Nem só de comédia, drama e romance vive o slice of life. O subgênero, entre os iyashikei (animes ‘curativos’) e as estórias de vida escolar (outro subgênero), pode estar atrelado a animes que encontram no sobrenatural elementos instigantes para entreter o espectador – encantando ou gerando tensão –, seja como parte fundamental da narrativa, seja como subtrama.
A amizade é uma conexão afetiva/emocional, por isso não é surpreende que uma pessoa que tropece constantemente em sua ansiedade social, falta de confiança e timidez possa relacionar-se com alguém espevitada, corajosa e sociável. Aoi Yukimura e Hinata Kuraue conheceram-se na escola primária, quando sobem uma montanha juntas pela primeira vez e prometem repetir a experiência. Porém, elas passam um período distantes, até se reencontrarem no ensino médio. Hinata, a expansiva, e Aoi, a acanhada, retomam a amizade que é fortalecida pelo montanhismo.
A terceira temporada é a que traz obstáculos ao convívio e desafios para a união entre elas. Amadurecer é um processo repleto de desejos, dúvidas e descompassos, há muitos enganos e frustrações envolvidos, mas também as fases de primícias e descobertas Aoi e Hinata estão crescendo e alguns ruídos são sentidos em sua relação. No entanto, Hinata internaliza o seu incômodo e Aoi não percebe os sinais de um afastamento que se instalou como ameaça, um fantasma silencioso.
O período Bakumatsu refere-se à última década e meia do shogunato Tokugawa (uma ditadura feudal, que durou de 1603 a 1868, também conhecida como Era Edo, por ser a cidade-sede do governo), sendo os episódios inaugural e de desfecho, a visita do Comodoro Perry em 1853 ao Japão e a Restauração Meiji de 1868, respectivamente.
Adaptação do mangá homônimo de Tomiyaki Kagisora, em seu oitavo volume, serializado pela revista Gangan Joker, Happy Sugar Life traduz de maneira precisa uma das mais conhecidas definições sobre o horror, o de que o gênero “se faz acompanhar de um sentimento de obscura incerteza em relação ao mal que tanto teme”. A eloquente afirmação é de Ann Radcliffe, escritora inglesa, que é uma das pioneiras do romance gótico, que tem como principais obras Os Mistérios do Castelo de Udolfo, de 1794, e Os Italianos, de 1797. Passados 200 anos, a série anime do estreante estúdio Ezόla, com direção de Keizou Kusakawa (Inukami! [2006]) e Nobuyoshi Nagayama (My Girlfriend is Shobitch [2017]) e roteiro de Touko Machida (LuckyStar [2007] e Wake Up, Girls! [2014]), surge para nos relembrar o quanto à dúvida e à ambiguidade podem ser capazes de conduzir um mistério e nos entregar o estrato mais assustador do horror: um cotidiano apavorante devido a traumas, à violência e um senso distorcido da realidade.
Gaikotsu Shotenin Honda-san é uma comédia curta de 11 minutos aproximadamente. Dividida em dois esquetes, a série, com direção de Owl Todoroki e roteiro de Shin Okashima, possui um humor referencial e explora as mais diversas situações que podem ser encontradas em uma livraria especializada em mangás.
A temporada de verão trouxe o horror dramático Happy Sugar Life, no qual Satou, uma adolescente yandere, apaixona-se por Shio, uma criança entre 6 e 9 anos. Mal o espanto deixado pela série se findou, eis que estreia Uchi no Maid ga Uzasugiru!, em que uma ex-oficial das Forças de Autodefesa do Japão emprega-se como governanta para ficar próxima da menina Misha, por quem nutre uma estranha paixão. O diferencial é que o anime dirigido por Masahiko Oota (Gabriel DropOut [2017] e Love Lab [2013]) e roteirizado por Takashi Aoshima (Yuru Yuri [2011]) é uma comédia. Uma série de humor protagonizado por uma lolicon. E o primeiro episódio é engraçado e ao mesmo tempo incomodante. Mas tem alguns temas sérios tratados com leveza. O slice of life traz as táticas de Tsubame Kamoi para se aproximar e ganhar o coração da garotinha de descendência russa. A criança é irascível e malcriada, mas tem suas razões para isso, já que lida com a dor da perda da mãe.
Uma fatia de vida em que uma garota e uma vampira se encontram e iniciam uma relação, na qual um crescente laço afetivo transforma o cotidiano delas. Pode ser um ponto de partida simples, e com a intensidade de fofura atingindo um nível extremo, mas a história dessa amizade inusitada é divertida, relaxante, sagaz e um tanto maliciosa (mas singelamente ingênua) – com a manifestação do evidente interesse romântico de Akari por Sophie, a vampira.
Antítese do Cute Girls Doing Cute Things (garotas fofas fazendo coisas fofas). Um anti-moe por excelência. São definições que servem ao universo de Asobi Asobase, que ultrapassa o razoável e engendra uma comédia bizarra, nonsense e absolutamente hilária, sem receio de apostar no humor sem limite. Porém, a autoconsciência que a série tem da estupidez de suas protagonistas confere-lhe um olhar sagaz para a vida de garotas do ensino médio e suas relações. Aqui, as estudantes são amalucadas, exageradas, insensatas e muitas vezes malvadas. Asobi Asobase acrescenta ao gênero vida escolar um ingrediente especial: o da imprudência desmedida. A loucura do cotidiano é multiplicada por mil se comparada a Azumanga Daioh (2002), que é brincalhona, mas adorável, e Nichijou (2011), disparatada e kawaii.
Há séries cômicas que investem na criação de situações aleatórias e outras que optam por reservar mais espaço para o desenvolvimento de suas personagens, sempre apresentando alguma novidade sobre elas a cada segmento. Isto é, no segundo caso, há uma continuidade, mesmo que o propósito não seja encadear os esquetes e nem uma significativa progressão da história. Chio-chan no Tsuugakuro é uma comédia que se sustenta confortavelmente nesses territórios que muitas vezes são engendrados ou tratados como opostos.
O horror com happy ending é um legítimo filme de terror? Esperança versus medo. Reconciliação versus ruptura. Culpa versus perdão. Uma obra de terror é um passeio pelo inferno, mas pode não ser o destino derradeiro, pois há casos em que se encontra uma escapatória, um caminho que leva a(o) protagonista a se deparar com alguma segurança e/ou redenção, revelando, assim, uma luz no fim do túnel. Mas uma criança sentada em uma cama de hospital falando do amor que carregará para sempre por aquela que salvou a sua vida, com um olhar idêntico a sua protetora morta, num misto de simbiose e encarnação, acreditando não haver nada além daquela felicidade é um happy ending? O olhar de Shio é assustador. E é triste. Por isso, o sacrifício de Satou não significa a preservação da inocência da criança, mas sim o triunfo de um mundo perverso, da estrada pavimentada por adultos (afinal, as duas são frutos de lares abusivos) e seus desvios de comportamento, que geram os mais terríveis resultados. O episódio final de Happy Sugar Life – um desfecho original, já que o mangá ainda está em andamento – encena o amor, contudo entrega, nas entrelinhas, algo diferente: um palácio de ilusões, um tipo de felicidade possível apenas para pessoas quebradas, já que o lado de fora está contaminado.