Uma franquia preocupada em tocar os corações das pessoas tanto através de romances e da música quanto através dos seus mechas. Uma obra concebida durante a década em que robôs gigantes reinaram supremos e que continua a influenciar criadores e a povoar os sonhos dos apreciadores de operas espaciais até hoje. Com vocês, mais um episódio de Entre no maldito robô.

Em 1974, estreava nas tevês japonesas a série Uchuu Senkan Yamato. A saga da nave espacial construída sobre as ruínas do couraçado japonês de mesmo nome destruído durante a 2ª Guerra Mundial rapidamente se tornou um massivo sucesso televisivo e, mais tarde, nos cinemas, influenciando toda uma geração de jovens fascinados por ficção científica e histórias sobre coragem e superação. Dentre eles estava um estudante na cidade de Yokohama chamado Shoji Kawamori. Ainda no Ensino Médio, Kawamori, que sempre foi interessado em desenhar e em montar diversos tipos de estruturas, conseguiu um emprego de meio período num dos estúdios responsáveis pela animação de Yamato, o estúdio Nue. Quando entrei na universidade eu comecei a ler sobre engenharia mecânica na esperança de fazer coisas como carros ou aviões. O problema é que não havia um equivalente japonês à NASA. Enquanto isso, meu emprego no Nue começava a ficar cada vez mais puxado. Mas logo eu percebi que, trabalhando com animação, eu poderia projetar as naves espaciais que eu tanto adorava, e isso foi um divisor de águas para mim (tradução livre de trecho desta matéria publicada no site da revista Forbes em 10 de dezembro de 2015).

Alguns anos após ter se tornado animador e designer mecânico profissional, Kawamori participou da equipe encarregada de produzir um novo mecha anime no estúdio Nue. Inicialmente intitulado de Battle City Megaload, a série era fortemente influenciada por Gundam, mas tinha um tom mais cômico por imposição do seu patrocinador, um conglomerado empresarial chamado Wiz. Kawamori e outros de sua equipe, porém, queriam produzir uma ópera espacial mais séria como sua amada Yamato. Depois que o grupo Wiz saiu do projeto e com a entrada da agência publicitária Big West e do veterano estúdio Tatsunoko como patrocinadores, Megaload foi rebatizado como Macross e a produção finalmente começou pra valer.

Exibida na rede de televisão MBS a partir do dia 03 de outubro de 1982, Super Dimension Fortress Macross conta a história da tripulação da nave que dá título à série em sua luta contra uma raça de alienígenas humanóides chamada Zentraedi. Em 1999, uma gigantesca nave espacial caiu na fictícia ilha de Atária do Sul. Dez depois, a humanidade encontra-se unificada depois de uma violenta guerra (evento mostrado na série de OVAs Macross Zero de 2001) e conseguiu enorme progresso científico depois de explorar a tecnologia encontrada na espaçonave alienígena. Enquanto a humanidade comemorava a restauração da nave, rebatizada de Macross, uma patrulha Zentraedi que há anos procurava a nave que pertencia a uma raça inimiga se aproximou. Macross detectou presença inimiga e acionou um canhão laser que destruiu parte da frota Zentraedi. Mas tudo não passava de um plano dos gigantes alienígenas para localizar a espaçonave e assim a Terra se viu diante de um “vizinho” hostil com tecnologia militar várias vezes mais desenvolvida que a do nosso planeta.

Fosse apenas isso, Macross não seria diferente de tantas outras séries que vieram antes ou depois. Mas ao focar-se menos nas minúcias das batalhas e mais no trio de protagonistas, a série, assim como a nave-título, deu o primeiro dos seus vários saltos. O protagonista, Hikaru Ichijo, é um piloto civil amador que acaba se envolvendo com a aspirante a cantora e atriz Lynn Minmay quando a cidade em que eles estão é transportada para dentro da Macross durante um dos saltos espaciais. Mas por conta da imaturidade da jovem Minmay, Hikaru acaba se envolvendo com a oficial Misa Hayase quando os dois são capturados pelos Zentraedi que buscavam entender como os humanos “funcionam”. Há ainda o piloto Roy Focker e sua namorada, a também oficial Claudia LaSalle (umas das primeiras personagens negras com algum destaque num anime), o ás do espaço Maximillian Jenius, o capitão Bruno J. Gloval e seu inseparável cachimbo, sem contar as dezenas de Zentraedi, com destaque para a dupla Britai e Folmo. E ainda nem falamos dos Valkyrie!

Projetados por Kawamori e seu parceiro Kazutaka Miyatake, os Valkyrie são caças que se transformam em robôs equipados com canhões especiais e que conseguem atingir enormes velocidades quando em modo de avião. Seus designs icônicos estão entre os mechas mais reconhecíveis de todos os tempos até mesmo para quem não tem familiaridade com o gênero.

As cenas de batalha envolvendo os Valkyrie se tornaram referência dentro da cultura pop japonesa graças ao trabalho de um animador em particular: Ichiro Itano. Começando sua carreira no final dos anos 70, Itano teve a sensibilidade de dar sensação de tridimensionalidade nas cenas que fazia, culminando com uma técnica de animação que consistia em preencher todos os cantos possíveis da tela com mísseis que se comportam como faíscas voando sem direção aparente. Essa técnica recebeu várias nomenclaturas, mas é mais comumente referida como “Itano Circus(nota do Mexicano: no TV Tropes, o Itano Circus é chamado de “Macross Missile Massacre” – outra adequada referência à origem do tropo). Embora Macross não tenha sido a primeira série onde ela foi empregada, pode-se dizer que foi onde ela foi aperfeiçoada e tornada famosa. (Uma compilação de várias cenas onde o Itano Circus é empregado pode ser visto aqui.

Não poderíamos terminar de falar sobre Macross sem mencionar a importância que a música tem na franquia. Na série original a personagem de Lynn Minmay sonha em se tornar uma cantora famosa e acaba conseguindo atingir seu objetivo, mas com consequências profundas em sua vida. Interpretada pela também cantora Mari Ijima (que, no começo das gravações, tinha apenas 18 anos de idade), Minmay é uma personagem que divide a opinião dos fãs até hoje, muita por conta da forma como ela trata o protagonista Hikaru. Mas é inegável, porém, que sem ela Macross seria algo completamente diferente. Dois anos depois do seu lançamento, Macross ganhou seu primeiro longa, batizado de “Do You Remember Love?“. Composto inteiramente de novas cenas animadas, o longa reconta os eventos da série até a descoberta do segredo por trás dos Zentraedi e sua relação com a humanidade. Nele, Ijima/Minmay canta aquele que é um dos maiores clássicos de todos os tempos na história das anisongs, “Ai Oboete Imasu Ka“, numa das minhas cenas favoritas da animação japonesa.

Com este texto, me despeço momentaneamente dos meus queridos leitores e leitoras pois a partir da próxima coluna o Entre no maldito robô passará a ser mensal. Até lá!

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