Kawaikereba Hentai demo Suki ni Natte Kuremasu ka? – a tradução adaptada, bem mais legal para o título de um artigo, você lê acima – é uma light novel escrita por Tomo Hanama e ilustrada por sune.

Uma comédia romântica que segundo sua premissa foge aos padrões e isso é verdade, mas também não o é.

Na história acompanhamos Keiki Kiryuu – sim, fazem um trocadilho com a palavra cake, que significa bolo em inglês, na obra –, um adolescente comum que está pronto para viver uma saudável história de amor após receber uma carta de sua “Cinderela”, mas ao invés do sapatinho de cristal, ela deixou cair a calcinha – o que dá início a uma comédia romântica em que quase nada é o que parece.

Não é todo dia que um colegial japonês recebe uma carta de amor, muito menos uma carta de amor com uma calcinha junto. Sim, é assim que Keiki, um jovem aparentemente comum, mas rodeado por várias beldades, começa a buscar a remetente que não deixou nome, apenas os dizeres “eu te amo”.

Meio clichê, né? Mas o que ele descobre sobre as garotas que ele cogita que possam ser a Cinderela é bem peculiar, mas não exatamente estranho, não para quem é otaku e sabe o quanto light novels, mangás e animes têm apelado cada vez mais para fetiches das formas mais criativas possíveis.

E pôr isso em uma comédia romântica é só mais uma das muitas possibilidades que têm sido exploradas e repetidas. Não lembro de um romcom com premissa igual, mas cada uma das heroínas ter algo bem “peculiar” sobre si não é novidade, muito menos que o protagonista seja um personagem “plano”, o sem graça da história.

Na verdade, esse é um estereótipo usado a esmo para facilitar a “imersão” do público alvo, afinal, fica mais fácil se imaginar na mesma situação que um personagem desses se ele não tem nada de destacável – e até o que tem é bem questionável.

Mas não fiquemos só nisso, essa é a hora em que comento a história. Uma que me divertiu a beça, mas não posso falar que acho boa.

Primeiro, não vejo problema em trabalhar com spoilers, afinal, preciso citá-los a fim de catapultar as críticas. A senpai do protagonista é uma masoquista que quer que ele se torne seu mestre, a kouhai, a garota da capa, é uma sadista que quer torná-lo seu escravo e sua amiga de turma é uma fujoushi, fã de BL (Boys Love), que quer que ele pegue o amigo.

Somada a isso temos uma imouto fofa e bem amorosa, que além de tudo é prendada, a personificação da esposa/empregada – muito criativo, né.

Acho que esse é só um dos exemplos em que sinto machismo enraizado na obra. Não é como se um romcom não tivesse esse tipo de coisa, eu sei disso, mas quando a história é um tanto quanto “rasa” você acaba não conseguindo deixar de lado. Acaba sendo algo forte, relevante, na caracterização do personagem, o que não deveria ser assim.

Não estou dizendo aqui que a obra é machista, mas que o machismo parece tão enraizado na formação do escritor que isso reflete em sua escrita. Porém, não é como se fosse o fim do mundo. Sejamos honestos, infelizmente, isso é normal lá. Mas continuando…

O formato dá a entender que mais garotas vão aparecer e, na verdade, no final isso já ocorre, só que é algo que comentarei mais à frente.

O que acontece é que, enquanto o protagonista tenta descobrir quem é a garota misteriosa, ele vai ficando mais íntimo das três suspeitas e essa intimidade que o faz conhecer um lado delas que ele jamais imaginaria; um lado tarado sim, mas, tarado somente por ele.

Por que isso é assim? Porque todas elas estão apaixonadas pelo jovem! Não vou ser idiota e reclamar disso, pois essa é a base do romcom harém, o problema é que me incomodou o motivo: a gentileza e somente isso. É algo que autores de obras desse meio não cansam de exaltar na ficção, mas tendo só isso a falar sobre o personagem será que a motivação não se torna um tanto quanto tola?

É como se, e eu não estou exagerando, bastasse que um garoto fosse gentil para uma garota se apaixonar e não, eu sei que não, é por aí. Na vida real, no mundo real, se apaixonar pode acontecer por isso, mas nem costuma durar o suficiente para se tornar um sentimento forte nem o raio cai tantas vezes no mesmo lugar.

Fico pensando se essa caracterização, de que por mais que você seja sem graça basta ser gentil e alguém se apaixonará por você, não é um formato de machismo tão enraizado que passa batido, já que parece que as mulheres são fáceis demais de conquistar. Então, como não poderia pensar assim, ainda mais em uma obra que é absurda demais para ser levada a sério?

Na verdade, parece que nem tenta. Mas okay, eu nem poderia esperar muito dela segundo essa premissa. O problema é que daria para tirar mais com a execução, só que não é isso o que ocorre. Os diálogos nem são de todo ruins, e a personalidade escondida das garotas traz uma variação interessante, o problema é que falta algo, e algo que realmente torne a história única.

Nem reclamo da descrição mínima de cenários e situações, pois é uma light novel, o foco são os diálogos e eu sei disso, mas, ao longo do livro, o autor desperdiça várias oportunidades de tornar seus personagens algo a mais – não os torna gostáveis, interessantes.

Mesmo em romcom clichê isso é possível, não é! Por exemplo, por que vendem o protagonista como um garoto supernormal e sem nada de interessante que tem interesse em romance, pornografia, e o que mais um adolescente gostar, mas na hora H dá uma de “santo” e nem mesmo cogita se render às tentações que aparecem a sua frente? E olha, elas são muitas, variadas e realmente tentadoras!

Não, não é preciso ser um tarado, o que claramente ele não é, para ser mais fraco do que ele é – e eu não digo para que ele assedie ninguém, é só que a aversão dele à perversão das garotas me parece tudo, menos comum.

Por outro lado, as meninas são taradas ao extremo e têm umas taras que ele não, eu me pergunto se ele sequer tem algum fetiche além de “paquerar” a sua irmãzinha, aguenta de modo algum. A comédia do contraste entre ele e elas até me arrancou risadas, mas ele é certinho demais e acho que isso desperdiçou o potencial que a trama tinha para ser mais hardcore ou menos previsível.

Chegou ao ponto em que eu já imaginava o que ia acontecer e acontecia, porque ficou previsível! Há uma masoquista, alguma hora apareceria uma sadista e brincando com o que elas externam a senpai não quer mandar e mandar é tudo que a kouhai mais quer.

No caso da fujoushi, o foreshadowing não foi ruim, de forma alguma, mas também não foi algo que passaria despercebido a um otaku.

Aliás, se há um problema na obra é justamente esse: a história é criada por um otaku para outros otakus. Não sai desse mundinho e por isso acaba se tornando medíocre. Tem boas ideias e apelo para os gostos e referências que esse público já tem, mas peca porque não dá para escrever uma boa história apenas, ou ao menos nesse caso não deu, com isso.

Você tem que abraçar o absurdo para curtir essa novel e foi o que eu fiz, mas, mesmo assim, o que a escrita dá em troca é pouco. Não existem dramas fortes, ao menos se existem ainda não foram explorados, não existem problemas que denotem urgência ou o apego sentimental do público.

Tudo é mais ou menos genérico e as heroínas são o mais próximo de uma personagem interessante, mas quando interagem com Keiki a forma como exploram a relação é insuficiente para justificar as maluquices que fazem para ficar ao lado dele. Achei isso uma pena.

Não é só de defeitos que vive a light novel, claro. Há espaço para melhora caso as heroínas, as relações de cada uma delas com o protagonista e até mesmo ele, sejam aprofundados.

O problema é que eu não vejo isso acontecendo assim tão fácil, mas gostei do final, o plot twist foi bacana e pode significar que a história não vai rodar tanto em torno dele o tempo todo, que a escrita deve ser criativa no que tece à forma como vai trabalhar os fetiches das garotas e o contraste delas com o protagonista a partir do volume 2.

Acho que nesse volume 1 essa foi a melhor coisa que a novel teve a oferecer, mas ainda foi pouco para deixar um gostinho de quero mais na boca. Não deu “personalidade” a uma obra que, por ter tantos elementos genéricos, gritava pedindo por algo a mais. Não teve.

Se você foge de animes de romcom harém com protagonistas sem graça, algumas insinuações sexuais e momentos ecchi, não é menos indicável que se mantenha afastado desse.

Contudo, se você, como eu, se diverte lendo o tipo de escrita simplória e desenvolvimento mediano que a novel oferece, então se arrisque se quiser, ou aguarde pelo anime que terá a sua estreia em julho, na Temporada de Outono de 2019.

O trailer não está feio, mas também já deixa claro que o anime não deve ser grande coisa. É uma obra de nicho de otaku hardcore mesmo, que vai fundo no fetiche e o divertirá com histórias que chafurdam nisso. É o meu caso? De forma alguma, mas é um pouco sim.

Por fim, eu achei uma pena que a resposta à pergunta de 1 milhão de fetiches nem foi respondida. Iniciei a leitura tendo a certeza de que a kouhai seria a Cinderela porque é ela quem estampa a capa do primeiro volume – o que faz qualquer pessoa pensar que ela é a heroína principal da história – e terminei sem saber o que pensar. Só espero que o “mistério” não seja levado até as últimas consequências. Eu acharia isso meio bobo.

Até outro artigo!

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