Me pergunto se o Vinícius, amigo e blogueiro do Finisgeekis, diria que esse episódio foi positivo também, como ele disse em comentário sobre o episódio anterior. Sobre aquele eu concordo totalmente: apesar de uma tragédia pessoal que é sentir-se traído em múltiplos níveis depois de tanto tempo pela pessoa que você mais admira, o fato é que o primeiro episódio contou uma história de redenção de um ladrão honrado.

Já nesse segundo episódio não há honra alguma. Um homem apaixonado por uma mulher faz um juramento juvenil com um amigo e assim a perde para um homem aleatório qualquer apenas para descobrir uma década e meia depois que a felicidade dela durou pouco, tendo sido rapidamente substituída pelo desespero e pelo amargor que levaram a uma vida de crimes e, finalmente, a uma tentativa frustrada de vingança, encarceramento e, bem, eu não esperaria nada de bom para ela depois disso. De fato ou metaforicamente, a vida dela acabou ali. Pior que isso: a vida dela já havia acabado muito antes.

Esse foi um daqueles episódios para se assistir e ficar deprimido em seguida. Não há redenção, não há consolo, não há o menor rastro de felicidade. Apenas uma história verossímil sobre a realidade nua de um mundo selvagem onde o homem é o predador do homem. No final Samanosuke tenta amenizar dizendo a Heizou que se por um lado ele perdeu o amor de sua vida, que ele nunca pôde realizar mas que sempre guardou com carinho no coração, pelo menos recuperou o contato com o amigo. Mas isso lhe parece compensação suficiente? Será que ele estaria igualmente arrasado se tivesse ganhado o amor de Ofusa em troca da desgraça de Heizou? Esse é uma pergunta difícil de responder, para ser sincero, e acredito que seja errada. Toda perda é dolorosa. Não era preciso que ele passasse por aquilo para reencontrar Heizou. Se o anime faz parecer aquela cena algo positivo apesar de tudo o motivo certamente é outro; talvez Samanosuke se torne personagem recorrente? Entrará para as forças policiais comandadas por Heizou?

E se o enredo desse episódio é incrível, sua arte não fica para trás – em particular a fotografia e a cenografia. A animação em si segue o mesmo estilo limitado, não sei se barato ou apenas uma escolha estética (com certeza é uma escolha estética, o ponto aqui é que às vezes animações aparentemente “mais feias” ou “simples” possuem na verdade técnicas de produção mais complexas, desafiadoras, e no fim das contas mais caras), mas os enquadramentos e a composição são incríveis. Enquanto Heizou retorna para o local onde morou há muitos anos atrás só se vê pessoas andando na direção contrária; até mesmo as sombras apontam na direção oposta. Tudo isso está ali a indicar que o Onihei está realmente a andar para trás. Sua volta física ao local de seu passado é também um retorno metafórico. Mas o que mais me cativou foi outra simbologia.

Na primavera eles conversaram

A que destaco no título do texto. As estações do ano estão profundamente conectadas à história da trágica Ofusa (com dublagem incrível da Megumi Hayashibara! Sabia que reconhecia aquela voz e não foi surpresa confirmar isso após assistir o episódio). Ela e Samanosuke compartilharam momentos ternos na primavera, trocando palavras frívolas e inconsequentes enquanto observavam a floração das cerejeiras. O casamento dela se deu durante o verão e foi o pináculo de sua vida, quando engravidou e achou que seria feliz para sempre. Mas a inveja e a ganância de seu cunhado não permitiriam que isso durasse.

No verão ela se casou

Ofusa daria um herdeiro a seu marido e isso não poderia desagradar mais o irmão dele, que certamente desejava desde então herdar a rica tecelagem da família. O anime não deixa claro, mas ficou implícito que ele foi o responsável pelo aborto de Ofusa e pela morte de seu marido logo em seguida. Depois disso ela teria que trabalhar para poder continuar naquela família e naquela casa mas foi maltratada e finalmente expulsa. Tudo isso durante o outono. Ela vagaria pelas ruas até encontrar um bandido dos grandes (física e metaforicamente) com quem se casou. Talvez tenha sido forçada a tanto? A violência com que o ato sexual é retratado dá a entender que sim. Não importa. Ofusa acabou descobrindo as “virtudes” da violência ela própria, e esse se tornou seu escapismo. Até o dia em que planejou roubar e matar o ex-cunhado.

No outono tudo lhe foi tirado

Naquele inverno Heizou já estava no caso. Ela foi capturada, julgada, sentenciada: culpada. Não exibia traço de remorso ou sequer de raiva, e talvez tenha sido isso o que mais perturbou Samanosuke: aquela era Ofusa, o tique de ajeitar o cabelo com a mão não deixava dúvidas. Mas aquela não era mais Ofusa. Ela provavelmente o reconheceu, mas seus olhos já estavam mortos. Há anos que já estavam mortos, aposto. Houvesse ainda faísca de vida em Ofusa e talvez ela pudesse pelo menos ter sentido raiva de Samanosuke: ele estava lá antes de tudo acontecer e depois desapareceu. Ela sofreu sozinha e ele só retornou quando era tarde demais. Mas não, nem isso. Apenas indiferença. Vida, morte, tanto faz.

No inverno ela foi condenada

De novo, é como o caso do primeiro episódio: reencontro cheio de frustrações depois de muitos anos. Estava tudo errado. Não deveria ter sido daquele jeito. Mas no primeiro episódio ainda havia o bem e o mal relativamente definidos entre os ladrões, tendo cabido a Heizou o julgamento. Nesse episódio Heizou apenas capturou uma mulher que teve tudo tirado de si e sucumbiu ao crime. Ela estava errada. Aquele de quem ela queria se vingar estava errado. Samanosuke e Heizou foram meros expectadores do capítulo final dessa tragédia, com o fardo extra de terem lido até a metade e acreditado que aquilo era um “e viveram felizes para sempre”.

  1. Este segundo episódio de Onihei, foi muito bom, mesmo que deprimente, eu comecei a ver o episódio alegre e quando o acabei de ver, já estava a pensar no meu percurso de vida. O Heizou deve ter tido uma vida bem cheia de acontecimentos marcantes para ele e este episódio serviu um pouco para isso, para mostrar um pouco do seu passado e se calhar de um amor juvenil que ele também deve ter tido pela jovem e bela Ofusa.
    A animação deste episódio, mesmo com orçamento limitado, esteve muito boa, a cena que eu mais gostei, foi aquela onde Samanosuke conversa com a Ofusa, a verem as cerejeiras em flor na Primavera, foi uma cena cheia de simbolismos.
    Eu tive pena do amigo do Heizou, Samanosuke literalmente teve uma vida de merda, não conseguiu casar-se com a mulher que amava (neste caso a Ofusa), 15 anos depois, não conseguiu nada daquilo que almejou, quando era novo, ficando um samurai sem dinheiro e o golpe final descobrir que a sua amada acabou por se tornar uma ladra, ver um homem daquele tamanho a chorar é de dar pena. Eu acho que aquilo que mais chocou o Samanosuke, foi o antes e o depois da Ofusa, como uma mulher doce e amável se tornou numa mulher amarga e vil. O caso da Ofusa, foi muito triste também, ela não casou com um velho de livre vontade, aquilo foi um casamento por conveniência, já para não falar que ela parecia nutrir alguns sentimentos pelo Samanosuke. A Ofusa depois de casada engravidou, até aqui tudo bem, se não fosse o facto do irmão do marido ser um filho da mãe ganancioso, eu acredito sim, que foi ele que fez a Ofusa perder o bebé, naquela altura qualquer drogaria de uma grande cidade, vendiam ervas que provocavam o aborto. Não bastando isso, esse mesmo irmão ainda se deu ao desplante de matar o marido da Ofusa só para ficar com tudo e ainda a expulsou daquilo que deveria ser da Ofusa por direito. Se o Samanosuke estivesse lá para a amparar se calhar ela não tinha caído no caminho da má vida e aquele chefe dos ladrões gordo abusou sim da Ofusa, aquela cena de sexo meio subentendida que apareceu no flashback dela mostra o desconforto dela, ela apenas se sujeitou aquilo para sobreviver. A meu ver a forma que a Ofusa arranjou para se abstrair dos constantes abusos do seu marido mafioso, foi o uso do ópio, aquilo que ela fumava naquele cachimbo não eram folhas de Tabaco e sim ópio, uma droga bastante comum na China e no Japão naquela altura. Eu sei que era ópio que ela fumava, por causa de algumas evidências claras, a fala arrastada, os olhos sem vida, a degradação do corpo.
    Naquela parte em que a Ofusa vai a uma espécie de julgamento e é colocada em frente ao Heizou e esta começou a explicar os motivos que a fizeram ir por aquela vida, foi muito triste, principalmente para o Samanosuke, que ainda estava na dúvida se aquela mulher em julgamento era mesmo a sua amada Ofusa, até que ela fez aquele tique típico da Ofusa de mexer no cabelo. Por uns momentos, quando o Samanosuke sai em prantos da sala de onde estava a ver o julgamento, que ele ia entrar em combate para salvar a mulher que amou e amava. Mas não ele lá se conformou, mesmo o seu semblante dizendo o contrário, ele acabara de ver o que o seu amor de juventude se tinha tornado, ele não perdeu a Ofusa uma vez e sim duas, uma quando ela foi obrigada a casar em jovem e agora que ela já era uma mulher mais madura e capturada por ser uma bandida. Mesmo que o Samanosuke diga que não perdeu tudo, porque teve a chance de reencontrar o seu amigo Heizou, não é 100% verdade, ele perdeu o principal motivo da sua felicidade, além de que ele não consegui realizar as coisas que almejou quando era mais jovem,
    Seria bem interessante, se o Samanosuke entrasse no grupo do Heizou, mas acho que isso não vai acontecer, o que tenho pena gostei bastante do personagem, ele é honrado, amigo do seu amigo e leva o lema dos samurais bem a sério.
    A ending deste anime é bem interessante, estou curioso com a letra dela.
    Como sempre mais um excelente artigo Fábio.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Boa essa sacada do ópio! Realmente. Quero dizer, acho que ela poderia estar acabada daquela forma apenas por desalento mesmo, me parece verossímil, mas ter se drogado não diminui em nada a tragédia daquela mulher, pelo contrário.

      E já são dois episódios seguidos de flashback! Isso me deixa curioso para saber se Onihei terá uma história fechada ou se seguirá com esse formato episódico até o final. Animes históricos episódicos podem ser muito legais e mesmo assim deixar a sensação de que falta algo, não é? Vide Joker Game ano passado.

      No mais, foi um episódio com forte carga emocional, mais ainda que o primeiro. Concordo com tudo o que diz sobre o Samanosuke, mas ainda tenho esperança de que ele possa reaparecer de verdade, como prometeu. Afinal, quando ele disse aquilo o céu já havia se aberto de novo!

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

      • Este anime ainda nos vai pregar uma grande partida. Acredito que este anime não vá ser, tão episódio como Joker Game, eu já vi o terceiro episódio, e parece que continua episódico, mas desconfio que o anime, vai continuar mais virado para o Heizou, que outra coisa, já se sabe que ele é um samurai que já chateou muita gente poderosa. O mais engraçado, é que cada novo episódio tem uma mensagem nele, o primeiro foi o caso do ladrão honrado, este segundo foi um caso de um samurai e uma jovem que tiveram percursos de vida difíceis.
        Este segundo episódio teve uma carga emocional altíssima, foi um episódio que me deixou a reflectir, como a vida às vezes pode ser uma porcaria.
        Caso o Samanosuke reapareça como prometeu, vai ser muito bom, ela aparenta ser tão hábil com a espada, como o seu amigo Heizou.
        Ansioso pelo artigo do episódio 3 que também foi muito bom.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Sim, não dá para cravar ainda qual será a estrutura narrativa de Onihei, talvez seja apenas não linear. Por exemplo, ainda precisam explicar como o Kumehachi morreu e quando o Heizou adotou a Ojun.

      • Pois ainda falta explicar a morte do Kumehachi, mas deve ter sido um motivo previsível, ele deve ter morrido ao tentar salvar o Heizou de ser morto. Eu digo isto, pois ele ficou em débito com o Heizou, quando este o salvou da vida de ladrão (ladrão, porém honrado). O sorriso da Ojun é contagiante, e o Heizou a trata como se fosse filha dele, mesmo esta não sendo filha de sangue. O filho do Heizou, não sai nada ao pai, só quer é vagabundar e sair com mulheres, aprender a manejar a espada nada.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        É verdade o que diz sobre os dois filhos do Heizou, o de sangue e a adotiva. A pequena está sempre feliz e é uma criança fofa, nesse episódio mesmo o Heizou disse para a Ojun alegrar a mãe que estava preocupado com o outro filho e ela foi lá e sentou-se no colo dela. Já o mais velho, bem, pode ser só fase, né? Ou pode acabar rendendo um episódio inteiro.

      • O filho do Heizou está naquela fase, de sair à noite, ter relacionamentos com as muilheres e beber, o próprio Heizou não o chama a atenção porque sabe, ele também passou pela mesma fase.

  2. Pior que sim, eu achei o episódio “positivo” (em uma dada acepção da palavra). Não concordo que não haja redenção ou consolo. Uma história inacabada do passado de Heizou foi finalmente concluída. Ele se reaproximou de um amigo caro da juventude. O crime foi resolvido – e, de quebra, serviu de veículo para humanizar o protagonista, mostrando sua relação com o filho.

    (Aliás, estou adorando como a série nos mostra o homem atrás da “máscara” a cada episódio. Impede que o Heizou vire um Yuuki de Joker Game: um profissional calculista que não existe fora de seu cargo)

    O episódio sem dúvida é trágico, mas a tragédia não deixa sequelas. Não há cinismo nem raiva. O caso abala Heizou, mas não o corrompe enquanto ser humano. É feio, mas é business as usual.

    Compare o episódio, por exemplo, a obras como True Detective, The Killing, Gone Baby Gone ou O Segredo dos Seus Olhos. Nestes casos, o horror do “cão come cão” penetra no coração dos protagonistas. Muito embora eles tenham finais “felizes”, eles não são felizes o suficiente para consertar o estrago. É a “felicidade” da personagem lovecraftiana que escapa com vida do encontro com os Grandes Anciões. Ela está “sã e salva”, mas viverá para sempre assombrada pela maldade que testemunhou.

    A ideia de que o trabalho policial é auto-destrutivo ou desumanizante é bem comum no gênero. É o que leva o Capitão Nascimento a dizer que a “polícia militar precisa acabar” ao fim de Tropa de Elite 2. Onihei não mostra isto. Ele é “positivo” porque sugere que é possível olhar para o abismo sem que ele olhe para você de volta.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Ah, tem razão, do ponto de vista do Heizou, do policial, que é o protagonista afinal, isso faz todo o sentido.

      Eu escrevi pensando no ponto de vista do Samanosuke, que pode ou não voltar a aparecer. E considerando esse episódio sozinho, ele é um personagem quase tão importante quanto o Heizou, o que justifica que se olhe o episódio através de seus olhos. Mas tem razão, a série ainda é sobre o Heizou e seu trabalho – e ele vê muita coisa suja, todos os dias, tenha a ver com seu passado ou não. Nesse sentido, como ele continua sendo uma boa pessoa, uma referência, um herói, o anime é positivo. Apesar de suas histórias individuais poderem ser trágicas.

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

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