevi no artigo) eram criminosos, assassinos, que sacrificaram a sangue frio dezenas de crianças para seu próprio bem. O arroz que colhiam e comiam era a carne delas. Os campos onde o arroz crescia eram regados com o sangue delas.

      Isso não quer dizer que eles merecessem morrer. Mas qual era a solução então? Não é como se houvesse alguma.

      O Bem e o Mal existem, estão bem definidos, delimitados. Mas às vezes, os personagens, mesmo os heróis, precisam escolher entre o Mal e o Mal.

      Obrigado pela visita e pelo comentário! 😊

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