Sísifo foi condenado pelos deuses a repetir por toda a eternidade a tarefa de subir uma montanha carregando uma pedra enorme e no cume soltá-la para rolar encosta abaixo. Em certo momento, Sísifo desce a montanha para agarrar a pedra e novamente subir com ela. É nesse momento que, livre do esforço, ele pensa sobre sua condição e se revolta sobre a tarefa absurda e sem sentido que terá que fazer por toda a vida.

O escritor e filósofo Albert Camus observa no mito de Sísifo a imagem do proletário, homem trabalhador que está condenado a repetir tarefas indefinidamente por toda sua vida. Para Camus, o instante em que ele reconhece sua condição só aconteceu no tempo livre, momento em que ele deseja ter uma existência com mais sentido.

Diferentemente da visão pessimista sobre trabalho supracitada, segundo o Calvinismo, a prosperidade material é vista como sinal que você é um eleito para habitar o Reino dos Céus após a morte. Max Weber (um dos pensadores clássicos responsáveis pela fundação da sociologia) na sua obra mais famosa (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo) notou a relação do protestantismo com as ideias de trabalho e riqueza. Evidentemente que a burguesia em acensão na época gostou de saber que havia uma religião que ia de encontro aos seus interesses.

O que tem a ver tudo isso que escrevi com esse singelo anime no qual comento? Vou chegar lá.

Ao longo de séculos a noção sobre trabalho e a forma como o enxergamos mudou bastante. Se antes a nobreza se gabava por ter tempo ocioso, agora quem não trabalha é tachado de vagabundo. Se antes o trabalho era uma punição divina (Adão e Eva quando foram expulsos do paraíso eles foram condenados a viverem aqui na terra vivendo do suor de seus rostos), agora o trabalho dignifica o homem.

Nakano é um trabalhador comum que, aparentemente, é um bom funcionário, mas essa rotina diária não o deixa feliz. Qual o sentido de ter que ir cedo para o trabalho e voltar para casa pegando o último trem? Imagine te que repetir tal rotina todo santo dia. Seria Nakano um Sísifo moderno? Ou seja, alguém que obrigado a fazer uma tarefa sem chegar a lugar algum com isso.

Em algum lugar destinado aos deuses (e semi-deuses) Senko olha um pobre homem infeliz e decide ajuda-lo. Em quaisquer religiões, deuses não precisam se preocupar com nada pois estão numa posição muito acima dos meros mortais como nós. O que separa os homens dos deuses é como somos limitados (em todos os sentidos), enquanto Senko pode fazer o que quiser, Nakano está preso à sua rotina diária. Senko veio à terra ensina-lo como relaxar é uma dádiva que merece ser desfrutada. Se até Deus, segundo os relatos bíblicos descansou no sétimo dia, quem somos nós para acharmos que tirar um tempo para relaxar é perda de tempo.

É interessante notar que o Nakano não se importava com mais nada além de cumprir suas funções profissionais. O cansaço fez que ele nem se importasse se já havia jantado ou não, pois o que importava para ele, era chegar em casa e dormir para que novamente executar sua rotina de trabalho.

A dinâmica entre os personagens principais (a raposa semi-deusa e o humano no qual ela interage) é simples, e mostra de forma clara que a intenção é fazer quem está assistindo relaxar com os mimos que ela faz no personagem masculino (cozinhar, limpar o ouvido. etc). O grande destaque fica pela fofura da protagonista que deixa o clima levíssimo.

É muito comum que animes do gênero slice of life venham acompanhados de comédia, o que talvez pode não ser o caso aqui, pois a comédia não é um dos pontos fortes dessa obra. O ponto que será decisivo para ver ou não esse anime é o nível de empatia com os personagens. Claro que a interação do elenco também conta, mas empatia é fundamental quando o melhor que uma obra tem a “vender” são seus próprios personagens.

Nakano poderia ser qualquer um de nós, que por sorte encontrou alguém que possa mima-lo e cuidar dele. Quando crianças éramos acostumados ao mimos que normalmente vinham de alguém da família (país, avós, tios), e isso faz sim um pouco de falta na fase adulta. O personagem masculino em questão, não tinha ninguém para recebê-lo quando esse chegasse cansado depois de um longo dia de trabalho.

Por fim, a parte pós crédito é algo muito legal pois deixa o anime imersivo ao colocar o expectador em primeira pessoa sendo mimado pela Senko. Essa forma de interação nos deixa mais próximos da personagem ao mesmo tempo que deixa o próprio show mais próximo de quem assiste. Existe, claro, uma barreira que nos separa da ficção, mas estar um pouquinho mais próximo do que assistimos não é uma ideia ruim.

Obrigado a você que leu este artigo até o final, e até a próxima!

Fonte: Trabalho – O conceito e a relação com o tempo livre ao longo da história.

 

  1. “Se até Deus, segundo os relatos bíblicos descansou no sétimo dia, quem somos nós para acharmos que tirar um tempo para relaxar é perda de tempo.” Eu quero pregar isso na porta do meu quarto. xD

    Eu trabalho e estou com 30 anos, então já me identifico com o estresse do Nakano. Sei muito bem que preciso me desligar de vez em quando, pra não entrar em colapso. E meus mimos geralmente são esses animes relaxantes. ^^

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