Bom dia!

Carole & Tuesday é um novo anime original do estúdio Bones, parte da celebração de seus 20 anos – e já começou com a perna direita, mas sinceramente não tinha como ser diferente.

O projeto está nas mãos de Shinichiro Watanabe (Cowboy BebopSamurai ChamplooSakamichi no Apollon, etc), que criou o conceito e supervisiona a direção de Motonobu Hori, em seu primeiro trabalho como diretor de série, mas já trabalhou em vários animes com storyboard, animação, direção de animação e de episódio – como Beck, também um anime musical, como Carole & Tuesday.

O roteiro é de Aya Watanabe, que apesar do sobrenome não possui parentesco com Shinichiro (é só um sobrenome muito comum no Japão). Aya nunca trabalhou em nenhum anime, mas têm uma carreira extensa escrevendo roteiros de séries para televisão e filmes.

Carole & Tuesday é uma história sobre duas garotas e seu sonho de fazer música: Carole e Tuesday.

 

Carole e Tuesday

 

Carole é uma garota negra, sem pais, que vive e se sustenta sozinha. A estética e o comportamento são os de uma afro-americana que veio do gueto, mas parece conservar ainda alguma inocência apesar da vida difícil. Ela já disse, por exemplo, que foi uma refugiada, mas por enquanto não se sabe mais nada sobre ela além disso.

Tuesday tem uma história completamente diferente. Vem de uma família rica, que, parece, deu tudo o que ela quis, inclusive educação musical, mas ao mesmo tempo parece ser bastante rígida e restritiva. Como se ela vivesse em uma gaiola? Enfim, por enquanto é isso sobre as circunstâncias dela. O anime começa com Tuesday fugindo de casa (inspirada por Cindy Lauper!) para viver seu sonho de fazer música.

 

 

Esse primeiro episódio tem apenas algumas pequenas amostras da habilidade musical das duas, mas o pouco que se pode ouvir suas vozes já é suficiente para encantar. Não é para menos, são músicas profissionais.

Carole e Tuesday têm dubladoras normais para quando estão conversando e cantoras profissionais para quando estão cantando, que foram selecionadas em uma audição mundial. As personagens no anime, aliás, parecem cópias das suas cantoras na vida real: Nai Br.XX é Carole, e Celeina Ann é Tuesday.

Tudo o que envolve a produção do anime é superlativo. Um projeto tocado por um dos grandes nomes da indústria, com vários artistas mundiais na produção das músicas do anime, co-produção da Netflix, e uma lista de patrocinadores que provavelmente só vai crescer até o final de seu episódio 24.

Tem dinheiro vazando pelo ladrão nesse projeto do Bones, e artistas de alto calibre, tanto na produção de animes quanto na produção musical. É simplesmente impossível qualquer coisa dar errado.

Como exemplo de patrocínios, os que devem ser mais notáveis durante todo o anime são os fabricantes dos instrumentos das protagonistas, Gibson, do violão de Tuesday, e Nord, do teclado de Carole. E esse primeiro episódio ainda fecha com uma propaganda enorme do Instagram.

 

Instagram do futuro

 

Instagram em Marte, provavelmente algumas décadas no futuro. E com o mesmo design que ele tem hoje. Poxa Instagram, pelo menos atualiza a interface! Posso até imaginar os geeks do futuro comentando, meio sem esconder o riso, sobre como a rede social está com sua aparência parada no tempo.

Enfim, sim, o anime é em Marte! E tem que ser no futuro porque embora o mundo ainda seja em grande parte familiar, a tecnologia se mostra avançada para muito além do que ela está hoje, e não só porque de alguma forma a humanidade colonizou Marte.

Coloca algumas coisas em perspectiva, não é? Conquistamos as estrelas e as habitamos com veículos que se auto-dirigem, mas ao mesmo tempo a Carole é uma refugiada. Dá para imaginar muitos motivos e significados para isso, e nenhum parece bom.

Mas isso é uma característica das obras de Shinichiro Watanabe: seus cenários são o futuro ou o passado, mas refletem o presente de forma aguda. Nesses mundos, ele molda pessoas reais e as dá o sopro da vida.

 

Futurista e familiar

 

Um tema se destaca já desde o primeiro episódio: nesse mundo, parece, a produção musical vem sendo tocada cada vez mais por inteligências artificiais (IAs). Visto em seu valor de face, isso não se compara a nada que exista no mundo real. Mesmo música produzida por programas sintetizadores avançados como o Vocaloid (de Hatsune Miku, por exemplo) ainda é composta por um ser humano de carne e osso.

Não estou dizendo que não seja possível usar IA para produzir obras de arte, até porque me lembro de já ter lido sobre isso por exemplo em ilustração e roteiro de cinema, mas por enquanto é tudo experimentação, e mais pelo valor científico do que qualquer outra coisa. Não há produtos culturais produzidos por IA hoje em dia que eu tenha conhecimento.

Mas não se pode comparar isso com, sei lá, a padronização e industrialização dos processos artísticos, por exemplo? A velha crítica sobre estar-se produzindo “cada vez mais” músicas (ou filmes, mas para o interesse de Carole & Tuesday, músicas) “enlatadas” ou qualquer coisa parecida?

Não vou longe a ponto de dizer que o anime endossa ou endossará essas críticas, mas acredito que deve usá-las como um elemento de enredo através de uma situação limite, um mundo distópico no qual a música realmente é criada em linhas de produção por programas de computador, tendo removido seu componente humano.

 

 

Angela e Gus, dois outros personagens que aparecem nesse episódio, parecem ter relação direta com esse tema de fundo. Angela é uma cantora (e modelo, atriz … enfim, uma idol ao molde japonês) que parece ter uma relação difícil com sua empresária e poucas alternativas, já que o IA avança no mercado. Ela aceita ceder a um produtor que só trabalha com IAs.

O que exatamente ela “cedeu”? Suponho que vá se tornar intérprete de músicas compostas por IAs ou algo assim, talvez tendo até que mudar sua imagem, modo de comportamento, etc, tudo para valorizar o “produto”.

Já Gus é um velho bêbado que já foi músico ou trabalhou na indústria musical e agora apenas detesta música de IAs. É alguém mais velho e que talvez possa vir a servir como um guia para as protagonistas nesse mundo, que por enquanto estão apenas cheias de boas intenções mas aparentemente sem nenhuma ideia de qual deve ser o próximo passo, além de criar músicas.

 

 

Também, pudera. Elas mal conseguem colocar em palavras seus próprios sentimentos. É aí que a música entra, como uma linguagem universal.

Tuesday já estava derrotada, com fome, pensando em voltar para casa após ter sua mala roubada (ela é uma menina rica sem conhecimento das ruas…), quando encontrou Carole tocando na rua.

 

O local do primeiro encontro

 

E sentiu a solidão da outra.

A mesma solidão que ela devia estar sentindo – e que talvez já viesse sentindo há muito tempo, por isso decidiu fugir de casa. Mas a música de Carole, sem letra nenhuma, transmitia mais do que solidão: transmitia também a determinação de continuar, apesar da solidão. Era essa determinação que começava a falhar em Tuesday.

Por isso ela chora.

Por isso ela agradece.

Foi só isso que as duas precisaram para se entender. Depois fugiram da polícia juntas – é proibido tocar em público, porque é lógico que é. Enquanto corriam se apresentaram. Uma é Tuesday, mas é por que nasceu em uma terça-feira? Ela não sabe. A outra é Carole, mas é por que nasceu no natal? Ela também não sabe.

Ao final daquele dia já estavam sonhando em sua carreira musical enquanto admiravam as luzes da cidade.

 

O local da primeira promessa

 

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá Dani, tudo certinho?

      Infelizmente Carole & Tuesday é um anime co-produzido pela Netflix, o que significa que é um exclusivo deles, e como sabemos a prática de mercado da empresa não inclui o simulcast. Eu assisti com legendas em inglês, de fansub.

      De lá para cá aposto que deve ter sido fansubado em português também. Mas se preferir esperar, em alguns meses sai na Netflix, só não sei ainda se vai sair inteiro de uma vez só ou se será dividido, porque durará dois cour, e Little Witch Academia teve dois cour e eles não foram lançados ao mesmo tempo na Netflix.

      Obrigado pela visita e pelo comentário!

  1. E aí peoples!!!Tudo bão???

    Grandes expectativas!!! Afinal esse sai com grife S. Watanabe…Mas como dito na expectativa, o anime não teve o catch de Cowboy Bebop em seu primeiro episódio, mas calma, por favor, guardem os garfos de feno e tochas…Hehehe…Eu explico… E que CB tinha a lógica de “western” de “bang bang”, tiros, lutas e todo aquele “eye candy” e apelo a plateias masculinas. Não sei, mas se eu, uma mulher fosse, e ainda fã de um anime bem feito, me sentiria o mesmo o que senti com C&T. Lógico, que mulheres podem gostar de CB (o youtube tá cheio de canais femininos de anime que tecem loas a CB).
    Se estou decepcionado com C&T? A resposta é um redondo…Não! Apenas racionalizando que é uma história que começa digamos “mais feminina” sem tiros, sem lutas e todo aquele “eye candy” para homens. O andamento mais delicado sem cortes bruscos, a música bem “feel good”…
    Mas que começamos com duas almas procurando as tais “respostas” e a sua jornada para acha-las essas premissas sempre dão um caldo bom, acho que já é um ponto na semelhança de C&T e CB. Aposto minhas fichas e cacifo qualquer aposta que esse vai ser “o do ano”!!!

    Vai ser muito legal essa jornada ainda mais com o “Mexicano” (que é black belt ultimo dan em resenha). E a piada citada por ele só fica bom em japônes (a ouvi em inglês, maasss não teve o mesmo impacto…).

    Agora uma perguntinha de comentarista chatinho para caramba…Pô a mala da Tuesday que era toda cheia das modernidades não manda sinal via GPS ao celular da dona? Sei ,foi chatinho. e não quero atrapalhar aqui a ninguém o desfrute desta que pode ser uma “magnus opus” (mais uma) do Sr. Watanabe,

    Nos vemos por aqui um abração a todos!!!!!

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá James, tudo certinho?

      E não só o Shinichiro Watanabe, né? Como escrevi no artigo, a equipe reunida para o projeto impressiona, e com os patrocínios que amealhou mais a co-produção da Netflix, não vai faltar dinheiro. É impossível dar errado.

      Não sei se entendi o que quis dizer sobre “catch”, até porque a comparação com Cowboy Bebop é complicada, já que são gêneros muito distintos. Para um musical, teve música já no primeiro episódio, e achei ótimo. Se o problema for ação mesmo, algo com adrenalina, teve aquela breve fuga da polícia, que rendeu até a capa do artigo. Foi pouco, mas para um anime que não é nem remotamente de ação, foi bastante.

      Sobre as protagonistas, são duas garotas e nenhuma delas esconde sua feminilidade, sem dúvida. Isso faz de Carole & Tuesday um anime que, de cara, serve para que o público feminino se identifique. Mas não sei se diria que é um anime em si feminino. O que não falta afinal são animes para público amplo, ou mesmo para público estritamente masculino, não apenas protagonizados, mas por vezes com elencos inteiramente femininos. Nessa hora os clichês fazem diferença e a forma como a história é contada é muito importante para definir seu público alvo.

      Especialmente no gênero musical, que não é inerentemente masculino ou feminino. Francamente, para um projeto grandioso como esse, não faz sentido reduzir o público potencial. Temo que a feminilidade das protagonistas afetará a história apenas o suficiente para que sejam verossímeis, mas não apostaria em Carole & Tuesday tendo uma narrativa essencialmente feminina. Não vai ser nada como Nana, por exemplo, e não falo só do drama, claro, mas da forma como a história se desenvolve e de como as personagens reagem ao seu mundo. Isso é uma aposta minha, pode cobrar depois.

      Falando em termos de “jornadas” e “respostas”, aposto em um feeling semelhante ao de Samurai Champloo, outra obra do Watanabe, bem menos trágica do que Cowboy Bebop. E com uma protagonista mulher também!

      Quanto à mala da Tuesday … bom, ela nem sabia que a carga era baixa, não ia aguentar suportá-la por mais do que alguns metros. Ela é um passarinho que cresceu engaiolado. Ficou cansada tendo que sair sozinha de casa na primeira ladeira. Provavelmente nunca usou sozinha uma mala daquelas antes. Se tem localizador, ela não sabe. O celular dela (ou algo que ela esteja carregando) tem, ela não faz a menor ideia disso, e sua família já está indo atrás, no que deve ser um dos conflitos da série.

      Obrigado pela visita e pelo comentário! 😊

  2. Grande “Mexicano”, primeiramente agradecendo pelo primor analitico em vossa resposta!! Acho que o grande potencial de C&T em termos de enredo (pq em termos visuais não tem o que dizer) vão ser dois:
    – O consumo de musica produzido em IA e a musica humana…Uma critica a IA como um todo…
    – A sociedade de classes…E como membros de duas classes distintas: uma refugiada, que ainda estou ansiosissimo para saber a história dela. E uma aristocrata…Unidas no combate a aquilo que as oprime distintamente (uma “raladora” que olha para frente e não se abate e uma “patricinha” cuja opressão vem da riqueza e da blindagem ao mundo real).

    Quanto a vaca sagrada que é Cowboy Bebop, bem a diferença entre CB e C&T é que CB era episódico. Eram eps. que poderíamos assistir independentemente sempre com personagens novos e os arcos de ligação entre eles eram bem tênues e breves. Jet com seu passado de policial trabalhando numa instituição corrupta, Faye e seu salto temporal, a Ed desmiolada de tudo (e a mais irritante personagem de anime que a gente gosta…) e Spike com seu passado mafioso. Pelo visto isto não ocorrerá em C&T, nem daria…Dada a premissa do primeiro ep.

    E bem estamos falando de um gap de mais de vinte anos entre uma obra e outra…E seus criadores, assim como nós, envelhecem e quando envelhecemos mudamos perspectivas, visões, opiniões etc etc…Técnicas mudam e por aí vai…E isto tem de ser levado em conta. Afinal, só saberemos se C&T é uma obra de estar no panteão ao seu final (e torço muito para isto) e WatanabeSan é apenas 3 anos mais velho que eu (e o desgramado tem menos cabelos brancos!), somos contemporâneos (mas não somos anacrônicos..Ainda! KKKK). Entendo o lado de cinquentões…

    E agradeço por estar ainda no mundo dos vivos para testemunhar mais uma obra de WatanabeSan & Partners Co. Ltd.

    E a explicação da mala dada por vc foi primorosa…Perfect Ten!!!

  3. E quanto a grana…Não sei porque me lembrei de “Heaven’s Gate” do Michael Cimino…Mas claro que WatanabeSan não é um megalomaniaco como Cimino…Alias, recomendo “Heaven’s Gate” (a versão de 219 min. da Criterion Collection) sabe num momento sem muito o que fazer tendo mais de 3 hrs de tédio pela frente…KKKKK

  4. E explicando o “catch”…Bem, e meio complicado…Mas vamos lá…Primeiro, o catch já vinha na abertura com Tank! depois introdução de dois “caçadores de recompensas” com ares bem blasé, bem “tô nem aí”, depois veio aquela luta do Spike no bar (o anime foi lançado bem antes do Matrix e seu “bullet time”), um “shootout” que lembrou muito Robert Rodriguez (que faz aniversário no mesmo dia que eu!!Temos a mesmissima idade) em “El (me engana que eu gosto que fez o filme por 7000 doletas) Mariachi” o uso soberbo do anacronismo nos cenários, animação de qualidade cinematografica (em televisão de tubo CRT, vi CB no saudoso Animax da extinta DirectTV)…Eu tinha vinte anos a menos…E com vinte anos a mais podendo ver CB em 4K não perdeu ainda o seu “catch”…E esse “jovem senhor de passagem” manda um abraço caloroso a todos e acompanhando C&T com a mesma sofreguidão que esperava pelo proximo ep. de CB…KKKKKK

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